Amanhecer-Novos Rumos







Novos Rumos

Dois horizontes fecham nossa vida:
Um horizonte, — a saudade
Do que não há de voltar;
Outro horizonte, — a esperança
Dos tempos que hão de chegar;
No presente, — sempre escuro, —
Vive a alma ambiciosa
Na ilusão voluptuosa
Do passado e do futuro.
(Trecho do poema 'Os dois horizontes' de Machado de Assis)

O aniversário decorreu com uma leve tensão entre Thomas e Jacob. Este último olhava persistentemente para o primeiro e eu tentava ao máximo distraí-lo para que ninguém percebesse a situação.
Seth não aparecera de todo e isso deixava Sue e Leah inquietadas, mesmo que esta última tentasse passar tranquilidade para a mãe. Sam havia mandado Brady e Jared para o procurar, mas assim que eles se transformaram, Seth reverteu a transformação para quebrar a conexão mental.

Depois dos parabéns e dos presentes, Tom se retirou para o seu quarto, abandonando a festa sem qualquer interesse nos falatórios.
Papai questionou se eu sabia o que tinha acontecido com meu irmão, mas eu nada respondi, olhando para Jacob, que se mantinha pensativo a um canto, de braços cruzados, e cenho franzido e desagradado.
Isso não podia continuar assim.

-Jacob, será que podemos falar a sós? – Perguntei num tom baixo, mas o suficiente para ele escutar.

Ele ergueu o olhar em minha direção e assentiu.
Apesar de saber que qualquer um dos lobos poderia ter escutado o que eu pedira a Jacob, todos estavam demasiado atarefados uns com os outros e com a festa, para tomarem atenção aos meus murmúrios.
Sai da sala em direção ao meu quarto e deixei a porta encostada, esperando que ele entrasse.
Fiquei olhando através da janela para o luar encoberto por nuvens negras, lá fora. Como as coisas na minha vida podem mudar de um sorriso cheio de felicidade para uma quase tragédia tão rapidamente? Vezes e vezes sem conta. O desânimo começará tomando conta de mim se isso continuar assim.

-Queria falar comigo? – A voz seca de Jacob soou atrás de mim, fazendo um arrepiu perspassar por meu corpo.

Olhei por sobre o ombro e me encaminhei até a cama, me sentando no colchão e batendo a mão sobre ele para que ele sentasse do meu lado.

-Jake…eu sei que pode parecer um pouco deslocado para você a situação da sexualidade do meu irmão, mas eu espero que isso não seja um preconceito seu…

-Eu não sou contra o que a natureza guiou. – Ele me cortou com uma voz mais suave, mas ainda assim dura.

-Bom, muito bom. – Falei mais aliviada. – Então você não se incomoda caso Tom e Seth… - Jacob se levantou abrutamente e seu corpo ficou todo tenso. – Espera, deixa eu ver se entendi. Você não é contra o meu irmão ser gay, mas se o Seth for, aí o caso já muda de figura, é isso? – Inquiri zangada.

-, tente entender. É diferente. O Seth é um lobo…- Tentou argumentar.

-O Seth é um humano como todos nós! Cheio de erros, defeitos, mas também cheio de qualidades, amor e inteligência. Não é só porque ele é um lobo, que ele é a exceção da humanidade! – Argumentei.

Jacob passou as mãos no cabelo curto, bagunçando os fios negros e brilhantes. Meu coração deu uma corridinha vendo seus músculos todos tensionados por baixo daquela regata justa. Ok, , essa não é hora para flerte!

-Será que você pode achar o Seth e conversar com ele? O garoto deve estar um pouco confuso sobre os seus sentimentos… eu venho percebendo a proximidade dele com Tom. Alguns olhares…mas na altura nunca tomei atenção. Foi tudo muito repentino. Talvez o esteja assustando um pouco. Você devia falar com ele…- Sugeri certa de que ele iria fazer o mais acertado.

-, por favor, não me mete nessa, ok? Eu posso até respeitar mas ainda é difícil aceitar…isso! – Deu uma conotação enojada à última palavra, se referendo aos sentimentos de Tom e Seth e eu fiz uma careta zangada. - Além de que Seth não quer ser achado por agora.

-Ok, tudo bem…você não me deixa outra opção se não falar com Leah e pedir que ela vá atrás do irmão. – Cruzei os braços, zangada com a sua má vontade.

-Isso será como encomendar o homicidio do seu irmão. – Jake sorriu irônico.

-Eu conheço a Leah, ok! Ela pode ser esquentada, mas ela fará tudo o que for melhor para o irmão. Se a felicidade do Seth depender do Tom, então ela aceitará! Mesmo que demore um pouco. – Falei firme e Jake suspirou.

- espero que não fiquei chateada comigo por causa de toda essa situação. – Ele foi se aproximando e eu me mantive dura e indiferente. – Ainda agora a gente começou se acertando… - ele tentou me abraçar mas eu me soltei dele o olhando duramente.

-Na minha vida não existe espaço para preconceito, Jacob. Quando mudar os seus conceitos e perceber que o amor é TUDO, a gente se acerta de novo. – Falei seca, passando por ele com a minha enorme barrigona.

Senti um esguicho no topo da minha barriga que foi descendo e agodizando no ventre. Pensei que fosse do estresse e percebi que tinha de me acalmar pelo bem do meu neném.
Respirei fundo e me encaminhei até a sala. O pessoal ainda estava todo entretido, menos Leah, que estava a um canto discutindo com meu pai. Era nessa hora que eu queria ter um super ouvido como o dos lobos.
Mas um burburinho mais acicado me chamou a atenção do lado de fora da casa. Notei que Sam tinha sumido da festa e logo percebi que só podia ser por causa de Seth. Caminhei apressada para fora de casa vendo Brady e Jared conversando com Sam.

-Vocês acharam o Seth? - Perguntei com uma grande ruga de preocupação na testa.

-Não. - Jared resmungou zangado. - Não sei onde aquele mula abestada pode ter ido.

-Ele realmente não quer ser encontrado! - Brady murmurou.

-O que você não está nos contando, ? Porque você sabe que mais cedo ou mais tarde a gente vai descobrir. - Sam falou pacífico mas ainda assim autoritário.

-O que eu posso vos dizer por enquanto é que Seth está muito abalado e precisa ser achado urgente. - Tentei manter a pose, afinal isso não era um segredo meu e eu precisava falar primeiro com Tom.

-Mas comigo não vai ter essa história de "eu não posso vos dizer por enquanto", não! - Leah esbravou saindo porta fora e me encarando com as mãos na cintura.

Meu pai tentou acalmá-la, segurando seu braço e segredando algo em seu ouvido, mas ela fez questão de ignorar.
Jacob pulou da varanda se postrando de imediato na minha frente, enquanto o resto do pessoal parava a festa para saber que bicho tava pegando.
Eu engoli em seco olhando em volta, procurando o olhar do meu irmão e assim que o achei ele abanou a cabeça e virou costas para todo mundo. A sua cara refletia uma enorme expressão de culpa e de decepção.

-Pessoal, a festa acabou, pode ir todo mundo embora. Obrigada por terem vindo. - Sue foi despachando todo o mundo, batendo as mãos uma contra a outra e empurrando de leve quem ainda estava dentro de casa.

-Quem você quer que fique? - Sam perguntou num tom baixo e compreensivo.

-Os Clearwater, meu pai e meu irmão. - Falei mantendo a calma.

-Eu também vou ficar, Sam. - Jacob falou e logo eu me exaltei.

-Para quê? Para botar mais achas na fogueira, é? Eu já sei qual a sua opinião sobre o assunto, tá Jake. Então se dá licença. - Falei amuada, cruzando os braços sobre a minha barrigona.

-Aqui não tem discussão, . Eu fico e pronto. Caso você não saiba, Leah é bem esquentadinha e é necessário ter outro lobo, mais forte que ela, para a poder controlar, ok? - Jake argumentou e eu tive que concordar. Mal queria imaginar como a Leah iria reagir a essa..."novidade"!

Todo mundo se dispersou e os que ficaram foram entrando dentro de casa, bem estilo procissão de funeral: cabeças baixas, olhar perdido, andar bem lento e deslocado, como se não soubesse para onde ir nem o que fazer.

Todos nos sentamos, com exceção da Lee e do Jake. A primeira parecia uma leoa em fúria querendo saber da sua cria perdida, o último parecia um quão de guarda daqueles bem raivosos.
Papai e Sue estavam sentados lado a lado, se entreolhando e olhando para as caras de todos e Tom estava jogado a um canto, sentado numa cadeira, olhando para o teto, com a cabeça jogada para trás.
Calmamente eu comecei a falar sobre as opções sexuais do meu irmão e de como isso nada afetava a nossa vida pois não havia espaço para preconceito na nossa família. Nesse momento Sue ficou branca, não sei se prevendo o que vinha por aí ou se ainda processando sobre as escolhas de Tom. Afinal ele parecia ser um cara "normal"! Não é que os gays tenham de se parecer com gays...mas vocês me entendem. Imaginem um cara descolado e social como...o Johnny Depp! E daí você descobre que aquela pessoa, com cara de pegador, é na verdade gay. A gente até duvida, né? Nós não tinhamos contado para muita gente sobre Tom ser gay, afinal era uma opção dele manter um low profile. Mas adiante. Continuei enrolando com historinhas pra boi dormir, mas Leah já estava ficando impaciente.

-PARA DE ENROLAR, ! - Leah gritou me sobressaltando e roubando a minha voz.

Meu coração começou batendo a mil, minhas pernas bambavam, meus olhos marejaram e um nó bem doloroso se formava na minha garganta.

-EU BEIJEI O SETH E ELE FUGIU, É ISSO! - Thomas falou de uma vez, se levantando de rompante e jogando a cadeira onde se sentava no chão. - Eu achei que ele tava na minha. Pela maneira como ele me olhava, como ele me tocava, como ele sorria para mim sempre que me via...

-MEU IRMÃO É ASSIM COM TODA A GENTE E NÃO É POR ISSO QUE ELE TÁ AFIM DE TODO O MUNDO. - Leah falou numa oitava acima do seu tom normal.

-Mas ele parecia ter gostado bastante do beijo, não fosse a gritar o meu nome e o assustar! - Tom olhou para mim com um tom acusatório na voz.

Leah começou rosnando e tremendo de raiva e num segundo Jacob já estava carregando ela à força para fora de casa. Pouco depois se ouviram uivos e rosnados mais fortes e o que parecia uma luta de "cães" havia começado do lado de fora.
Os dias seguintes foram de cortar à faca. A tensão estava deixando todo o mundo nervoso. Era troca de olhares ferozes como se fossem bombardeios na costa inimiga e principalmente olhares inquistórios e de pena para cima de mim e de meu irmão.
Papai teve uma breve discussão com Tom sobre o seu comportamento, colocando em causa a sua aceitação sobre a sexualidade de Tom. Mais se agravou quando Henry ficou totalmente do lado de Leah.
As buscas se tornaram mais intensivas e com maior número de buscadores, mas mesmo assim nada de sinal de Seth.
Dois dias se passaram nesse clima de sufoco e ansiedade e nem sinais de Seth.
Hoje a casa estava particularmente silenciosa. Já mais ninguém se reunia na casa onde o cara que fizera Seth desaparecer estava. Ninguém o estava culpando, mas também não estava apoiando...
Caminhei até o quarto de hóspedes onde meu pai e Tom estavam a fim de tentar uma nova conversa com meu irmão. Dessa vez eu esperava que fosse pacífica, mas meu coração deu um pulo e se apertou quando lá cheguei e vi o que estava acontecendo.

-O que você está fazendo?

-Não está vendo? Indo embora. Pra mim chega dessa palhaçada sobrenatural e preconceituosa!

-Por favor Tom, reconsidere. – Tentei argumentar enquanto ele colocava furiosamente suas ropas em uma maleta.

-Não há nada que reconsiderar, . Eu pensei que podia seguir em frente e ser aceito livremente como você me fez crer. O fato de papai e você terem aceitado não significa que concordem. Se vocês, minha família, reagem assim, como iriam reagir os outros? Eu já esperava isso...

-Você está dizendo disparates, Thomas. É claro que eu aceito e concordo com quem você é. Você é meu irmão, ora bolas. E mesmo se não fosse. Se fosse um completo estranho, para mim ia ser igual. Eu só fiquei surpresa por se ter apaixonado por Seth. E papai…ele ficou assustado com a reação da Leah, que você viu como foi. Mas isso não significa que ela não vos possa aceitar. Ela só ficou chocada e preocupada. Você sabe como a sociedade é reservada, mas não quer dizer que Leah ou os outros sejam preconceituosos quanto ao assunto. É só uma questão de hábito…

-Seth fugiu e até agora não voltou, . Dois dias sumido. Eu acho que isso é mais do que suficiente para eu perceber que ninguém terá de se habituar a nada.

-Ele só ficou assustado, Tom. Isso tudo é novo para ele. Esse sentimento, essa possível relação. Ele não sabe como reagir!

-Pois eu sei. O melhor para todos é que eu me vá embora, tá? Cansei de estargar a vida dos outros por causa de quem eu sou. Ninguém vai mudar por mim e eu não espero isso de ninguém, mas também não sou aturado a viver dessa forma, com todo mundo me olhando de lado! - Tom tagarelou nervoso e magoado; especialmente magoado.

-Para onde você vai? - Perguntei agoniada de tristeza.

-Para qualquer lugar onde eu possa começar de novo. - Falou fechando a maleta e parando para me olhar e suspirar. - Lamento muito tudo isso, , eu não queria ter te trazido mais problemas...

-Shuuu, você nunca será um problema. Eu te amo demais, Thomas e sempre estarei do seu lado. - Falei passando a mão no seu braço, fazendo um carinho de consolo e apoio.

-Eu te amo mais. Se cuida e cuida do meu sobrinho. Me mande notícias! - Ele pediu e eu assenti, sentindo meu rosto se molhar de gotas salgadas.

Assiste ele partir, de coração apertado, mas se isso iria fazer ele se sentir melhor consigo mesmo, eu só tiria que aceitar.