O Amor Acontece







Parte III

Passar mal a noite já se tornava uma rotina, mas dessa vez eu tinha bons motivos. O garoto lindo por quem eu me apaixonara (meu deus, eu me apaixonara por um completo estranho) era de menor.
E mesmo que ele estivesse prestes a completar 18 anos, eu não era propriamente nova. 26 anos já é idade para ter juízo.
Céus. E agora? Como eu iria encará-lo quando a gente se cruzasse de novo? E pior é que isso estava prestes a acontecer porque faltavam apenas dois pontos para ele pegar o ônibus!

Fiz um esquema de respirações para tentar me acalmar, mas era inútil. Quanto mais chegava a hora, mais nervosa eu ficava.
Até que por fim ele entrou e caminhou até mim com o mais lindo sorriso do mundo. Cara, porque ele tinha de sorrir daquele jeito? Porque ele tinha de ter uns dentes tão brancos e perfeitos? Não podia ter eles podres para assim eu perder o encanto por ele logo? Isso só podia ser castigo! Eu devo ter sido uma das que atirou pedra na cruz de Cristo para agora estar pagando por isso. Eu devo ter sido a mulher de Hitler! Ou devo ter denunciado as bruxas de Salém para a Inquisição para elas queimarem na fogueira! É isso, aí elas me amaldiçoaram para todos as encarnações. Só pode ter sido isso.

Enquanto estava perdida nos meus debates mentais, Jacob sentou do meu lado e me fitou sorridente, me dando um oi sonoro e um beijo na bochecha, quase fugindo para perto dos lábios. Meu estômago se embrulhou e o pânico me acometeu. EU SOU UMA PEDÓFILA!!!
No mesmo instante me ergui de supetão do meu lugar, correndo até a porta da saída do ônibus e gritando para o motorista parar se não eu pulava. É, eu fiz escândalo! E Jacob ficou me olhando bastante chocado e surpreso, sem entender bulhufas do que tinha acontecido para eu reagir daquela forma tão...psicótica.

Assim que o motorista parou, vi Jacob se empoleirando sobre a janela, me olhando confuso enquanto eu desviava de imediato o olhar e me encaminhava até o ponto de ônibus mais próximo.
E para o cúmulo da minha má sorte, São Pedro decidiu me dar banho, não bastando o grande gelo que eu tinha acabado de dar a mim própria, fugindo daquele jeito dele. Não bastasse isso o ônibus seguinte demorou mais de meia hora a chegar, pois o motor tinha alagado com o torrencial que havia rebentado sem aviso prévio.

Cheguei em casa dos Osborn encharcada até aos ossos, tremendo de frio e espirrando feito um borrifador.

-Céus, ! O que aconteceu com você? - D. Kelly, minha patroa, me questionou colocando uma toalha sobre meus ombros e me puxando para perto da lareira recém acesa.

Dei de ombros, respondendo algo banal e bastante subjetivo. Ok, na verdade eu menti redondamente. Não queria pré- julgamentos de ninguém, mesmo que Kelly Osborn fosse uma mulher íntegra, doce e compreensiva.

Kelly me ofereceu um banho e mudas limpas e secas, me deixando sozinha com meus pensamentos pois a meio da manhã o casal saíra para levar os dois filhos a uma consulta médica.
Nesse meio tempo aproveitei para sair para passear. O céu havia dado tréguas e agora exibia um sol quente e tímido, escondido por entre as nuvens cinzentas. Ventava pouco e o cheiro intenso de grama molhada e maresia me convidava a um passeio pela praia, que ficava a apenas cinco minutos da casa onde eu trabalhava.

Enquanto meus pés se enterravam na areia molhada eu tentava não pensar em qualquer um dos atributos de Jacob. No seu sorriso brilhante, no seu olhar penetrante, na sua voz arrepiante, no seu toque quente...porque alguém tinha de ter tantos atributos? Eu tinha de achar um defeito que fosse!
Ah, já sei. Sua voz de taquara rachada enquanto canta encantadoramente... Droga, acabei de dizer que ele canta encantadoramente.
O que mais? Seus movimentos de dança ridículos e sexys. Droga de novo! Acabei de dizer que ele é sexy.
Aff. Não adianta, EU-NÃO-CONSIGO-ACHAR-DEFEITOS!

Me sentei à beira mar, tentando tirá-lo da minha mente, já que o exercício de achar defeitos eu tinha falhado completamente. Mas ainda assim era inútil. Ele habitava a minha cabeça e não queria sair.

Mandei um grito de raiva para os céus, empurrando enraivecida a areia e me sentindo uma pouco mais aliviada da pressão que minha mente exercia sobre meus nervos.
Assim que me levantei e me voltei para ir embora, me depare com ele parado a poucos metros de mim.
Julguei ser uma miragem, uma peça maldosa que minha mente estava pregando, por isso fitei a areia e comprimi os olhos, abanando de leve a cabeça e olhando de novo em frente, constatando que era mesmo ele quem estava vindo apressado em minha direção.
Como ele me achara?

-Jake... - Minha voz saiu num sussurro quase inaudível quando ele parou à minha frente.

-Porque você fugiu?

-Eu... - Não sabia o que dizer mas ele prosseguiu com seu discurso eloquente.

-Justo quando eu tinha treinado bastante para não travar, nem falar besteira. Justo quando eu precisava te dizer que eu te...

-NÃO! - Gritei em pânico interrompendo o que quer que ele fosse dizer.

-, eu não estou entendendo. Eu pensei que você também estivesse ... - Conversou consternado, mas de novo o interrompi para que ele não terminasse sua linha de raciocínio.

-Você é só um menino, Jake, tem uma vida pela frente e entendo que se tenha deslumbrado por mim. É normal garotos da sua idade terem uma paixão impossível por uma mulher mais velha e...

-Menino? Garotos da minha idade? Mulher mais velha? Do que você está falando? - Questionou confuso.

-Olha Jake... - Fiz uma pausa para engolir o bolo nodoso que se formava em minha garganta. - Jacob, eu não digo que de futuro isso até possa dar certo com outra mulher... mas, você primeiro tem de terminar o colegial. - Falei inspirando fundo, tentando dar uma conotação responsável e compreensiva à minha voz quase chorosa.

No mesmo instante Jacob rebentou numa gargalhada estrondosa que ecoou por toda a praia.
Arregalei os olhos um pouco confusa e assombrada. E se ele não tivesse vindo se declarar? Que ridícula eu estaria sendo agora!

-... - Meu coração deu um duplo mortal quando escutei ele me apelidar carinhosamente. - Que idade você acha que eu tenho? - Me perguntou desafiador e divertido, mas não me deixou responder. - Eu tenho 24 anos e eu trabalho naquele colégio que você me viu sair. - Ele explicou e eu juro que meus olhos quase fugiram das órbitas e foram embora de vergonha, bem como o sangue que subiu em meu rosto, que quase me fez engasgar completamente embaraçada.

-Ah meu Deus! Ah meu Deus! - Comecei entrando em colapso, andando para longe dele enquanto ele me seguia.

Eu tinha metido água! Eu tinha feito um papelão. Qualquer King Kong perto daquele parecia uma miquinho. Porque isso só acontece a mim? Porque eu tenho de ser precipitada e colocar os carros na frente dos bois. Pior, colocar a mim própria na frente do trem!

-. - Jacob tentou me travar, mas eu desviei o rosto envergonhada.

-Mil desculpas Jake. Eu tenho que ir. - Me desculpei e, mais uma vez naquele dia, fugi!

-, espere. - Ele pediu mas eu já tinha iniciado uma corrida de volta até casa dos Osborn.

Assim que cheguei tranquei a porta e me encostei nela, respirando ofegante. Preferia me enterrar viva a vivenciar aquele mico. O que ele estaria achando de mim? QUE-VER-GO-NHA!
Sequer cheguei a saber como ele me achara ali. Tudo isso porque eu tinha feito burrada de sempre e havia melado completamente com o que quer que estivesse começando a haver entre mim e Jake.