Finale







CAPÍTULO 12

Pouco depois do café da manhã, eu esbarrei em Marcie na varanda da frente. Ela
estava saindo pela porta, papeando no seu celular, e eu estava voltando para
dentro, procurando por ela.
— Seu 4Runner está bloqueando o meu carro — eu disse.
Ela ergueu um dedo, sinalizando para eu esperar. Eu agarrei o celular dela, finalizei
a chamada e repeti mais irritadamente.
— Você está bloqueando meu carro.
— Não precisa ficar tão nervosinha. E não me enche. Se você tocar no meu celular
de novo, eu vou mijar no seu cereal Cheerios.
— Isso é nojento.
— Era Scott no telefone. Ele não tem ensaio hoje, e ele quer ajudar com as caixas.
Ótimo. Eu já ansiava discutir sobre isso com , que não iria acreditar em mim
quando eu dissesse “Eu tentei”.
— Tanto quanto eu amaria sentar aqui e ficar de papo furado, eu tenho aula.
Então... — eu gesticulei dramaticamente para o 4Runner de Marcie, que estava
inconvenientemente encurralando o Volkswagen.
— Sabe, se você precisa de um passe para faltar aula, eu tenho alguns extras. Eu
trabalho na secretaria, e de vez em quando eles encontram o caminho para dentro
da minha bolsa.
— Por que você acha que eu precisaria de um passe desses?
— A secretaria deixou uma mensagem em seu telefone — Marcie afirmou,
claramente não impressionada com minha inocência fingida. — Você cabulou aula,
não foi? — Não era realmente uma pergunta.
—Ok, então talvez eu precise de um passe da enfermaria — eu admiti.
Marcie me deu um olhar condescendente.



— Você usou a velha desculpa de “eu estou com dor de cabeça”? Ou talvez a
clássica: TPM. E por que matou aula?
— Não é da sua conta. Pode me conseguir o passe ou não?
Ela abriu sua bolsa, escavou-a, e retirou um papel de passe rosa com a logomarca
da escola. Até onde eu sabia, não era uma cópia.
— Pegue-o — ela disse.
Eu hesitei.
— Essa é uma daquelas coisas que vai voltar para me assombrar?
— Minha nossa, como somos desconfiadas.
— Se parece bom demais para ser verdade...
— Pegue logo o passe — ela disse, acenando-o no meu rosto.
Eu tinha a má sensação de que esse era um favor com restrições.
— Daqui a dez dias você vai precisar de alguma coisa em troca? — eu pressionei.
— Talvez não em dez dias...
Eu parei a minha mão.
— Então esqueça.
— Eu estou apenas brincando! Aff. Você não é divertida. Essa é a verdade. Eu
estava tentando ser legal.
— Marcie, você não sabe como ser legal.
— Considere isso como uma tentativa sincera — ela disse, e estalou o passe cor-
de-rosa em minha palma. — Pegue isso, e eu irei tirar o meu carro.
Eu guardei o passe no bolso e disse:
— Enquanto nós ainda estamos em condições de conversar, eu tenho uma
pergunta. Seu pai era amigo de um cara chamado Blakely, e eu preciso encontrá-lo.
O nome dele te soa familiar?
Seu rosto era uma máscara. Difícil de dizer se ela tinha tido uma reação.
— Depende. Você vai me dizer por que você precisa encontrá-lo?
— Eu tenho algumas perguntas pra ele.
— Que tipo de perguntas?
— Eu prefiro não compartilhar.
— Então eu também não vou.
Eu engoli alguns comentários desagradáveis e tentei novamente.
— Eu gostaria de contar a você, Marcie, eu realmente contaria, mas existem
algumas coisas que é melhor você não saber.
— Isso era o que meu pai sempre me dizia. Eu acho que ele estava mentindo na
época, e eu acho que você está mentindo agora. Se você quer minha ajuda
encontrando Blakely, eu quero uma revelação completa.
— Como eu sei que você sequer sabe alguma coisa sobre Blakely? — eu protestei.
Marcie era boa em encenar jogos, e eu não ia isentá-la de blefar agora.
— Meu pai me levou na casa de Blakely uma vez.
Eu pulei sobre a informação.
— Você tem um endereço? Você sabe voltar lá?
— Blakely não vive mais lá. Ele estava se divorciando na época, e meu pai
temporariamente o colocou em um apartamento. Mas eu vi algumas fotografias
sobre a lareira. Blakely tem um irmão caçula. Você o conhece, porque ele vai a
escola com a gente. Alex Blakely.
— O jogador de futebol americano?
— A estrela da posição de running back.
Eu estava atordoada. Isso significava que Alex era Nephilim também?
— Blakely e o irmão dele são próximos?
— Blakely se gabou de Alex o tempo todo que eu estive lá. O que era, tipo,
estúpido, porque nosso time de futebol é uma droga. Blakely disse que nunca
perdeu um jogo.
Blakely tinha um irmão. E seu irmão era a estrela de running back da escola
Coldwater.
— Quando é o próximo jogo de futebol americano? — eu perguntei a Marcie,
tentando conter minha animação.
— Sexta-feira, duh. Os jogos são sempre nas sextas.
— Em casa ou fora?
— Em casa.
Um jogo em casa! Blakely estava, presumivelmente, trabalhando todo o tempo
desenvolvendo protótipos; mais uma razão para ele querer deixar o laboratório por
algumas poucas horas e fazer alguma coisa que ele realmente gostasse. Havia
chances de que ele saísse algumas horas nessa noite de sexta para assistir seu
irmão caçula jogar futebol americano. Já que Blakely estava divorciado, Alex devia
ser a única família que ele tinha sobrando. Atender o jogo de Alex seria importante
para ele.
— Você acha que Blakely vai ir ao jogo — Marcie disse.
— Seria muito útil se ele fosse.
— Essa é a parte em que você me conta o que você vai perguntar a ele.
Eu encontrei os olhos de Marcie e menti para ela de cara dura.
— Eu quero saber se ele tem alguma ideia sobre quem matou nosso pai.
Marcie quase se encolheu, mas se impediu no último momento. Seus olhos
encaravam a frente, sem piscar, não indicando nada de seus pensamentos.
— Eu quero estar lá quando você perguntar a ele.
— Claro — eu menti de novo. — Sem problema.
Eu assisti Marcie recuar pela garagem. Assim que ela deu a volta na esquina, eu
enfiei a chave na ignição do Volkswagen. Seis tentativas depois, ele ainda não tinha
ligado, com seu choramingo costumeiro. Eu deixei de lado minha impaciência;
nada poderia azedar o meu humor, nem mesmo o Volkswagen. Eu tinha acabado
de encontrar a pista que eu tão desesperadamente precisava.
Depois da escola eu dirigi até a casa do Patch. Eu tomei as precauções de
segurança/consciência e circulei algumas vezes o quarteirão antes de estacionar no
recém-pavimentado lote com espaços extra amplos de vagas. Eu não gostava de
me sentir como se tivesse que constantemente observar a minha volta, mas eu
gostava de visitas surpresas de Nephilim não amigáveis e arcanjos desviados ainda
menos. E pelo que mundo lá fora sabia, Patch e eu estávamos na Vila dos
Separados. Usando minha chave, eu me permiti entrar.



— Olá? — eu chamei. O lugar parecia vazio. As almofadas do sofá não estavam
amassadas de um uso recente, e o controle da TV não tinha sido movido desde
ontem. Não que eu pudesse imaginar Patch sentado assistindo ESPN a tarde toda.
Se eu tivesse que adivinhar, ele tinha provavelmente gastado o dia tentando
encontrar o verdadeiro chantagista de Pepper ou rastreando o Chapéu de Caubói e
Cia.
Eu andei mais adentro do recinto. Um lavabo à direita, um quarto livre à esquerda,
quarto principal no fundo. O covil de Patch.
Sua cama tinha um edredom azul-marinho, lençóis marinhos que combinavam e
almofadas decorativas que também pareciam intocadas. Eu abri as persianas e sorvi
a deslumbrante visão panorâmica da Baía de Casco e Peaks Island sob o céu
nublado. Se Marcie me enchesse demais, eu sempre poderia me mudar para a casa
do Patch. Minha mãe iria amar isso.
Eu enviei a Patch uma sms. ADIVINHA ONDE EU ESTOU?
EU NÃO TENHO QUE ADIVINHAR. VOCÊ ESTÁ USANDO O RASTREADOR, ele
respondeu.
Eu olhei para baixo. Certo, eu tinha vestido a jaqueta jeans hoje.
EM 20 EU ESTAREI AÍ, Patch escreveu. EM QUAL CÔMODO ESPECIFICAMENTE VOCÊ
ESTÁ?
SEU QUARTO.
CHEGO EM DEZ MINUTOS.
Eu sorri e coloquei o celular dentro da minha bolsa. Depois eu caí de costas na
cama kingsize. O colchão era macio, mas não macio demais. Eu imaginei Patch
deitado aqui, esticado nessa mesma cama, vestindo Deus sabia o que. Boxers?
Cuecas? Nadica de nada? Eu tinha os meios e o método para descobrir, mas
percorrer essa rota não parecia a opção mais segura. Não quando eu estava
fazendo meu melhor para manter meu relacionamento com Patch tão
descomplicado quanto possível. Eu precisava que nossas vidas se acalmassem
antes de descobrir quando e se eu queria tomar aquele próximo grande passo...
Dez minutos depois Patch marchou adentro para me encontrar zapeando canais no
sofá. Eu desliguei a TV.
— Você trocou de quarto — ele disse.
— É mais seguro desse modo.
— Eu sou tão assustador?
— Não, mas as consequências podem ser. — Quem eu estava enganando? Sim,
Patch era muito assustador. Com 1,88m de altura, ele era a personificação da
perfeição física masculina. Eu tinha uma figura esguia e bem proporcional e sabia
que eu era atraente, mas eu não era uma super deusa. Eu não sofria de baixa
autoestima, mas eu era suscetível a intimidação, então não, muito obrigada.
— Fiquei sabendo do Cheshvan — eu disse. — Eu ouvi dizer que estava um pouco
anti-climático.
— Não acredite em tudo que você ouve. As coisas ainda estão bem tensas lá fora.
— Alguma ideia do que os anjos caídos estão esperando?
— Quem quer saber?
Eu lutei contra a urgência de rolar meus olhos.



— Eu não estou espionando para Dante.
— Fico feliz em ouvir isso. — O tom de Patch estava cuidadosamente evasivo.
Eu suspirei, odiando essa tensão entre nós.
— No caso de você estar se perguntando, eu fiz minha escolha. Eu sou sua — eu
disse suavemente. — Toda sua.
Patch jogou as chaves no prato.
— Mas?
— Mas esta manhã eu basicamente disse a Dante a mesma coisa. Eu pensei sobre o
que você disse, que nós precisamos encontrar Blakely e erradicar as artes do mal.
Eu decidi que Dante era provavelmente minha melhor chance em conseguir chegar
perto de Blakely, assim eu meio que...” Era difícil dizer isso em voz alta e não se
sentir como uma total nojenta.
— Você está jogando com ele.
— Soa horrível quando você coloca dessa forma, mas sim. Eu acho que é isso que
eu estou fazendo. — Ser clara sobre isso não fez eu me sentir melhor. Dante e eu
nem sempre concordávamos, mas ele também não merecia ser manipulado.
— Ele ainda está fingindo namorar você? — O tom de Patch esfriou um grau.
— Se eu tiver que adivinhar, ele tem plantado sementes sobre nosso
relacionamento já faz dias. De qualquer modo, é uma farsa, e ele sabe disso melhor
do que ninguém.
Patch sentou-se do meu lado. Diferente do usual, ele não enlaçou seus dedos nos
meus. Eu tentei não deixar isso me incomodar, mas um caroço se prendeu em
minha garganta.
— Cheshvan? — eu propus novamente.
— Eu sei tanto quanto você. Eu tenho deixado claro para os anjos caídos que eu
não quero com essa guerra. Eles se ressentem de mim e se calam quando eu estou
por perto. Eu não vou ser a melhor fonte de informação das atividades dos anjos
caídos tão cedo. — Ele inclinou sua cabeça pra trás para aproveitar o encosto do
sofá e cobriu seu rosto com seu boné de beisebol. Eu meio que esperei que ele
começasse a roncar, ele parecia tão cansado.
— Dia longo? — eu perguntei.
Ele fez um grunhindo de concordância.
— Eu persegui algumas pistas sobre Pepper, esperando lançar alguma luz sobre a
identidade do chantagista, mas acabei de volta à estaca zero. Eu posso lidar com
um monte de coisas, mas um dia improdutivo não é uma dessas coisas.
— Isso vindo do cara que está constantemente tentando me convencer a passar o
dia na cama com ele — eu provoquei, esperando aliviar o humor.
— Anjo, esse seria um dia muito produtivo. — Suas palavras eram brincalhonas,
mas seu tom soou mais desgastado do que qualquer outra coisa.
— Alguma chance de Dabria ser a chantagista? — eu perguntei. — Na outra noite,
no Devil’s Handbag, eu a vi discutindo com Pepper no beco. Ele não parecia feliz.
Patch ficou rígido, ponderando essa notícia.
— Você acha que é possível? — eu pressionei.
— Dabria não está chantageando Pepper.



— Como você sabe? — Eu não gostei que ele tinha tomado dois segundos inteiros
para decidir. Chantagem parecia se encaixar em Dabria como uma luva.
— Eu apenas sei. Como foi o seu dia? — ele perguntou, claramente não querendo
elaborar.
Eu disse a ele sobre a decisão executiva de Marcie de se mudar, e sobre a
cumplicidade da minha mãe. Quanto mais eu falava, mais irritada eu ficava. — Ela
tem um esquema sobre isso — eu disse a Patch. — Eu tenho uma sensação
incômoda de que Marcie suspeita de que eu sei quem matou o pai dela. E se mudar
é uma manobra para me espionar.
Patch descansou sua mão em minha coxa, e eu senti uma onda de esperança. Eu
odiava sentir como se houvesse uma divisão entre nós.
— Existem apenas duas pessoas no mundo que sabem que você matou Hank, e é
um segredo que eu irei carregar para o Inferno e de volta se for preciso. Ninguém
irá descobrir.
— Obrigada, Patch — eu disse a ele sinceramente. — Eu sinto muito se eu magoei
seus sentimentos mais cedo. Eu sinto muito sobre Dante, e sobre toda essa
bagunça. Eu só quero me sentir próxima de você novamente.
Patch beijou a palma da minha mão. Depois ele a colocou sobre seu coração,
segurando-a lá. Eu quero você próxima também, Anjo, ele murmurou em minha
mente.
Eu me aconcheguei ao lado dele, descansando minha cabeça em seu ombro.
Apenas tocá-lo fez a corrente de nós dentro de mim afrouxar. Eu tinha esperado o
dia todo por este momento. Eu podia suportar a tensão entre nós tão bem quanto
eu podia tolerar estar longe dele. Algum dia será apenas você e Patch, eu disse a
mim mesma. Algum dia vocês escaparão do Cheshvan, guerra, anjos caídos, e
Nephilim. Algum dia... apenas os dois.
— Eu descobri uma coisa interessante — eu disse, e eu contei a Patch sobre o
irmão caçula estrela de futebol americano de Blakely, e o registro de
comparecimento perfeito de Blakely aos jogos em casa.
Patch subiu seu boné e olhou dentro de meus olhos.
— Bom trabalho, Anjo — ele disse, claramente impressionado.
— O que faremos agora? — eu perguntei.
— Na noite de sexta nós apareceremos no jogo.
— Você acha que nós iremos assustar Blakely se ele nos vir?
— Ele não vai achar estranho se você estiver no jogo, e eu estarei disfarçado. Eu irei
agarrá-lo e levá-lo a uma propriedade que eu tenho perto do Lago Sebago. Fica
vazio lá em cima essa época do ano. Ruim para Blakely, bom para nós. Eu irei
conseguir que ele me conte sobre os protótipos, onde ele os está fabricando, e nós
iremos encontrar um modo de desativá-los. Então eu irei mantê-lo
permanentemente sob vigilância. Isso será o fim dos dias dele trabalhando com
artes do mal.
— Eu devo avisar a você que Marcie acha que ela vai estar envolvida no
interrogatório dele.
Patch ergueu suas sobrancelhas.



— Foi o preço que eu tive que pagar para conseguir essa informação — eu
expliquei.
— Você fez um juramento de deixá-la acompanhar? — Patch perguntou.
— Não.
— Você fica de consciência pesada?
— Não. — Eu mordi meu lábio. — Talvez. — Uma pausa. — Ótimo. Sim! Sim, eu
fico. Se nós deixarmos a Marcie, eu irei passar a noite toda me sentindo culpada. Eu
menti na cara dela essa manhã, e isso me assombrou o dia todo. Eu moro com ela
agora, Patch. Eu tenho que encará-la. Talvez nós possamos usar isso em nossa
vantagem. Se nós mostrarmos a ela que ela pode confiar na gente, ela pode talvez
nos dar mais informação.
— Há modos mais fáceis de conseguir info, babe.
— Eu digo para nós deixarmos ela acompanhar. O que de pior pode acontecer?
— Ela pode descobrir que nós não terminamos de verdade e contar aos Nephilim.
Eu não tinha pensado sobre isso.
— Ou nós podemos deixar ela nos acompanhar, e eu posso apagar a memória dela
depois. — Ele deu de ombros. — Sem culpa aqui.
Eu refleti sobre isso. Parecia um plano viável. Isso também fazia de mim bem
hipócrita.
Um traço de sorriso rastejou para a boca de Patch.
— Você vai participar dessa operação, ou você vai ser babá da Marcie?
Eu sacudi minha cabeça.
— Você faz o trabalho sujo, e eu ficarei de olho em Marcie.
Patch inclinou-se de lado e me beijou.
— Por mais que eu vá desfrutar em questionar Blakely, eu estou desapontado de
não conseguir assistir você medir forças com Marcie.
— Não vai ser uma luta. Eu vou calmamente explicar que ela pode vir junto no
passeio, mas que ela terá que esperar comigo no carro enquanto você enfrenta
Blakely. Essa é nossa oferta final. Ela pode pegar ou largar. — Enquanto eu dizia
isso, eu percebi o quão estúpida eu soava por acreditar que isso realmente seria
assim fácil. Marcie odiava receber ordens. Na opinião dela, a única coisa pior do
que receber ordens era recebê-las de mim. Por outro lado, ela podia muito bem vir
a ser útil no futuro. Ela era a filha legal de Hank, afinal de contas. Se Patch e eu
íamos montar uma aliança, agora era o momento.
— Eu serei firme — eu prometi a Patch, adotando uma expressão séria. — Sem
recuar.
Agora Patch estava com um sorriso cheio. Ele me beijou de novo, e eu senti minha
boca suavizar sua resolução.
— Você fica fofa quando está tentando ser durona — ele disse.
Tentando? Eu podia ser durona. Eu podia! E na noite de sexta, eu iria provar isso.
Fique de olho, Marcie. Eu estava a alguns quilômetros de casa quando eu passei
por um carro de polícia escondido fora de vista em uma rua lateral. Eu não tinha
passado quinze metros do cruzamento quando o policial ligou sua sirene e
choramingou atrás de mim.
— Ótimo — eu murmurei. — Apenas ótimo!



Enquanto eu esperava pelo policial se aproximar da minha janela, eu mentalmente
contei o dinheiro do meu trabalho de babá, me perguntando se eu teria o
suficiente para pagar a multa.
Ele raspou sua caneta na minha janela e sinalizou para eu baixá-la. Eu olhei através
do vidro para o seu rosto... e o encarei. Não era apenas qualquer policial, mas o
meu menos favorito. Detetive Basso e eu tínhamos uma longa história de suspeita
mútua e forte antipatia.
Eu baixei minha janela.
— Eu estava indo apenas cinco quilômetros acima! — Eu argumentei antes de ele
soltar uma palavra.
Ele estava mastigando um palito.
— Eu não te parei por excesso de velocidade. A lanterna traseira esquerda está
quebrada. Essa é uma multa de cinquenta dólares.
— Você tem que estar brincando.
Ele rabiscou em seu bloco e passou a multa pela janela.
— Perigo para a segurança. Nada sobre o que brincar.
— Você me segue por aí procurando meios de me prender? — eu perguntei, meio
sarcástica, meio temendo.
— Bem que você queria. — Com isso, ele perambulou de volta para o seu carro de
patrulha. Eu o observei dirigir para a estrada e passar por mim. Ele acenou
enquanto fazia isso, mas eu não consegui me forçar a fazer um gesto rude em
resposta. Alguma coisa não estava certa.
Minha coluna formigava, e minhas mãos pareciam como se eu as tivesse
mergulhado em água gelada. Eu tinha sentido uma vibração fria desprendendo-se
do Detetive Basso, fria como um sopro de ar no inverno, mas eu tinha que ter
imaginado isso. Eu estava ficando paranóica. Por que...
Por que eu apenas me sentia daquele modo ao redor de não humanos.



CAPÍTULO 13

Na noite de sexta troquei a roupa do colégio por uma calça, meu suéter de lã
quentinho, um casaco, chapéu e luvas. O jogo não começaria até o
anoitecer e é nessa hora que começa a ficar mais frio. Enquanto eu colocava o suéter,
vi um músculo no espelho. Parei, olhei, e cheguei mais perto pra ver melhor. Havia uma
definição tanto nos meus bíceps quanto nos tríceps. Incrível. Havia treinado uma
semana, e já podia notar. Parecia que o meu corpo Nephilim desenvolvia músculos
muito mais rápido do que podia se esperar de um corpo humano.
Desci correndo a escada, dei um beijo na minha mãe e sai com pressa. O motor
do Wolkswagen protestou de novo contra o frio, mas logo ele cedeu.
- Pensa que isso é ruim? Espera até chegar fevereiro! - Disse ao carro.
Dirigi até a escola, estacionei ao lado da rua ao sul do estádio de futebol, e
liguei pra Patch.
- Estou aqui! - Disse. - Estamos ainda com o plano A?
- A não ser que escute de mim, sim. Estou no meio do povo. Mas não estou
achando Blakely. Sabe alguma coisa da Marcie?
Olhei no relógio que tinha sincronizado com o de Patch mais cedo.
- Eu vou encontrar com ela na lanchonete em 10 min.
- Quer repassar o plano pela última vez?
- Se eu ver o Blakely, te chamo imediatamente. Não me aproximo dele, mas não
deixo ele fora da minha vista.
No começo eu não gostei por Patch querer me manter por fora da ação, mas a
verdade é que eu não queria pegar Blakely sozinha. Não sabia quão forte ele era, e
sejamos realistas, nem conhecia minha própria força. Era melhor deixar isso com Patch,
quem era de longe muito mais experiente com esse tipo de táticas, manusear a derrota
era o melhor movimento.
- E Marcie?
- Vou ficar grudada com ela a noite toda. Depois que você pegar o Blakely, eu
levo ela para sua cabana perto do Sebago Lake. Tenho as instruções aqui. Pego o
caminho mais longo, dando tempo pra você imobilizar e fazer algumas perguntas a
Blakely. Isso é tudo, né?
- Mais uma coisa. - Disse Patch. - Tenha cuidado.



- Sempre. - Disse, e desliguei o carro.
Mostrei minha carteirinha de estudante na bilheteria, comprei um ingresso e fui
direto para a lanchonete, atenta a algum sinal de Blakely. Ele era alto e distinto com
seus cabelos grisalhos e inteligentes, mas um pouco parecido com um professor de
química. Me perguntei, se assim como Patch, ele estaria disfarçado, assim seria mais
difícil encontrar ele no meio da multidão. Será que ele estaria vestido como um
lenhador? Com o traje elegante habitual? Ele poderia pintar o cabelo? Pelo menos, ele
estava no alto do patamar quanto a altura. E eu gostava da ideia de começar com isso.
Encontrei Marcie na lanchonete, tremendo em uma calça de cor rosa e uma
camisa de gola alta e um colete rosa chiclete. Ao ver ela vestida desse jeito algo no
meu cérebro fez um click.
- Onde tá a sua roupa de líder de torcida? Não tem que animar eles essa noite?
- Perguntei.
- É um uniforme e não uma roupa qualquer, e já saí.
- Deixou a equipe?
- Deixei a equipe.
- Serio?
- Tenho coisas maiores com que me preocupar, todo o resto deixa de ter
importância quando descobre o que é. - Ela deu um olhar tenso em volta. - Nephilim.
Inesperadamente, senti um estranho sentimento de afinidade com a Marcie. O
que rapidamente se dissolveu quando me lembrei das diferentes maneiras que a
Marcie fez a minha vida miserável somente no ano passado. Podíamos ser Nephilins,
mas toda a similaridade acabava aí. E seria muito mais inteligente lembrar-se disso.
- Acha que vai reconhecer Blakely se olhar pra ele? - Perguntei, mantendo a
minha voz baixa.
Ela me lançou um olhar irritado.
- Disse que o conhecia, não? Agora sou a melhor ara pra encontrar ele. Então
não me questione.
- Quando você o vir, mantenha discrição. Patch quer pegar Blakely, e nós vamos
seguir até a cabana dele, onde vamos poder fazer as perguntas.
A exceção por um ponto, Blakely estaria desmaiado e nada bem para Marcie.
Pequenos detalhes.
- Pensei que você tinha terminado com Patch.
- E terminei. - Menti, ignorando a culpa que corria por meu estômago. - Mas eu
não confio em mais ninguém para me ajudar com o Blakely. Só porque Patch e eu não
estamos mais juntos, não quer dizer que não posso mais pedir favores.
Se ela não acreditava na minha explicação, eu não estava nem um pouco
preocupada. Patch poderia apagar da memória dela essa pequena conversa.
- Quero perguntar a Blakely antes que Patch faça isso. - Disse.
- Não pode. Temos um plano e temos que seguir.
Marcie encolheu os ombros em um gesto realmente presunçoso.
- Veremos.
Mentalmente, respirei fundo. E sufoquei o impulso de apertar os dentes. Era
hora de ensinar a Marcie que ela não mandava.
- Se você se meter, você vai sofrer.



- Você realmente acha que Blakely tem alguma informação sobre a morte do
meu pai? - Perguntou Marcie, pousando seus olhos em mim, calculando, de maneira
quase perspicaz.
Meu coração bateu rápido, mas mantive minha expressão sobre controle.
- Espero que essa noite possamos averiguar isso.
- E agora? - Disse Marcie.
- Agora vamos caminhar por aqui tratando de não chamar atenção.
- Fale por você. - Disse Marcie bufando.
Bem, talvez isso esteja certo. Ela era fantástica. Era bonita e irritantemente
segura de si mesma. Tinha dinheiro, e mostrava tudo, desde seu bronzeado de salão ao
seu sutiã Push-up. Uma miragem da perfeição. A medida que subíamos as escadas, os
olhos das pessoas se moviam na nossa direção, mas nenhum deles me viam.
Pensa em Blakely, me ordenei. Tem coisas mais importantes pra se
preocupar do que com a inveja.
Caminhamos a grandes avanços pela escada, passando os banheiros e
atravessando em círculos o campos de futebol, indo para a sessão de visitantes. Para o
meu desgosto, vi o detetive Basso no uniforme habitual no alto da fila do terraço,
olhando o tumulto com dificuldade, com seus olhos desconfiados. Seu olhar caiu
direto em mim, e duvida se aprofundou na sua expressão.
Lembrando da estranha sensação a duas noites atrás, agarrei o cotovelo de
Marcie, e a forcei a ir para outras direção comigo.
Não poderia acusar Basso de me seguir, estava claramente na área, mas isso
não significava que quisesse ser objeto de piada por mais tempo.
Dei a volta ao longo do caminho e Marcie e eu caminhamos. As arquibancadas
estavam cheias, já estava de noite, o jogo já havia começado e separei de Marcie a
multidão de admiradores masculinos, não acreditava que tínhamos chamado atenção
indesejada, mesmo estando no lugar por somente 30 min.
- Isso está ficando chato. - Marcie reclamou. - Estou cansada de andar, caso
você não tenha notado, estou usando botas de salto.
Não é problema meu! Eu quis gritar. Em troca disse: - Quer encontrar Blakely
ou não?
Ela bufou, e o som contraiu os meus nervos.
- Uma caminhada mais e logo vamos ter terminado.
Já está na hora! Pensei.
Voltamos para a seção de estudantes, senti uma estranha cosquinha na minha
pele. Automaticamente eu girei, buscando a origem da sensação. Alguns homens
percorriam na escuridão de fora da alta cerca que rodeava o estádio, colocando seus
dedos nas cercas. Homens que não haviam comprado ingresso, mas queriam ver o
jogo. Homens que preferiam ficar na escuridão a mostrar suas caras nas luzes do
estádio. Um homem em particular, magro e alto apesar da maneira como abaixava os
seus ombros, chamou minha atenção. Uma vibração de energia não humana saia dele,
sobrecarregando meu sexto sentido.
Continuei andando mais disse a Marcie: - Olha por ali, algum dos homens de lá
se parece com Blakely?
A seu favor, Marcie se limitou olhar com um pequeno movimento dos olhos.
- Acho que sim. No meio. Aquele que está com os ombros curvados. Esse pode
ser ele.



Era toda a confirmação que precisava. Caminhei por uma parte curva da pista,
peguei o meu celular e liguei.
- Encontramos ele. - Eu disse a Patch. - Está no lado norte do estádio, por fora
da cerca. Está usando jeans e um suéter cinza de Razorbill. Tem alguns homens em
volta, mas não acho que estejam com ele. Só estou sentindo um Nephil, e é a mesma
pessoa.
- Já estou indo. - Disse Patch.
- Veremos você na cabana.
- Vai devagar. Tenho muitas perguntas pra Blakely. - Ele disse.
Tinha parado de escutar, Marcie não estava mais do meu lado.
- Ai, não. - sussurrei, de repente me sentindo meio pálida. - Marcie está correndo
na direção de Blakely, tenho que ir! - Saí correndo atrás dela.
Marcie estava quase na cerca e escutei sua voz aguda gritar.
- Sabe quem matou meu pai? Me diz o que você sabe!
Muitos palavrões saíram juntos com a sua pergunta, imediatamente Blakely deu
a volta e escapou.
Com determinação, Marcie escalou a cerca, deslizando e lutando antes de
balançar suas pernas sobre ela, e saiu atrás de Blakely na passagem escura no túnel
entre o estádio e a escola.
Alcancei a cerca um minuto depois, e fui colocando meus sapatos entre os
buracos sem diminuir a velocidade e saltei por cima. Só percebi as expressões de
surpresa dos homens em volta. Poderia tentar apagar as suas memórias, mas não tinha
tempo. Corri atrás de Blakely e Marcie, prestando atenção a escuridão enquanto
avançava, feliz que a minha visão estivesse mais nítida do que quando eu era humana.
Senti Blakely mais a frente. E Marcie também, ainda que seu poder fosse muito
mais fraco. Como seus pais era Nephilins de raça pura, ela tinha sorte de ter sido
concebida, e ainda mais sorte de ter nascida viva. Ela era Nephilim por definição, mas
eu tinha mais força que ela quando era humana.
Marcie! Eu disse na mente dela. Volta aqui agora!
Blakely saiu do meu radar. Não conseguia detetar ele. Parei, tentando sentir
mentalmente o caminho escuro através da passagem, tentando recuperar o rastro dele.
Ele tinha corrido pra tão longe tão rápido que tinha sumido do meu radar? Marcie?!
Falei outra vez.
E então eu a vi. De pé no outro extremo da passagem, com a luz da lua
iluminando a sua silhueta. Corri, tentando manter minha raiva sobre controle. Ela tinha
arruinado tudo, tínhamos perdido Blakely, e pior, agora ele sabia que estávamos atrás
dele. Não conseguia imaginar ele saindo para ver outra partida de futebol depois dessa
noite. Provavelmente ele tinha ido para o seu atual esconderijo secreto. Nossa única
oportunidade... desperdiçada!
- O que foi isso? - Exigi, espreitando Marcie. - Tínhamos combinado que Íamos
deixar Patch ir atrás de Blakely... - Minhas últimas palavras saíram lentas e roucas.
Engoli minha saliva. Estava vendo Marcie, mas alguma coisa nela estava horrível e
terrivelmente mal.
- Patch está aqui? - Perguntou Marcie, só que não era a voz dela. Era baixa,
masculina e acidamente divertida. - Não fui tão cuidadoso quanto pensei.
- Blakely? - Perguntei, com a boca seca. - Onde está a Marcie?
- Oh, ela está aqui. Exatamente aqui. Estou possuindo o corpo dela.



- Como? - Mas eu já sabia. Devilcraft. Era a única explicação. Isso e o Cheshvan.
O único mês onde a posse de outro corpo era possível.
Passos eram ouvidos por trás de onde estávamos, e ainda na escuridão, vi os
olhos de Blakely se escurecerem. Ele se lançou pra cima de mim sem nenhum sinal. Se
moveu tão rápido, que não tive tempo de reagir. Me girou contra ele, me sustentando
em seu peito. Patch apareceu mais a frente, mas parou quando me viu parada contra
Marcie.
- Que aconteceu, anjo? - Perguntou em uma voz preocupada e incerta.
- Não dê uma palavra. - Sussurrou Blakely no meu ouvido.
Lágrimas brilharam nos meus olhos. Ele usava um braço para me segurar, mas
com o outro segurava uma faca, e a senti pressionada contra a minha pele, alguns
centímetros acima do meu quadril.
- Nem uma palavra. - Repetiu Blakely, com sua respiração no meu cabelo.
Patch parou, e pude ver a confusão em seu rosto. Ele sabia que algo estava
errado, mas não podia decifrar o que era. Ele sabia que eu era mais forte que Marcie e
poderia escapar se eu quisesse.
- Deixe a ir. - Patch disse a Marcie, sua voz tranquila e cuidadosa.
- Não dê outro passo. - Ordenou Blakely a Patch, só que dessa vez fez a sua voz
soar como a de Marcie, aguda e tremula. - Tenho uma faca, e vou usar se realmente
tiver que fazer isso. - Blakely expôs a adaga para mostrar que estava falando sério.
Devilcraft. Falou Patch na minha mente. Eu posso sentir em todas as partes.
Toma cuidado! Blakely está possuindo o corpo de Marcie. Tratei de dizer, mas
meus pesamentos foram bloqueados. De alguma maneira Blakely estava cobrindo eles.
Era como se eu tivesse gritando para uma parede. Ele parecia ter completo e absoluto
controle sobre o Devilcraft, usando como uma arma que não poderia ser parada e
altamente adaptável.
Do canto do olho, vi Blakely levantar a faca. A lâmina brilhava em um tom azul.
Antes que pudesse piscar, ele enfiou a faca do lado do meu corpo, e foi como se eu
tivesse sido empurrada pra um forno em chamas.
Desmoronei, tentando gritar e chorar de dor, mas estava tão chocada que não
conseguia emitir nenhum som. Me retorci no chão, querendo tirar a faca, mas cada
músculo do meu corpo estava paralisado por uma grande agonia.
A próxima coisa que vi, foi Patch ao meu lado, pronunciando muitas palavras
ruins com o medo aflorando em sua voz. Ele tirou a faca. E eu gritei, o som me
destruindo de dentro pra fora. Escutei Patch dando ordens, mas as palavras se partiam
em dois, insignificantes em comparação com a dor que torturava cada parte do meu
corpo. Estava ardendo, as chamas queimando de dentro para fora. O calor era tão
forte, grandes tremores convulsivos faziam com que eu me retorcesse e me
chicoteavam contra a minha vontade.
Patch me levantou em seus braços. Vagamente notei que ele estava correndo
para fora da passagem. O som dos seus passos fazendo eco nas paredes foi a ultima
coisa que eu escutei.



CAPÍTULO 14

Eu acordei com um estalo, instantaneamente tentando me situar. Eu estava
numa cama vagamente familiar, em um quarto escuro que cheirava a terra e calor.
Um corpo estava deitado ao meu lado, e se agitava.
— Anjo?
— Eu estou acordada — eu disse, sentindo uma inundação de alívio sabendo que
Patch estava ao meu lado. Eu não sabia por quanto tempo eu havia dormido, mas
eu me sentia segura aqui na casa dele, com ele cuidando de mim. — Blakely estava
possuindo o corpo da Marcie. Eu não o senti e caminhei direto até ele sem nem ter
ideia de que era uma armadilha. Eu tentei te avisar, mas Blakely me colocou em
algum tipo de bolha, minha conversa mental ficava retornando para mim.
Patch assentiu, colocando um cacho solto atrás da minha orelha.
— Eu o vi saindo do corpo da Marcie e fugindo. Marcie está bem. Chocada, mas
bem.
— Por que ele tinha que me esfaquear? — eu disse, fazendo uma careta de dor,
enquanto levantava o meu suéter para ver a ferida. Meu sangue Nephilim já deveria
ter me curado a essa altura, mas a ferida continuava fresca e lançava uma
tonalidade azulada.
— Ele sabia que, se você fosse ferida, eu ficaria ao seu lado em vez de ir atrás dele.
Mas isso vai custar caro para ele — Patch disse, sua mandíbula dura. — Quando te
trouxe até aqui, todo o seu corpo estava irradiando uma luz azul, da cabeça aos
pés. Você parecia estar em coma. Eu não conseguia alcançá-la, nem mesmo
mentalmente, e isso me deixou aterrorizado. — Patch me puxou mais para perto
dele, enrolando seu corpo no meu de modo protetor, me apertando quase forte
demais, e foi quando eu soube o quanto ele estava preocupado.
— O que isso significa para mim?
— Eu não sei. Mas não pode ser coisa boa você ter tido artes do mal introduzidas à
força em seu corpo por duas vezes agora.
— Dante bebe isso diariamente. — Se ele estava bem, eu ficaria bem também. Ou
não? Eu queria acreditar nisso.



Patch não disse nada, mas eu tinha uma boa ideia para onde seus pensamentos
estavam indo. Como eu, ele também sabia que deveria haver efeitos colaterais por
ingerir artes do mal.
— Onde está Marcie? — Eu perguntei.
— Eu alterei a memória dela para ela não ser capaz de lembrar que me viu essa
noite, e fiz Dabria levá-la para casa. Não me olhe desse jeito. Eu estava com poucas
opções, e tinha o número de Dabria no celular.
— É isso que me deixa preocupada! — Eu imediatamente estremeci quando a
minha forte reação fez meu ferimento latejar.
Patch abaixou a cabeça para beijar a minha testa, rolando os olhos enquanto o
fazia.
— Não me faça falar de novo para você que eu não tenho nada com a Dabria.
— Ela não superou você.
— Ela está fingindo que sente algo por mim para maltratar você. Não torne as
coisas fáceis para ela.
— Não chame ela para pedir favores como se ela fosse parte do time — retruquei.
— Ela tentou me matar, e ela roubaria você de mim num piscar de olhos se você
permitisse. Não importa quantas vezes você negue. Eu vi bem o jeito como ela olha
para você.
Patch parecia ter uma resposta na ponta da língua, mas ele forçou-se a engoli-la e
rolou de modo agitado para fora da cama. Sua camiseta preta estava amassada, o
cabelo despenteado, o que fazia ele parecer um perfeito pirata.
— Posso pegar algo para você comer? Beber? Eu estou me sentindo inútil e isso
está me deixando louco.
— Você pode ir atrás de Blakely já que quer fazer alguma coisa — eu disse
secamente. O que seria necessário para tirar Dabria das nossas vidas de uma vez
por todas?
Um sorriso que era igualmente desonesto e verdadeiramente sinistro tomou conta
da expressão de Patch.
— Não precisaremos encontrá-lo, ele virá até nós. Ele deixou a faca para trás
quando fugiu. Ele sabe que a temos, e ele sabe que isso é uma evidência que eu
posso usar para provar aos arcanjos que ele está usando artes do mal. Ele vai vir
buscar a faca. Logo.
— Vamos entregá-lo agora para os arcanjos. Deixe que eles se preocupem em
como erradicar as artes do mal.
Patch começou a soltar uma risada, mas não era de toda animada.
— Eu já não confio mais nos arcanjos. Pepper Friberg não é o único ovo podre. Se
eu entregar isso para eles, eu não terei qualquer garantia de que eles vão cuidar
dessa bagunça. Eu costumava pensar que os arcanjos eram incorruptíveis, mas eles
têm feito um ótimo trabalho me convencendo do contrário. Eu os vi mexer com a
morte, desviar o olhar quando se tratava de delitos graves nas leis, e me punirem
por crimes que não cometi. Eu errei, e paguei por eles, mas eu suspeito que eles
não vão desistir enquanto não me trancafiarem no inferno. Eles não gostam de
oposição, e essa é a primeira palavra que vem a mente deles quando pensam em
mim. Dessa vez eu vou resolver tudo com minhas próprias mãos. Blakely vai vir
atrás de sua faca, e quando ele chegar, eu vou estar preparado.
— Eu quero ajudar — eu disse imediatamente. Eu queria derrubar o Nephil que foi
burro o suficiente para me esfaquear. Blakely estava ajudando o exército Nephilim,
mas eu o estava liderando. Embora eu considerasse suas ações severamente
desrespeitosas, alguns até mesmo considerariam isso como uma traição. E eu sabia
com certeza que, na raça Nephilim, traidores não são bem vistos. Patch fixou os
olhos em mim, me estudando silenciosamente, como se estivesse julgando a minha
capacidade de ficar contra Blakely. Para a minha profunda satisfação, ele deu um
aceno de cabeça.
— Tudo bem, Anjo. Mas uma coisa de cada vez. O jogo de futebol americano
terminou há duas horas, e a sua mãe deve estar se perguntando onde você está.
Hora de ir para casa.
As luzes estavam desligadas na casa da fazenda, mas eu sabia que minha mãe não
iria dormir sem que eu chegasse em casa. Eu bati suavemente na porta do quarto
dela, abri-a, e sussurrei para a escuridão:
— Estou em casa.
— Divertiu-se? — Ela perguntou, bocejando.
— O time jogou muito bem — eu disse, evasiva.
— Marcie chegou em casa algumas horas atrás. Ela não comentou muita coisa,
apenas foi direto para o quarto e fechou a porta. Ela parecia... quieta. Chateada,
talvez. — Houve uma sugestão investigativa no seu tom.
— Provavelmente TPM. — Provavelmente ela estava fazendo o impossível para não
ter um ataque completo de pânico. Eu tinha sido possuída antes, e não há palavras
que possam descrever o quanto isso era violador. Mas eu não estava me sentindo
particularmente simpática. Se Marcie tivesse feito o que eu pedi, nada disso teria
acontecido.
No meu quarto, eu tirei as minhas roupas e examinei de novo meu ferimento. A
tonalidade azul elétrica estava desaparecendo. Lentamente, mas mesmo assim
estava desaparecendo. Tinha que ser um bom sinal.
Eu tinha acabado de me deitar na cama quando ouvi uma batida leve na porta.
Marcie abriu e ficou parada na entrada.
— Eu estou enlouquecendo — ela disse, e realmente parecia que estava.
Eu fiz sinal para ela entrar e fechar a porta.
— O que aconteceu lá? — ela exigiu, com a voz embargada. Seus olhos encheram
de lágrimas. — Como ele entrou no meu corpo assim?
— Blakely te possuiu.
— Como você pode estar tão calma com isso? — ela gritou baixinho. — Ele estava
vivendo dentro de mim. Como uma espécie de... parasita!
— Se você tivesse deixado eu lidar com Blakely como nós combinamos, nada disso
teria acontecido. — Assim que disse isso, eu me arrependi por ter soado tão
insensível. Marcie tinha feito algo estúpido, mas quem era eu para julgar? Eu tinha
feito minha parcela de decisões impulsivas. Pega de surpresa, ela tinha reagido. Ela
quisera saber quem tinha matado o pai dela, e quem poderia culpá-la por isso?
Certamente eu não.



Eu suspirei.
— Sinto muito, eu não quis dizer isso.
Mas já era tarde de mais. Ela me deu um olhar ferido e foi embora.



CAPÍTULO 15

Eu acordei com um solavanco. Dante estava inclinado acima da minha cama,
suas mãos paradas sobre o meu ombro.
— Bom dia, raio de sol.
Eu tentei me afastar, mas seus braços me mantiveram presa.
— É sábado — eu protestei, cansada. Os treinamentos estavam indo bem, mas eu
mereceria um dia de folga.
— Eu tenho uma surpresa para você. Uma das boas.
— A única surpresa que eu quero é ter mais duas horas de sono. — Na janela eu vi
que o céu ainda estava totalmente escuro, e eu duvidava que já tivesse passado das
cinco e meia.
Ele puxou meus lençóis e eu guinchei, tentando agarrá-los às cegas.
— Você se importa?!
— Bonito pijama.
Eu estava usando uma camiseta preta que tinha pegado do armário do Patch, e ela
não chegava nem a metade das minhas cochas.
Tentei puxar a camiseta para cobrir as partes visíveis enquanto, simultaneamente,
puxava os lençóis mais para cima.
— Ok — cedi em um acesso de raiva. — Te encontro lá fora.
Depois de vestir minhas roupas de corrida e calçar meus tênis, eu marchei para
fora. Dante não estava na frente da garagem, mas eu podia senti-lo nas
proximidades, e tinha quase certeza de que ele estava perto da floresta do outro
lado da rua.
Sem dúvida, também, Dante havia trazido um amigo. Só que, pela aparência de seu
amigo (dois olhos roxos, um corte no lábio, uma mandíbula inchada, e um galo
enorme e com uma aparência horrível em sua testa), parecia que os dois não
pareciam muito amigáveis.
— Você o reconhece? — Dante perguntou alegremente enquanto segurava o
Nephil ferido pela nuca para eu poder avaliá-lo.
Eu me aproximei, incerta de que tipo de jogo Dante estava jogando.



— Não. Ele foi muito espancado. Você fez isso com ele?
— Tem certeza de que esse lindo ladrãozinho não te parece familiar? — Dante
perguntou de novo, segurando o queixo do Nephil de um lado ao outro,
claramente se divertindo. — Ele estava se esbanjando sobre você ontem à noite. Ele
se gabava de ter dado uma bela surra em você. É claro que com isso ele conseguiu
minha atenção. Eu disse a ele que era impossível. Mas se ele tivesse feito isso, bem
só vamos dizer que eu não tolero esse tipo de comportamento de um Nephil para
com seus superiores, especialmente com a comandante do exercito de Mão Negra.
— Toda a leveza desapareceu do rosto de Dante, e ele olhou o Nephil ferido com
claro desprezo.
— Era uma brincadeira — disse o Nephil amargamente. — Eu pensei que nos
poderíamos ver o quanto ela estava sendo sincera sobre seguir a visão de Mão
Negra. Ela nem mesmo nasceu Nephil. Pensamos em dar a ela um gostinho do que
ela enfrentaria...
— Chapéu de Caubói? — eu soltei em voz alta. Seu rosto estava tão desfigurado
que eu não notei qualquer semelhança com o Nephil que me arrastou até a
cabana, me algemou a um poste, e me ameaçou, mas ouvindo sua voz, eu
reconheci quem ele era. Era definitivamente o Chapéu de Caubói. Shaun Corbridge.
— Brincadeira? — Dante riu amargamente. — Se é isso que você chama de
brincadeira, talvez você ache algo para rir quando descobrir o que vamos fazer com
você. — Ele bateu a cabeça do Chapéu de Caubói tão violentamente que ele caiu
de joelhos.
— Eu posso falar com você? — Pedi a Dante. — Em particular?
— Claro. — Ele apontou um dedo de advertência para o Chapéu de Caubói. —
Você se mexe, você sangra.
Depois de ter certeza que saímos do campo de audição do Chapéu de Caubói, eu
disse:
— O que está acontecendo?
— Eu estava no Devil’s Handbag ontem noite, e ouvi aquele bufão imbecil ali se
vangloriava de te usar como saco de pancada particular. No começo, eu pensei que
tinha escutado errado. Mais quanto mais ele falava, mais eu percebia que ele não
estava mentindo, de qualquer forma, modo ou maneira. Por que você não me
contou que alguns dos nossos soldados atacaram você? — Dante exigiu. Seu tom
não demonstrava raiva. Mágoa, quem sabe, mas não raiva.
— Você está me perguntando isso por que está preocupado em como isso afeta
meu comando, ou é por que está preocupado comigo?
Dante balançou a cabeça.
— Não fale isso. Você sabe que eu não estou pensando na sua popularidade. A
verdade é que eu parei de me preocupar com isso quase imediatamente depois de
te conhecer. Isso é sobre você. Aquele idiota ali colocou as mãos em você, e eu não
gosto disso. Nenhum pouquinho. Sim, ele deveria demonstrar respeito pela
comandante do exército ao qual ele pertence, mas é mais que isso. Ele deveria
respeitar você porque você é uma pessoa boa, e você está dando o seu melhor. Eu
vejo isso e quero que ele veja também.



Eu estava desconfortável com a honestidade e intimidade dele. Especialmente
depois do quase beijo que ele tentou me enganar a dá-lo. As palavras dele estavam
indo além do profissional, e era isso que nosso relacionamento era. E eu queria que
permanecesse assim.
Eu disse:
— Eu aprecio tudo que você disse, mas não acho que vingança fará ele mudar de
ideia. Ele me odeia. Muitos Nephilim odeiam. Essa pode ser uma boa oportunidade
de mostrar a eles que estão errados a meu respeito. Eu acho que devemos deixá-lo
ir e continuar com nosso treinamento.
Dante não pareceu balançado. De fato, ele parecia desapontado e talvez até
mesmo impaciente.
— Compaixão não é o caminho. Não dessa vez. Aquele imbecil ali só fará com que
a história dele ganhe mais força se você o deixar ir facilmente. Ele está tentando
convencer as pessoas de que você não serve para liderar o exército, e se você o
deixar ir assim, ele apenas provará isso. Castigue-o um pouco. Faça-o pensar duas
vezes antes de dar com a língua nos dentes ou te tocar de novo.
— Deixe-o ir. — Eu disse com mais firmeza. Eu não acreditava que violência se
resolvia com violência. Nem agora, nem nunca.
Dante abriu a boca para protestar, com o rosto um pouco vermelho, mas eu o
cortei.
— Eu não vou deixar pra lá. Ele não me machucou. Ele me levou até aquela cabana
porque estava assustado e não sabia o que fazer. Todos estão assustados. O
Cheshvan já começou, e nosso futuro está na balança. O que ele fez foi errado, mas
eu não posso descontar nele quando ele fez algo para acabar com seus medos.
Então abaixe o seu forcado e deixe-o ir. Eu falo sério, Dante.
Dante soltou um longo suspiro de desaprovação. Eu sabia que ele não estava feliz,
mas eu também acreditava que estava fazendo a coisa certa. Eu não queria por
mais fogo na fogueira da rivalidade do que eu já tinha posto. Se todos os Nephilim
iriam passar por isso, tínhamos que estar unidos nesse momento. Nós tínhamos
que estar dispostos a demonstrar compaixão, respeito e civilidade, mesmo quando
não concordávamos em tudo.
— Então é isso? — Dante perguntou, claramente insatisfeito.
Eu pus minhas mãos ao redor da minha boca para amplificar a minha voz.
— Você está livre para ir embora — gritei para o Chapéu de Caubói. — Me
desculpe por qualquer inconveniência.
Ele nos encarou com os lábios tortos em descrença, mas resolveu não abusar da
sorte e correu para dentro da floresta como se estivesse sendo perseguido por
ursos.
— Então — disse para Dante. — Que treinamentos cruéis você tem para mim hoje?
Correr uma maratona? Mover montanhas? Partir o oceano em dois?
Uma hora depois meus músculos dos braços e das pernas estavam quase entrando
em colapso por exaustão. Dante me pressionou arduamente em sofridos intervalos
de ginástica: flexões, puxadas, abdominais e batidas rápidas de pé. Nós estávamos
já no caminho de volta, pela floresta, quando eu subitamente ergui meu braço e
pus uma mão no peito de Dante. Coloquei um dedo sobre meus lábios, indicando
que era para sermos silenciosos.
A distância eu podia ouvir de leve o suave crepitar de passos.
Dante deve ter ouvido também. Veado? ele perguntou.
Eu espreitei os olhos ao olhar para as sombras. A floresta ainda estava obscura e as
árvores agrupadas de modo denso apenas diminuíam a minha visibilidade.
Não. O ritmo não parece certo.
Dante me tocou no ombro e apontou na direção do céu. De começo, eu não
entendi. Depois ficou claro. Ele queria que nós escalássemos as árvores, assim
poderíamos ter uma boa visão do problema que talvez estivesse vindo até nós.
Apesar da minha exaustão, eu escalei uma árvore de cedro branco sem barulho,
com alguns saltos experientes e colocando os pés nos lugares certos. Dante subiu
em uma árvore vizinha.
Nós não precisamos esperar muito. Momentos depois de subirmos para a
segurança, seis anjos caídos apareceram na clareira abaixo. Três homens e três
mulheres. Seus tórax nus eram marcados com um tipo estranho de hieróglifo que
se assemelhavam ligeiramente às pinturas que Patch tinha nos pulsos, e seus rostos
estavam pintados com uma cor vermelho sangue. O efeito era arrepiante, e eu não
consegui evitar pensar que eles me lembravam de guerreiros Pawnee. Um deles me
chamou a atenção, em particular. Um garoto magricela com olhos roxos. Seu rosto
familiar gelou o meu sangue. Eu lembrei da marcha selvagem dele no Devil’s
Handbag, e o modo como a mão dele brilhou. Eu lembrei da vítima dele. Eu
lembrei de como ela se parecia muito comigo.
Um rosnado feroz endureceu seu rosto, e ele espreitou as árvores com afinco. Seu
peito tinha uma ferida recente, pequena e circular, como se uma faca tivesse sido
usada cruelmente para tirar aquele pedaço de carne. Ele tinha um brilho frio e
implacável em seu olhar, e eu estremeci.
Dante e eu ficamos nas árvores até que eles foram embora. Quando voltamos para
a terra firme, eu disse:
— Como eles encontraram a gente?
Seus olhos pararam em mim, nebulosos e frios.
— Eles cometeram um grande erro vindo atrás de você desse jeito.
— Você acha que eles estavam espionando nós dois?
— Eu acho que alguém disse que estaríamos aqui.
— O magrelo. Eu j tinha visto ele antes, no Devil’s Handbag. Ele atacou uma
garota Nephilim que se parecia muito comigo. Você o conhece?
— Não. — Mas, para mim, parece que ele hesitou por um momento antes de
responder.
Cinco horas depois, eu tinha tomado banho e me vestido, tomado um café da
manhã saudável com ovos mexidos com cogumelos e espinafre, e, como bônus, eu
terminei toda a minha lição de casa. Nada mau, considerando que não era nem
meio dia.
No final do corredor, a porta do quarto da Marcie se abriu e ela emergiu lá de
dentro. O cabelo dela estava uma bagunça para todos os lados, e havia círculos
negros embaixo de seus olhos. Eu podia quase sentir o seu mau hálito matinal de
onde eu estava.
— Oi — eu disse.
— Oi.
— Minha mãe quer que nós tiremos as folhas do quintal, então é melhor segurar o
banho até que a gente termine.
As sobrancelhas de Marcie se juntaram.
— Como é que é?
— Tarefas de sábado — eu expliquei. Eu sabia que isso provavelmente era algo
novo para Marcie. E eu apreciava completamente ser eu aquela que ia ensinar um
pouco de trabalho duro para ela.
— Eu não faço essas coisas.
— Faz a partir do momento que veio morar aqui.
— Certo — disse Marcie relutante. — Me deixe tomar café da manhã primeiro e
fazer algumas ligações.
Em um dia normal, eu nunca pensei que veria a Marcie concordando tão
rapidamente, mas eu comecei a pensar que esse comportamento era uma desculpa
pela grande confusão que ela causou ontem à noite. Ei, eu podia viver com isso.
Enquanto a Marcie comia cereal como café da manhã, eu fui até a garagem achar o
equipamento. Eu já tinha limpado a metade do jardim quando um carro estacionou
na rua. Era Scott em sua Barracuda, que agora saía do carro. Ele estava usando uma
camiseta que destacava todos os seus músculos, e, para o bem da , eu gostaria
de ter uma câmera.
— E ai, ? — ele disse. Puxou suas luvas de trabalho do bolso de trás e as vestiu.
— Eu vim ajudar. Coloque-me para trabalhar. Eu sou seu escravo por um dia. Tudo
bem que quem deveria estar aqui é o seu garoto, Dante. — Ele ficava me enchendo
por causa do Dante, mas eu não conseguia ter certeza se ele acreditava no meu
relacionamento ou não. Eu sempre notava sinais de ironia quando ele falava disso.
Mas, claro, eu sempre notava isso em uma em cada dez palavras que ele falava.
Debrucei-me sobre meu arado.
— Eu não entendo. Como você ficou sabendo sobre a limpeza do jardim?
— Pela sua nova melhor amiga.
Eu não tinha uma nova melhor amiga, mas eu tinha uma arqui-inimiga inoportuna.
Eu espremi meus olhos.
— A Marcie te recrutou? — Eu supus.
— Ela disse que precisava de ajuda com as tarefas. Ela é alérgica e não pode
trabalhar fora de casa.
— Total mentira! — E eu fui ingênua o suficiente para pensar que ela realmente iria
ajudar.
Scott pegou as ferramentas extras que eu coloquei na frente da varanda e veio me
ajudar.
— Vamos fazer uma grande pilha e te jogar nela.
— Isso não ajudaria em nada.
Scott sorriu e me deu um tapinha no ombro.
— Mas seria divertido.



Marcie abriu a porta da frente e saiu na varanda. Ela se inclinou sobre os degraus,
cruzando as pernas e se apoiando neles.
— Oi, Scott.
— Hey.
— Obrigada por vir ao meu resgate. Você é meu cavalheiro de armadura branca.
— Oh, vômito — eu disse, revirando meus olhos dramaticamente.
— A qualquer hora — Scott disse para ela. — Eu não podia recusar atormentar a
. — Ele veio pelas minhas costas e jogou um maço de folhas dentro da minha
camiseta.
— Hey! — Eu gritei. Eu peguei um grande maço de folhas e joguei na cara dele.
Scott abaixou os ombros, movimentou-se em grande velocidade até mim, e me
jogou no chão, espalhando minha pilha organizada de folhas para tudo quanto era
lugar. Eu fiquei muito brava por ele ter destruído todo o meu árduo trabalho, mas
ao mesmo tempo eu não era capaz de parar de rir. Ele estava em cima de mim,
estufando minha camiseta com folhas, e também meus bolsos e as pernas da calça.
—Scott. — Eu disse entre as risadas.
— Arrumem um quarto — Marcie disse com uma voz entediada, mas eu podia ver
que ela estava irritada.
Depois de Scott finalmente me soltar, eu disse a Marcie:
—Que pena que você tem alergia. Limpar o quintal pode ser muito divertido. Eu
me esqueci de mencionar isso?
Ela me deu um olhar de desgosto profundo e marchou para dentro.

CAPÍTULO 16

Depois que Scott e eu tínhamos colocado todas as folhas em sacolas de lixo
laranjas, decoradas para parecerem abóboras, e colocamos enfeitando o pátio,
entramos para tomar um pouco de leite e os deliciosos biscoitos de
chocolate e menta da minha mãe. Pensei que Marcie tivesse ido para o quarto dela,
mas ao invés disso ela estava esperando por nós na cozinha.
- Acho que deveríamos fazer uma festa de Halloween aqui. - Anunciou.
Eu bufei e deixei o meu copo de leite.
- Não se ofenda, mas essa família não é muito fã de festas.
O rosto da minha mãe se iluminou.
- Acho que é uma idéia maravilhosa, Marcie. Não temos feito muitas festas aqui
desde que Harrison morreu. Posso passar na loja de fantasias mais tarde e ver o que
eles tem de decoração.
Olhei para Scott procurando por ajuda, mas ele simplesmente deu de ombros.
- Pode ser legal.
- Você tem um bigode de leite. - Eu disse, cortando ele.
Ele limpou com o dorso da mão.... e então, limpou a mão no meu braço.
- Eeeew! - Gritei, dando um empurrão no ombro dele.
- Acho que deveríamos ter um tema. Como casais famosos da história, e pedir
para todos virem em casais. - Disse Marcie.
- Isso já foi feito antes. - Disse a ela. - Tipo, um milhão de vezes!
- O tema deveria ser um personagem favorito dos filmes de Halloween. - Scott
disse com um sorriso sádico.
- Sério. Voltem pra cá. Todo mundo... se acalmem! - Disse sustentando minhas
mãos com um sinal de pare. - Mãe, você se dá conta de que teríamos que limpar toda a
casa, né?
Ela riu insultada.
- Acasa não está suja, .
- Vai ser "traga sua própria cerveja" ou nós vamos bancar? - Perguntou Scott.
- Nada de cervejas. - Dissemos mamãe e eu juntas.
- Bom, eu gosto da idéia de casais famosos. - Disse Marcie, certamente depois
de tomar uma decisão. - Scott, deveríamos ir juntos.



Scott não perdeu a oportunidade.
- Poderia ser Michael Myer e você uma das babás que mutilam?
- Não. - Disse Marcie. - Iremos como Tristão e Isolda.
Mostrei a língua.
- Uma forma de ser original.
Scott chutou minha perna de brincadeira.
- Bom, oi, pequena senhorita feliz.
Acho que é muito sem sentido, estarmos planejando uma festa de
Halloween quando estamos no meio do Cheshvan, disse criticamente aos seus
pensamentos, os anjos caídos podem esperar sentados, mas não por muito tempo.
Nós dois sabemos que a guerra pode acontecer a qualquer momento e todo
mundo está esperando que eu faça alguma coisa a respeito. Então me perdoe se
eu pareço um pouco mal humorada.
Muito bem, contestou Scott, mas talvez a festa possa te ajudar a deixar de
pensar nessas coisas.
Está realmente pensando em ir com a Marcie?
Um sorriso apareceu nos lábios dele. Acha que deveria ir com você ao invés
de ir com ela?
Acho que você deveria ir com a .
Antes que pudesse sondar a reação de Scott, Marcie disse:
- Vamos juntas a loja de fantasias, senhora . E depois poderíamos passar
pela papelaria pra gente comprar convites. Quero uma coisa horripilante e festiva, mas
também sentimental. - Ela balançou os ombros e gritou. - Isso vai ser muito divertido.
- Quem você vai convidar pra festa, ? - Perguntou minha mãe.
Eu pressionei os lábios, incapaz de pensar na resposta certa. Scott já tinha um
par, Dante iria, isso ajudaria a alimentar o rumor sobre a nossa relação, mas eu não
estava com humor, e minha mãe detestava Patch. Pior, a suposição era que eu odiava
ele até a morte. Éramos inimigos mortais, até aonde as pessoas sabiam.
Não queria estar em uma festa. Tinha problemas maiores. Tinha um arcanjo
vingador atrás de mim, era líder de um exército, mas precisava de uma direção, apesar
do meu pacto com os arcanjos, estava começando a sentir que a guerra não só seria
inevitável, mas podia ser o passo certo; minha melhor amiga estava guardando
segredos e saber quais eram esses segredos estavam me mantendo acordada a noite
toda e agora isso. Uma festa de Halloween. Na minha própria casa. Onde esperam que
eu banque a anfitriã.
Marcie sorriu.
- Anthony Amowitz tem uma queda por vc.
- Oh, me conta mais sobre esse Anthony. - Minha mãe pediu.
Marcie amava boas histórias, e se lançou justo nessa.
- Ele estava na nossa turma de educação física ano passado, toda vez que
jogávamos Softbol, ele jogava como recebedor e ficava olhando de boca aberta pras
pernas de o tempo todo enquanto dava as rebatidas. Ele não pegava nenhum
lançamento, de tão distraído que estava.
- tem umas pernas lindas. - Minha mãe brincou.
Ergui o polegar apontando a escada.
- Vou pro meu quarto bater a cabeça na parede algumas milhares de vezes.
Qualquer coisa é melhor do que isso.



- Você e Anthony poderiam ser Scarlett e Rhett. -Gritou Marcie atrás de mim. -
ou Buffy e Angel. E Tarzan e Jane?
Essa noite deixei minha janela fechada e logo depois da meia noite, Patch se
arrastou pra dentro. Cheirava a terra, como os bosques, enquanto deslizava
silenciosamente pra minha cama perto de mim. Ainda que preferisse encontrar com ele
ao ar livre, havia algo inegavelmente sexy sobre os nossos encontros secretos.
- Eu trouxe uma coisa pra você. - Ele disse colocando uma bolsa de papel
marrom na minha barriga.
Sentei e olhei dentro do saco.
- Uma maçã de caramelo da praia de Delphic. - Sorri. - Ninguém faz melhor. E
ainda conseguiu uma polvilhada com flocos de coco, minha favorita.
- É um presente, pra que você fique melhor. Como está a ferida?
Levantei minha camiseta, mostrando eu mesma a boa notícia pra ele.
- Muito melhor. - A última coloração de azul tinha desaparecido ha algumas
horas, e assim que isso aconteceu, a ferida tinha cicatrizado quase que
instantaneamente. Só ficou um pálido risco de uma cicatriz.
Patch me beijou.
- Essa é uma boa notícia.
- Alguma notícia de Blakely?
- Não, mas é só uma questão de tempo.
- Você o sentiu te seguindo?
- Não. - Uma pontada de frustração deslizou pela voz dele. - Mas estou certo de
que ele está me vigiando. Ele precisa da faca de volta.
- O Devilcraft está mudando todas as regras, né?
- É o que me obriga a ser criativo, e vou fazer isso.
- Você trouxe a faca de Blakely com você? - Procurei em seus bolsos, mas
pareciam vazios.
Ele levantou a camisa alto o suficiente para mostrar o punhal sobressaindo
sobre o seu cinto de couro.
- Nunca perco de vista.
- Você tem certeza que ele vai vir atrás disso? Pode ser que seja só um blefe.
Talvez ele saiba que os arcanjos não são tão puritanos como todos pensávamos que
eram e sabe que pode escapar com o Devilcraft.
-É uma possibilidade, mas não acho. Os arcanjos são bons ocultando coisas,
sobre tudo os Nephilins. Acho que Blakely tem medo, e acho que ele vai fazer algum
movimento logo.
- E se ele trouxer apoio? E se somos só nós dois contra vinte deles?
- Ele vai vir sozinho. - Disse Patch com confiança. - Ele meteu os pés pelas
mãos, e agora vai tratar de corrigir essa bagunça sozinho. Sabendo quão valioso ele é
para os Nephilins, de maneira nenhuma seria permitido que ele assistisse um jogo de
futebol sozinho. Aposto que Blakely fugiu. Pior, deixou pra trás uma faca encantada
com Devilcraft. Ele tá morrendo de medo, e sabe que tem que consertar o erro antes
que alguém fique sabendo. Vou usar o medo e o desespero dele a nosso favor. Ele
sabe que estamos juntos. E vou fazer ele jurar que não vai dizer nada ninguém sobre o
nosso relacionamento e não vou dar a faca até que ele faça.
Afrouxei o nó do saco da maçã de caramelo e mordi pela metade. Lutei com
uma boa falsa calma.



- Alguma coisa a mais? - Perguntou Patch.
- Huuumm... sim. Durante o treinamento dessa manhã, Dante e eu fomos
interrompidos por alguns anjos caídos malfeitores. - Eu encolhi os ombros. - Ficamos
escondidos até que eles fossem embora, mas posso dizer que Cheshvan tem
esquentado o sangue de todo mundo. Não conhece um anjo caído com marcas em
todo o peito, né? Essa é a segunda vez que eu vejo ele.
- Não. Mas vou manter os olhos abertos. E você está bem?
- Sim. Por outro lado, Marcie está fazendo uma festa de Halloween aqui.
Patch sorriu.
- Estilo drama familiar -Millar?
- O tema são os casais famosos da história. Poderia ser menos original? Pior,
está colocando a minha mãe nisso. Hoje elas foram fazer compras procurando as
decorações. Durante 3 horas inteiras. É como se já fossem melhores amigas. - Comi o
outro pedaço da maçã e fiz uma careta. - Marcie está arruinando tudo. Queria que
Scott fosse com , mas Marcie já convenceu ele a ir com ela.
O sorriso de Patch se alargou. Fiz a minha melhor cara mau humorada pra ele.
- Isso não é lindo. Marcie está destruindo a minha vida. De que lado você está
afinal?
Patch levantou as mãos em sinal de rendição.
- Eu vou ficar fora disso.
- Preciso de um encontro. Tenho que chamar a atenção de Marcie. - Inspirei. -
Quero o cara mais quente nos meus braços, e quero uma fantasia melhor. Vou
conseguir alguma coisa um milhão de vezes melhor do que Tristão e Isolda. - Olhei pra
Patch esperançosa.
Ele simplesmente me olhos.
- Não podemos ser vistos juntos.
- Você vai estar disfarçado. Pense nisso como um desafio pra passar
desapercebido. Tem que admitir que toda essa história de nos vermos escondido é
bastante quente.
- Eu não vou a festas a fantasia.
- Por favor, por favor, por favor. - Pisquei os olhos.
- Você está me matando.
- Só conheço um cara que é mais bonito que Scott... - Deixei que a idéia
tentesse seu ego.
- Sua mãe não vai me deixar colocar um pé dentro dessa casa. Já vi a pistola
que ela guarda dentro da dispensa.
- Mais uma vez, você vai estar disfarçado, bobo. Ela não vai saber que é você.
- Não vai deixar passar, né?
- Não. O que você acha de John Lennon e Yoko Onno? Ou Sansão e Dalila?
Robin Hood e Lady Marian?
Ele levantou uma sobrancelha.
- Você já pensou em Patch e ?
Entrelacei os dedos ao meu estômago, e olhei para o teto.
- Marcie vai morrer.
O celular de Patch tocou e ele olhou a tela.
- Número desconhecido. - Ele murmurou e o meu sangue congelou.
- Acha que é Blakely?



- Só tem uma forma de saber. - Ele atendeu, sua voz calma, mas não
acolhedora. Imediatamente, senti o corpo de Patch tenso junto ao meu e sabia que era
Blakely. A ligação durou só alguns poucos segundos.
- É o nosso homem. - Ele me disse. - Quer conversar. Agora.
- Isso é tudo? Quase parece fácil.
Patch me olhou nos olhos e eu soube que tinha alguma coisa a mais. Não
consegui interpretar sua expressão, mas o modo como ele me olhava, fez com que a
ansiedade borbulhasse dentro de mim.
- Se dermos a ele a faca, ele nos dará o antídoto.
- Que antídoto? - Perguntei.
- Quando ele te apunhalou, ele te infectou. Não disse com o que. Só disse que
se não conseguíssemos o antídoto logo... - Interrompeu, engolindo um pouco de
saliva. - Disse que você ia lamentar, nós dois iríamos.


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