Finale






CAPÍTULO 5

Doze horas depois, eu estava rígida e dolorida por causa do exercício dessa manhã, tendo cuidado ao subir e descer as escadas, que pareciam dar aos meus
músculos a pior dor. Mas qualquer descanso e repouso teria que esperar; viria
me buscar em dez minutos, e eu ainda não tinha tirado o moletom que passei o dia
usando.
Patch e eu decidimos encenar nossa briga publicamente hoje à noite, então não
haveria nenhuma dúvida sobre o estado do nosso relacionamento: nós tínhamos
nos separado e estávamos firmemente em lados opostos nessa guerra de
preparação. Nós também optamos por fazer nossa cena no Devil’s Handbag,
sabendo que os Nephilim iam lá para se encontrar. Embora nós não soubéssemos
as identidades dos Nephilim que me atacaram, ou se eles estariam lá esta noite,
Patch e eu estávamos certos de que a notícia do nosso término se espalharia
rápido. Por fim, Patch tinha descoberto que o barman escalado para trabalhar no
turno da noite era um Nephilim supremacista de temperamento forte. Vital, Patch
me assegurou, para o nosso plano.
Eu tirei o meu moletom e coloquei um vestido volumoso de tricô de ponto
trançado, meia-calça, e ankle boots. Eu prendi meu cabelo em um coque baixo,
soltando algumas partes para moldar meu rosto. Exalando, eu encarei o meu
reflexo no espelho e fabriquei um sorriso. Depois de tudo, eu não parecia nada mal
para uma garota que estava prestes a se envolver em uma briga devastadora com o
amor de sua vida.
As consequências da briga de hoje à noite só têm que durar algumas semanas, eu
disse para mim mesma. Apenas até que toda essa bagunça de Cheshvan acabe.
Ademais, a briga não era real. Patch me prometeu que nós encontraríamos
maneiras para nos encontrar. Em momentos secretos e olhares roubados. Nós
apenas teríamos que ser muitos cuidadosos.
! — minha mãe me chamou pela escada. — está aqui.
— Me deseje sorte — eu murmurei para o meu reflexo, então apanhei meu casaco
e cachecol e desliguei a luz do quarto.
— Eu quero você em casa as nove — minha mãe me disse quando eu desci para a
sala de estar. — Sem exceções. É noite de escola.
Eu a beijei na bochecha e empurrei a porta para fora.
estava com as janelas do Neon abertas, e estava tocando Rihanna no som. Eu
sentei no banco do passageiro e falei por sobre a música:
— Eu estou surpresa que sua mãe tenha deixado você sair em uma noite de escola.
— Ela teve que viajar para Nebrasca. O tio dela, Marvin, morreu e eles estão
dividindo a sua propriedade. Tia Henny está cuidando de mim. — olhou para o
lado e seu sorriso era travesso.
— A sua tia Henny não estava na reabilitação há alguns anos ?
— Essa mesma. Pena que não adiantou. Ela tem um galão de suco de maça na
geladeira, mas é o suco de maça mais fermentado que eu já provei.
— E a sua mãe a considerou responsável o suficiente para cuidar de você?
— Acho que a perspectiva de conseguir algum dinheiro do tio Marvin a suavizou.
Nós descemos pela Hawthorne, cantando as letras e dançando em nossos lugares.
Eu estava impaciente e nervosa, mas achei que era melhor agir como se nada
estivesse fora do normal.
O Devil’s Handbag estava apenas moderadamente cheio essa noite, um público
decente, mas todos não precisavam ficar de pé. e eu encontramos uma mesa,
nos livramos dos nossos casacos e bolsas, e pedimos coca-cola para uma
garçonete que passava por ali. Disfarçadamente, procurei por Patch, mas ele não
tinha aparecido. Eu tinha ensaiado minhas falas vezes demais para contar, mas
minhas palmas ainda estavam suando. Eu as enxuguei na minha meia-calça,
desejando ser uma atriz melhor. Desejando que eu gostasse de drama e atenção.
— Você não parece bem — disse.
Eu estava prestes a fazer uma piada sobre como a sua falta de sutileza ao dirigir
tinha me deixado enjoada, quando os olhos de passaram por mim e a
expressão dela azedou.
— Ah, diabos não. Me diga que não é Marcie Millar flertando com o meu homem.
Eu estiquei o meu pescoço em direção ao palco. Scott e os outros membros da
banda Serpentine estavam no palco se preparando para o show, enquanto Marcie
apoiava seus cotovelos lindamente no palco, chamando Scott para uma conversa.
— O seu homem? — eu perguntei para .
— Vai ser em breve. Não faz diferença.
— Marcie flerta com todo mundo. Eu não me preocuparia quanto a isso.
respirou fundo, o que na verdade fez as narinas dela se alargarem. Marcie,
como se sentindo a vibração negativa de como um vodu, olhou em nossa
direção. Ela nos deu o seu melhor aceno de miss.
— Faça alguma coisa — me disse. — Afaste ela dele. Agora.
Eu saltei e caminhei até Marcie. No caminho, eu abri um sorriso. No momento em
que eu cheguei perto dela, eu tinha certeza que parecia quase verdadeiro.
— Oi — eu falei para ela.
— Oh, oi, . Eu estava apenas dizendo para o Scott o quanto eu gosto de
música indie. Ninguém nessa cidade se importa com nada. Eu acho que é legal ele
tentar seguir o estrelato.
Scott piscou para mim. Eu tive que fechar os meus olhos brevemente para não rolá-
los.
— Então... — eu falei, lutando para preencher o lapso na conversa. A mando de
, eu tinha vindo aqui, mas e agora? Eu não poderia simplesmente arrastar
Marcie para longe de Scott. E por que eu estava aqui bancando a juíza? Isso era
problema da , não meu.
— Nós podemos conversar? — Marcie me perguntou, me salvando de ter que bolar
uma tática eu mesma.
— Claro, eu tenho um minuto — eu disse. — Por que nós não vamos para um lugar
mais calmo?
Como se estivesse lendo minha mente, Marcie agarrou meu pulso e me levou até a
porta dos fundos e depois para o beco. Depois de olhar para os dois lados para ter
certeza que estávamos sozinhas, ela disse:
— O meu pai te contou alguma coisa sobre mim? — ela baixou sua voz ainda mais.
— Sobre ser Nephilim, eu quero dizer. Eu tenho me sentido esquisita ultimamente.
Cansada e com cólica. Isso é algum tipo estranho de menstruação Nephilim?
Porque eu pensei que eu já tinha passado por isso.
Como eu iria dizer para Marcie que Nephilim de raça pura, como os pais dela,
raramente acasalavam com sucesso, e quando eles conseguiam, a prole era fraca e
doente, e que algumas das palavras finais de Hank para mim incluíam a verdade
sombria que Marcie provavelmente não viveria muito tempo?
Em resumo, eu não poderia.
— Algumas vezes eu me sinto cansada e com cólica também — eu disse — Eu
acho que é normal...
— Sim, mas o meu pai disse alguma coisa sobre isso? — ela pressionou. — O que
esperar, como lidar, esse tipo de coisa.
— Eu acho que seu pai amava você e queria que você continuasse vivendo a sua
vida, sem se estressar com essa coisa de Nephilim. Ele queria que você fosse feliz.
Marcie me olhou incrédula.
— Feliz? Eu sou uma aberração. Eu não sou nem mesmo humana. E não pense por
um minuto que eu esqueci que você também não é. Nós estamos nisso juntas. —
Ela apontou acusadoramente para mim.
Ai, minha nossa. Justamente o que eu precisava. Solidariedade… com Marcie Millar.
— O que você realmente quer de mim, Marcie? — eu perguntei.
— Eu quero ter certeza que você entende que se você insinuar, mesmo que de leve,
para alguém que eu não sou humana, eu vou queimar você. Eu vou te enterrar viva.
Eu estava perdendo a paciência.
— Primeiro, se eu quisesse anunciar para o mundo que você é Nephilim, eu já teria
feito. E segundo, quem acreditaria em mim? Pense sobre isso “Nephilim” não é
uma palavra cotidiana no dicionário da maioria das pessoas que nós conhecemos.
— Ok — Marcie bufou, aparentemente satisfeita.
— Já acabamos?
— E se eu precisar de alguém para conversar? — ela persistiu. — Não é como se eu
pudesse contar isso para o meu psiquiatra.
— Hm, sua mãe? — Eu sugeri. — Ela é uma Nephilim também, lembra?
— Desde que o meu pai desapareceu, ela se recusou a aceitara verdade sobre ele.
Está ocorrendo momentos de negação séria. Ela está convencida que ele vai voltar,
que ele ainda ama ela, que ele vai anular o divórcio, e que nossas vidas voltarão a
ser floridas como antes.
Negação, talvez. Mas eu não duvidaria que Hank tivesse enganado sua ex-mulher
com um encantamento tão poderoso que seus efeitos duraram além de sua morte.
Hank e a vaidade andavam juntos como meias combinando. Ele não teria querido
que alguém falasse mal de sua memória. E até onde eu sabia, ninguém em
Coldwater tinha. Era como se uma névoa entorpecente tivesse se assentado sobre a
comunidade, fazendo com que moradores humanos e Nephilim não perguntassem
sobre o que tinha acontecido com ele. Não havia uma única história percorrendo a
cidade. As pessoas, quando falavam dele, apenas murmuravam “Que choque. Que a
alma dele descanse em paz. Pobre família, deveria perguntar como eu posso
ajudar...”
Marcie continuou:
— Mas ele não irá voltar. Ele está morto. Eu não sei como ou por que ou quem fez
isso, mas de jeito nenhum meu pai iria desaparecer a menos que algo acontecesse.
Ele está morto. Eu sei disso.
Eu tentei manter minha expressão compreensiva, mas minhas palmas começaram a
suar de novo. Patch era a única pessoa na Terra que sabia que eu tinha mandado
Hank para a sepultura. Eu na tinha a intenção de adicionar o nome de Marcie na
lista privilegiada.
— Você não parece tão arrasada quanto a isso — eu disse.
— Meu pai estava metido em algumas coisas muito ruins. Ele mereceu.
Eu poderia ter me aberto com Marcie bem ali, mas algo não parecia certo. O seu
olhar cínico nunca vacilou do meu rosto, e eu tinha a sensação de que ela
suspeitava que eu sabia algo importante sobre a morte do pai dela, e a sua
indiferença era uma ato para conseguir que eu revelasse.
Eu não iria cair na armadilha, se é o que isso era.
— Não é fácil perder seu pai, acredite em mim — eu disse. — A dor nunca
desaparece de verdade, mas acabará se tornando suportável. E, de alguma maneira,
a vida continua.
— Eu não estou procurando por um cartão de simpatia, .
— Está bem — eu disse com um relutante encolher de ombros. — Se você precisar
conversar, eu acho que você pode me ligar.
— Eu não vou precisar. Eu estou indo morar com você. — Marcie anunciou. — Eu
vou levar minhas coisas ainda essa semana. Minha mãe está me enlouquecendo, e
nós duas concordamos que eu preciso de outro lugar para ficar por um tempo. A
sua casa é tão boa quanto qualquer outra. Bem, eu pelo menos estou feliz que nós
tivemos essa conversa. Se tem alguma coisa que meu pai me ensinou, é que
Nephilim ficam juntos.


CAPÍTULO 6

Não — Eu neguei automaticamente. — Não, não, não. Você não pode simplesmente... ir morar comigo. — Um sentimento de puro pânico se intensificou
das pontas dos meus pés até os meus ouvidos, me golpeando mais rápido do que
eu poderia conter. Eu precisava de um argumento. Agora. Mas o meu cérebro
continuava enviando o mesmo pensamento frenético e completamente inútil: Não.
— Eu já decidi — Marcie disse, e foi para dentro.
— E quanto a mim? — Eu gritei. Eu chutei a porta, mas o que eu realmente senti
vontade era de chutar eu mesma por uma ou duas horas. Eu tinha feito uma favor
para e olhe onde eu acabei.
Eu abri a porta e marchei para dentro. Eu encontrei na nossa mesa.
— Para onde ela foi? — eu perguntei.
— Quem?
— Marcie!
— Eu pensei que ela estivesse com você.
Eu dei a o meu melhor olhar indignado.
— É tudo sua culpa! Eu tenho que encontrá-la.
Sem mais explicações, eu passei pela multidão, com os olhos alertas e atenta a
qualquer sinal de Marcie. Eu precisava resolver isso antes que ficasse totalmente
fora de controle. Ela está testando você, eu disse para mim mesma. Tentando
descobrir o que está acontecendo. Nada está decidido. Além disso, minha mãe
tinha a palavra final sobre isso. E ela não iria deixar Marcie morar conosco. Marcie
tinha a sua própria família. Ela tinha apenas a sua mãe, claro, mas eu era
testemunha de que família era muito mais do que números. Animada com esse
pensamento, eu senti que minha respiração começava a se acalmar.
As luzes se apagaram e o vocalista da banda Serpentine pegou o microfone,
balançando a cabeça em um ritmo silencioso. Aproveitando a deixa, o baterista
tocou uma introdução, e Scott e o outro guitarrista se juntaram, começando o
show com uma música violenta e angustiante. A plateia foi à loucura, balançando a
cabeça e cantando a música. Eu dei uma última olhada frustrada procurando por
Marcie, então desisti. Eu teria que resolver as coisas com ela mais tarde. O começo
do show era o sinal para eu encontrar Patch no bar, e, bem assim, meu coração
voltou a se agitar no meu peito.
Eu fui para o bar e peguei o primeiro banquinho que eu vi. Eu sentei com um
pouco de força demais, perdendo o equilíbrio no último segundo. Minhas pernas
pareciam que eram feitas de borracha, e meus dedos tremiam. Eu não sabia como
eu iria passar por isso.
— Identidade, querida? — o barman perguntou. Uma corrente elétrica vibrava dele,
me alertando que ele era Nephilim. Exatamente como Patch disse que ele seria.
Eu balancei minha cabeça.
— Apenas uma Sprite, por favor.
Nem um segundo depois, eu senti Patch atrás de mim. A energia que irradiava dele
era, de longe, mais forte que a do barman, deslizando como calor pela minha pele.
Ele sempre tinha aquele efeito em mim, mas ao contrário do habitual, hoje à noite
a corrente de calor me deixou doente de ansiedade. Isso significava que Patch
tinha chegado, e que eu estava sem tempo. Eu não queria seguir em frente com
isso, mas eu entendia que eu realmente não tinha uma escolha. Eu tinha que fazer
isso de forma inteligente, pela minha segurança e pela das pessoas que eu mais
amava.
Preparada? Patch me perguntou na privacidade dos nossos pensamentos.
Se o fato de que eu estou sentindo que vou vomitar a qualquer momento significa
preparada, claro.
Eu vou até a sua casa mais tarde e nós conversamos sobre isso. Agora, vamos
simplesmente acabar com isso.
Eu concordei com a cabeça.
Assim como nós ensaiamos, ele falou calmamente na minha mente.
Patch? Não importa o que aconteça, eu amo você. Eu queria dizer mais, essas três
palavras pareciam lamentavelmente inadequadas comparadas ao jeito que eu me
sentia sobre ele. E ao mesmo tempo, tão simples e precisas, nada mais poderia ser
dito.
Sem arrependimentos, Anjo.
Nenhum, eu respondi.
O barman terminou de atender um cliente e se aproximou para pegar o pedido de
Patch. Seus olhos analisaram Patch, e pela carranca que logo apareceu em seu
rosto, era óbvio que ele tinha percebido que Patch era um anjo caído.
— O que você vai querer? — ele perguntou, seu tom cortante, enquanto ele
limpava as mãos em um pano de prato.
Patch falou com uma inconfundível voz de bêbado:
— Uma linda ruiva, de preferência alta e magra, com pernas que um homem não
consegue achar o final. — Ele traçou o dedo pela minha bochecha, e eu fiquei
tensa e me afastei.
— Não estou interessada — eu disse, tomando um gole de Sprite e fixando meu
olhar na parede espelhada atrás do bar. Eu soei ansiosa o suficiente para chamar a
atenção do barman.
Ele inclinou-se sobre o bar, descansando os seus enormes antebraços no balcão de
granito, e encarou Patch.
— Na próxima vez, olhe o menu antes de você desperdiçar o meu tempo. Nós não
oferecemos garotas desinteressadas, ruivas ou sei lá o que. — Ele deu uma pausa
com efeito ameaçador, e então encaminhou-se para o próximo cliente.
— E se ela é Nephilim, melhor ainda — Patch anunciou, bêbado.
O barman parou, os olhos brilhando com malícia.
— Você se importa de manter a sua voz baixa, camarada? Nós estamos em um
local misto. Esse lugar é aberto para humanos, também.
Patch ignorou o aviso com um aceno com o braço.
— Legal da sua parte se preocupar com os humanos, mas basta um truque de
mente depois e eles não lembrarão uma palavra que eu disse. Já fiz o truque tantas
vezes que eu consigo fazer isso até quando estou dormindo — ele disse, deixando
um pouco de arrogância fluir na sua voz.
— Você quer esse idiota fora daqui? — o barman me perguntou. — É só dizer e eu
vou chamar o segurança.
— Eu agradeço a sua oferta, mas eu posso lidar com isso eu mesma — eu disse a
ele. — Você terá que desculpar o meu ex-namorado por ser um total idiota.
Patch riu.
— Idiota? Não foi disso que você me chamou na última vez que estivemos juntos
— ele disse sugestivamente.
Eu apenas o encarei, enojada.
— Ela nem sempre foi uma Nephilim, sabe — Patch disse para o barman com uma
nostalgia melancólica. — Talvez você tenha ouvido sobre ela. A herdeira de Mão
Negra. Eu gostava mais dela quando ela era humana, mas há um certo prestígio em
andar por aí com a Nephilim mais famosa da Terra.
O barman me olhou especulativamente.
— Você é a filha de Mão Negra?
Eu olhei para Patch.
— Obrigada por isso.
— É verdade que Mão Negra está morto? — o barman perguntou. — Eu não
consigo nem compreender isso. Um grande homem, que a alma dele descanse em
paz. Minhas condolências à sua família. — Ele pausou, aturdido. — Mas morto...
realmente morto?
— É verdade — eu murmurei calmamente. Eu não conseguia nem derramar uma
lágrima por Hank, mas eu falei com uma melancólica reverência que pareceu
satisfazer o barman.
— Uma rodada de bebida de graça para o anjo caído que matou ele — Patch
interrompeu, levantando o meu copo em um brinde. — Eu acho que nós todos
podemos concordar que foi isso o que aconteceu. Imortal já não tem mais o
mesmo significado de antes. — Ele riu, batendo o punho no balcão em
comemoração.
— E você costumava namorar esse porco? — o barman me perguntou.
Eu dei uma olhada em Patch e franzi a testa.
— Um erro que eu reprimi.
— Você sabe que ele é um — o barman baixou a voz — anjo caído, certo?
Outro gole e uma tragada difícil.
— Nem me lembre disso. Eu consertei meus erros... meu novo namorado é Dante
Matterazzi, cem por cento Nephilim. Talvez você já tenha ouvido sobre ele? — Não
existia momento melhor que o presente para começar um rumor.
Seus olhos iluminaram, impressionado.
— Claro, claro. Ótimo cara. Todo mundo conhece Dante.
Patch fechou sua mão sobre o meu pulso com muita força para ser carinhoso.
— Ela entendeu tudo errado. Nós ainda estamos juntos. O que você acha de nós
irmos embora daqui, doçura?
Eu me afastei de seu toque, como se tivesse levado um choque.
— Tire as suas mãos de mim.
— Eu estou com a minha moto lá fora. Me deixe te levar para um passeio. Pelos
velhos tempos. — ele se levantou, e então me puxou do banco tão bruscamente
que ele caiu.
— Chame o segurança, — Eu pedi ao barman, deixando a ansiedade inundar a
minha voz. — Agora.
Patch me arrastou em direção à porta da frente, e enquanto eu dava um show
convincente tentando me soltar, eu sabia que o pior ainda estava por vir.
O segurança do clube, um Nephil que não tinha a vantagem apenas de ser vários
centímetros maior que Patch, mas também de ter vários quilos a mais, abriu
caminho em nossa direção. Ele agarrou Patch pelo colarinho, afastando ele de mim
e o jogando na parede. A banda Serpentine estava agitando, abafando a briga, mas
aqueles que estavam por perto se separaram, formando um semicírculo de curiosos
ao redor dos dois homens.
Patch levantou as mãos no nível dos ombros dele. Ele deu um sorriso breve e
embriagado.
— Eu não quero nenhum problema.
— Tarde demais — o segurança disse, e esmagou o punho dele no rosto de Patch.
A pele acima da sobrancelha de Patch se cortou, escorrendo sangue, e eu me
esforcei para não estremecer ou ir até ele.
O segurança sacudiu a cabeça em direção à porta.
— Se você aparecer aqui de novo, você vai arranjar problemas bem rápido. Você
entendeu?
Patch tropeçou em direção à porta, dando ao segurança uma saudação desleixada.
— Sim, sim, senhor.
O segurança colocou o pé na dobra do joelho de Patch, o fazendo tropeçar pelo
chão de cimento.
— Olhe só para isso. Meu pé escorregou.
Um homem perto da porta riu, baixo e áspero, e o som chamou minha atenção.
Essa não era a primeira vez que eu escutava aquela risada. Quando eu era humana,
eu não teria reconhecido, mas todos os meus sentidos estavam aguçados agora. Eu
olhei através da escuridão, tentando ligar a risada amargurada com um rosto.
Lá.
Chapéu de Caubói. Ele não estava usando um chapéu ou óculos de sol essa noite,
mas eu conseguiria reconhecer aqueles ombros curvados e aquele sorriso
sarcástico em qualquer lugar.
Patch! Eu gritei, incapaz de ver se ele ainda estava dentro do alcance auditivo
enquanto a multidão a minha volta estava ocupando os lugares vazios agora que a
luta tinha acabado. Um dos Nephilim da cabana. Ele está aqui! Ele está perto da
porta, usando uma camisa vermelha e preta de flanela, jeans, e botas de caubói.
Eu esperei, mas não obtive nenhuma resposta.
Patch! Eu tentei novamente, usando todo o poder mental que eu tinha. Eu não
poderia seguir ele até lá fora... não se eu queria manter a farsa.
apareceu ao meu lado.
— O que está acontecendo aqui? Todo mundo está falando sobre uma briga. Eu
não posso acreditar que eu perdi isso. Você viu alguma coisa?
Eu a puxei para o lado.
— Eu preciso que você faça uma coisa para mim. Está vendo o cara perto da porta,
usando camisa de flanela, parecendo um jeca? Eu preciso que você descubra o
nome dele.
franziu a testa.
— Do que se trata isso?
— Eu irei explicar mais tarde. Flerte, roube a carteira dele, qualquer coisa. Apenas
não mencione o meu nome, ok?
— Se eu fizer isso, eu quero um favor em troca. Um encontro duplo. Você e o seu
namorado maluco, e eu e o Scott.
Sem tempo para explicar que eu e Patch tínhamos acabado, eu disse:
— Sim. Agora se apresse antes que nós o percamos na multidão.
estalou os dedos e se afastou. Eu não fiquei por perto para ver como ela se
saiu. Eu andei através da multidão, passando pela porta dos fundos e correndo
para o beco. Eu dei a volta no prédio, procurando em ambos os lados por Patch.
Patch! Eu gritei para as sombras.
Anjo? O que você está fazendo? Não é seguro se nós formos vistos juntos.
Eu me virei, mas Patch não estava lá. Onde você está?
No outro lado da rua. Na van.
Eu olhei para o outro lado da rua, e havia mesmo uma van Chevy marrom
enferrujada estacionada no meio-fio. Estava misturada ao pano de fundo dos
prédios dilapidados. As janelas foram escurecidas, protegendo o interior da cabine
de olhares curiosos.
Um dos Nephilim da cabana está no Devil’s Handbag!
Um momento pesado de silêncio.
Ele viu a briga? Patch me perguntou depois de um tempo.
Sim.
Como ele se parece?
Ele está usando uma camisa de flanela preta e vermelha e botas de caubói.
Faça com que ele saia do prédio. Se os outros da cabana estão com ele, faça com
que eles saiam também. Eu quero conversar com eles.
Vindo de Patch, isso soou ameaçador, mas eles mereciam. Eles perderam a minha
compaixão no momento em que eles me jogaram dentro da van deles.
Eu corri de volta para dentro do Devil’s Handbag e fui em direção multidão que
se aglomerava ao redor do palco. Serpentine ainda estava arrasando, tocando uma
música lenta que agitou todo mundo. Eu não sabia como eu conseguiria fazer o
Chapéu de Caubói deixar o local, mas eu conhecia uma pessoa que poderia me
ajudar a esvaziar todo o local.
Scott! Eu gritei. Mas foi inútil. Ele não conseguia me ouvir por causa da música
ensurdecedora. E provavelmente não ajudou o fato de que ele estava
profundamente concentrado.
Eu me levantei na ponta dos pés e procurei por . Ela estava vindo pra cá.
— Eu utilizei todo o meu charme, mas ele não estava interessado — ela me disse.
— Talvez eu precise de um novo corte de cabelo. — Ela cheirou suas axilas. — Até
onde eu posso dizer, o desodorante ainda está funcionando.
— Ele te deu um fora?
— Sim, e eu não consegui o nome dele também. Isso significa que o nosso
encontro duplo está cancelado?
— Eu já volto — eu disse, e fui em direção ao beco novamente. Eu tinha toda a
intenção de chegar perto o suficiente de Patch para falar em sua mente que forçar
o nosso amigo Nephil a sair do Devil’s Handbag iria ser mais difícil do que eu
esperava, quando duas figuras sombrias em pé na varanda traseira do prédio ao
lado, conversando em voz baixa, me fizeram parar abruptamente.
Pepper Friberg e... Dabria.
Dabria costumava ser um anjo da morte, e namorou Patch antes de ambos serem
banidos do paraíso. Patch tinha jurado que a relação entre eles era chata, casta e
mais uma conveniência do que qualquer outra coisa. Ainda assim. Depois de
decidir que eu era uma ameaça para os seus planos de reacender a relação deles
aqui na Terra, Dabria tentou me matar. Ela era legal, loira e sofisticada. Eu nunca
tinha visto ela com o cabelo feio, e o seu sorriso tinha a capacidade de preencher
as minhas veias com gelo. Agora um anjo caído, ela ganhava a vida enganando
vítimas com a falsa pretensão de ter o dom da clarividência. Ela era um dos anjos
caídos mais perigosos que eu conhecia, e eu não tinha dúvidas de que eu estava no
topo da lista das pessoas que ela odiava.
Instantaneamente eu recuei contra o Devil’s Handbag. Eu segurei a minha
respiração por cinco segundos, mas nem Pepper ou Dabria pareceram me notar. Eu
cheguei mais perto, mas eu não brinquei com a minha sorte. No momento em que
eu conseguisse chegar perto o suficiente para ouvir o que eles estavam dizendo,
um ou ambos iriam notar a minha presença.
Pepper e Dabria conversaram por alguns minutos a mais antes de Dabria girar
sobre seus calcanhares e se afastar pelo beco. Pepper fez um gesto obsceno pelas
costas dela. Apenas eu que achava, ou ele parecia especialmente descontente?
Eu esperei até Pepper ir embora também antes de sair das sombras. Fui
diretamente para dentro do Devil’s Handbag. Encontrei na nossa mesa e me
sentei ao lado dela.
— Eu preciso esvaziar esse lugar agora — eu disse.
piscou.
— O quê?
— E se eu gritar “fogo”? Ser que funciona?
— Gritar “fogo” parece um pouco antiquado. Você poderia tentar gritando
“polícia”, mas isso cai na mesma categoria. Não que eu tenha qualquer coisa contra
coisas antiquadas. Mas qual é a pressa? Eu não acho que o Serpentine esteja
tocando tão mal assim.
— Eu irei explicar…
— Mais tarde. — acenou. — Eu sabia que ia dizer isso. Se fosse eu, eu gritaria
“polícia”. Devem ter mais do que algumas poucas pessoas fazendo coisas ilegais
nesse lugar. Grite “polícia!” e você ver o movimento.
Eu mordi nervosamente o meu lábio, pensando.
— Você tem certeza? — Esse parecia um plano que tinha um grande potencial de
explodir na minha cara. Mas também, eu estava sem opções. Patch queria conversar
com o Chapéu de Caubói, e era isso o que eu queria também. Eu também queria
acabar com o interrogatório rapidamente, para que então eu pudesse contar para
Patch sobre Dabria e Pepper.
disse:
— Trinta e cinco por cento de certeza...
Sua voz sumiu enquanto um ar frio tomava o lugar. No começo eu não consegui
afirmar se a queda brusca de temperatura vinha da porta, que tinha sido aberta, ou
da minha própria resposta física para intuitivamente sentir problemas... da pior
espécie.
Anjos caídos encheram o Devil’s Handbag. Eu perdi a conta no n mero dez, sem
nenhum sinal de que havia um fim em seus números. Eles se moveram tão rápido
que eu vi apenas borrões de movimento. Eles vieram preparados para brigar,
balançando facas e com as articulações dos dedos portando aço, tirando qualquer
coisa que estivesse em seu caminho. Entre a briga, eu olhava impotente enquanto
dois garotos Nephil caíram de joelhos, inutilmente resistindo aos anjos caídos que
estavam em pé sobre eles, claramente exigindo seus juramentos de fidelidade.
Um anjo caído, magro e pálido como a lua, bateu seu braço no pescoço de uma
menina Nephil tão violentamente, que ele o quebrou no meio do seu grito.
Ele inspecionou o rosto da menina, que estranhamente parecia o meu próprio, à
distância. O mesmo cabelo longo e cacheado. Ela também tinha quase a minha
altura e forma.
Ele estudou o seu rosto e rosnou impacientemente. Seus olhos gélidos vasculharam
a multidão, e eu tive a sensação de que ele estava caçando a sua próxima vítima.
— Nós precisamos sair daqui — disse urgentemente, segurando a minha mão
com força. — Por aqui.
Antes que eu pudesse perguntar se , também, tinha visto que o anjo caído
quebrou o pescoço da menina, e se ela tinha visto, como ela estava possivelmente
permanecendo tão calma, ela me empurrou para frente entre a multidão.
— Não olhe para trás — ela berrou no meu ouvido. — E ande depressa.
Andar depressa. Certo. O problema era que nós estávamos competindo com pelo
menos umas cem pessoas para conseguir chegar até a porta. Em questão de
segundos, a multidão tinha enlouquecido, empurrando e lutando para chegar a
uma saída. A banda Serpentine tinha parado no meio da música. Não tinha tempo
para voltar para Scott. Eu só poderia esperar que ele conseguisse escapar pelas
portas do palco.
ficou atrás de mim, me empurrando tantas vezes por trás que eu imaginei se
ela estava tentando proteger o meu corpo. Mal ela sabia que eu tentaria protege
ela se os anjos caídos fossem atrás de nós. E apesar da minha única (porém
torturante) sessão de treinamento com Dante essa manhã, eu não achava que eu
teria alguma chance de sucesso.
A tentação de voltar e lutar cresceu de repente dentro de mim. Nephilim tinham
direitos. Eu tinha direitos. Nossos corpos não pertenciam aos anjos caídos. Eles não
tinham um motivo justo para nos possuir. Eu tinha, apressadamente, prometido aos
arcanjos que eu pararia a guerra, mas eu tinha um interesse pessoal no resultado.
Eu queria guerra, e queria liberdade, de modo que eu nunca, nunca teria que me
ajoelhar e prometer o meu corpo para outra pessoa.
Mas como eu poderia conseguir o que eu queria, e acalmar os arcanjos?
No fim, e eu mergulhamos no ar frio da noite. A multidão fugiu na escuridão
pelos dois lados da rua. Sem parar para recuperar o fôlego, nós corremos em
direção ao Neon.



CAPÍTULO 7

estacionou o neon na entrada da garagem da casa da fazenda e desligou
o som.
— Bem, aquilo foi loucura o bastante para uma noite — ela disse. — O que foi
aquilo? Greasers contra Socs?
Eu estava segurando minha respiração, mas eu exalei suavemente em alívio. Nada
de hiperventilar. Nada de gestos histéricos. Nada de mencionar pescoços
quebrados. Felizmente, não tinha visto o pior. — Olha quem fala. Você nunca
leu Outsiders – Vidas Sem Rumo.
— Eu vi o filme. Matt Dillon era gostoso antes de envelhecer.
O carro foi tomado por um silêncio espesso e expectante.
— Ok, chega de papo furado — disse. — A conversinha acabou. Desembucha.
— Quando eu hesitei, ela adicionou — Aquilo que aconteceu lá foi uma loucura,
mas algo estava errado bem antes daquilo. Você estava agindo de maneira
esquisita toda a noite. Eu vi você correndo para dentro e para fora do Devil’s
Handbag. E então, de repente, você quis esvaziar o lugar. Eu tenho que te dizer,
querida. Eu preciso de uma explicação.
Foi aí que as coisas ficaram complicadas. Eu queria dizer para toda a verdade,
mas também era vital para a segurança dela que ela acreditasse nas mentiras que
eu estava prestes a falar. Se o Chapéu de Caubói e seus amigos estavam falando
sério sobre investigar a minha vida pessoal, mais cedo ou mais tarde eles iriam
descobrir que era minha melhor amiga. Eu não podia suportar a ideia de eles
ameaçando ou interrogando ela, mas se fizessem, eu queria que cada resposta que
ela desse soasse convincente. Acima de tudo, eu queria que ela falasse para eles,
sem nenhuma hesitação, que todos os meus laços com Patch tinham sido cortados.
Eu pretendia resolver esse problema antes que saísse do controle.
— Enquanto eu estava no bar essa noite, Patch apareceu, e não foi nada bom — eu
comecei calmamente. — Ele estava... bêbado. Ele disse algumas coisas estúpidas,
eu me recusei a sair com ele, e ele ficou violento.
— Que merda — murmurou baixinho.
— O segurança expulsou Patch de lá.
— Uau. Eu estou sem palavras. O que você acha de tudo isso?
Eu flexionei minhas mãos, abrindo e fechando-as no meu colo.
— Patch e eu terminamos.
— Terminaram terminaram?
— Não dá pra terminar mais que isso.
se inclinou sobre o painel de controle e me deu um abraço. Ela abriu a boca,
viu minha expressão, e pensou melhor.
— Eu não vou falar, mas você sabe que eu estou pensando nisso.
Uma lágrima escorreu do meu olho. O alívio evidente de só fez a mentira
parecer pior dentro de mim. Eu era uma amiga horrível. Eu sabia disso, mas eu não
sabia como ajeitar isso. Eu me recusava a colocar em perigo.
— Qual a história do cara de camisa de flanela?
O que ela não sabe não pode machucá-la.
— Antes do Patch ser expulso, ele me avisou para ficar longe do cara de camisa de
flanela. Patch disse que o conhecia, e que ele era trazia problemas. Foi por isso que
eu pedi para você descobrir o nome dele. Eu vi que ele ficava me encarando, e isso
me deixou nervosa. Eu não queria que ele me seguisse até em casa, se isso era o
que ele planejava fazer, então eu decidi causar uma confusão gigantesca. Eu queria
que nós conseguíssemos sair do Devil’s Handbag sem facilitar para ele nos seguir.
exalou, longo e lentamente.
— Eu acredito que você terminou com Patch. Mas eu não acredito nem por um
minuto na outra história.
Eu me encolhi.
...
Ela colocou a mão para cima.
— Eu entendo. Você tem os seus segredos, e um dia você vai me dizer o que está
acontecendo. E eu vou te dizer também. — Ela arqueou suas sobrancelhas
intencionalmente. — É isso mesmo. Você não é a única que tem segredos. Eu vou
falar quando chegar o momento certo, e eu acho que você também.
Eu a encarei. Não era assim que eu esperava que nossa conversa acabaria.
— Você tem segredos? Que segredos?
— Segredos picantes.
— Me diga!
— Olhe só para isso — disse, batendo no relógio do painel. — Eu acredito que
é o seu toque de recolher.
Eu sentei de boca aberta.
— Eu não posso acreditar que você está escondendo segredos de mim.
— Eu não posso acreditar que você está sendo tão hipócrita.
— Essa conversa não acabou — eu disse, abrindo a porta relutantemente.
— Não é fácil do outro lado, né?
Eu disse boa noite para minha mãe, então fui para o quarto, me tranquei e liguei
para o Patch. Quando e eu fugimos do Devil’s Handbag, a van Chevy marrom
já não estava mais estacionada no meio-fio. O meu palpite era que Patch tinha ido
embora antes da invasão surpresa dos anjos caídos, já que ele teria invadido o



clube se ele soubesse que eu estava em perigo, mas eu estava mais curiosa para
saber se ele tinha pegado o Chapéu de Caubói. Pelo que eu sabia, eles estavam
tendo uma conversa agora mesmo. Eu me perguntei se Patch estava fazendo
perguntas ou ameaças. Provavelmente ambos.
O correio de voz de Patch atendeu, e eu desliguei. Deixar uma mensagem parecia
muito arriscado. Além disso, ele veria a chamada perdida e saberia que era minha.
Eu esperava que ele ainda planejasse vir essa noite. Eu sabia que a nossa briga
desordenada tinha sido encenada, mas eu queria a garantia de que nada tinha
mudado. Eu estava agitada, e precisava saber que nós ainda estávamos no mesmo
patamar, emocionalmente, que estávamos antes da briga.
Eu liguei para Patch uma vez mais, para me certificar, então fui para cama me
sentindo inquieta.
Amanhã era terça-feira. Cheshvan começava com a ascensão da lua nova.
Com base na terrível noite de vale-tudo hoje, eu tinha a sensação de que os anjos
caídos estavam contando as horas para poderem desencadear toda sua ira.
Eu acordei com o som do assoalho rangendo. Minha visão se ajustou à escuridão, e
eu me encontrei encarando um par de pernas bastante grandes e musculosas
vestidas com calças brancas de corrida.
— Dante? — eu disse, estendendo um braço em direção ao criado-mudo,
procurando o relógio. — Uuhn. Que horas são? Que dia é hoje?
— É manhã de terça-feira — ele disse. — Você sabe o que isso significa. — Uma
bola de roupas de ginástica caiu no meu rosto. — Me encontre na entrada da
garagem da sua casa.
— Sério?
No escuro, os dentes dele brilharam com um sorriso.
— Não posso acreditar que você caiu nessa. É melhor que o seu bumbum esteja lá
fora em menos de cinco minutos.
Cinco minutos depois eu me arrastei para fora, tremendo por causa do frio de
meados de outubro. Um vento leve fez as folhas das árvores caírem e os seus
ramos rangerem. Eu estiquei as minhas pernas e pulei para cima e para baixo para
fazer o sangue fluir.
— Continue — Dante instruiu, e ele saiu correndo para a floresta.
Eu ainda não estava animada em perambular pela floresta sozinha com Dante, mas
eu cheguei à conclusão de que, se ele iria me machucar, ele tinha tido muitas
oportunidades ontem. Então eu corri atrás dele, olhando para a faixa branca aqui e
ali que me alertava sobre a presença dele. Sua visão deve ter me envergonhado,
porque enquanto eu tropeçava aqui e ali em toras, pisei em buracos naturais, e bati
minha cabeça em galhos baixos, ele percorria o terreno com uma precisão perfeita.
Toda vez que eu ouvia sua risada zombando, se divertindo, eu ficava rapidamente
de pé, determinada a empurrá-lo de uma encosta íngreme na primeira chance que
eu tivesse. Havia muitos barrancos ao redor; eu só precisava chegar perto o
suficiente dele para realizar o trabalho.
Finalmente, Dante parou, e quando eu o alcancei, ele estava estendido sobre uma
grande pedra com as mãos entrelaçadas frouxamente atrás de seu pescoço. Ele
tirou sua calça de corrida e seu casaco, ficando com um short até o joelho e uma
camiseta apertada. À exceção de um ligeiro aumento e queda de seu peito, eu
nunca poderia ter imaginado que ele tinha corrido cerca de dezesseis quilômetros
colina acima.
Eu me arrastei para a pedra e cai perto dele.
— Água — eu disse, ofegante.
Dante se levantou sobre um cotovelo e sorriu para mim.
— Não vai acontecer. Eu irei te espremer a seco. Água produz lágrimas, e lágrimas
são uma coisa que eu não suporto. E uma vez que você veja o que eu planejei, você
vai querer chorar. Para minha sorte, você não ser capaz.
Ele me pegou por debaixo das axilas e me fez ficar em pé. O amanhecer estava
apenas começando a iluminar o horizonte, colorindo o céu de um rosa gélido. Lado
a lado na pedra, nós conseguíamos ver quilômetros adiante. As árvores sempre-
verdes, abetos e cedros, espalhados como um tapete imponente em todas as
direções, rolando sobre as colinas e na bacia de uma profunda ravina que
atravessava a paisagem.
— Escolha uma — Dante instruiu.
— Escolher uma o quê?
— Uma árvore. Depois de você arrancar uma, você pode ir para casa.
Eu olhei para as árvores, com pelo menos cem anos de idade, e tão espessas
quanto três cabines telefônicas, e eu senti meu queixo cair ligeiramente.
— Dante...
— Treinamento Básico de Força. — Ele me deu um tapa de incentivo nas costas,
então se acomodou relaxadamente na pedra. — Isso vai ser melhor do que assistir
ao Today Show.
— Eu te odeio.
Ele riu.
— Ainda não, você não me odeia. Mas daqui uma hora...
E uma hora depois eu tinha utilizado cada grama de energia (e talvez a minha alma
também) para arrancar um cedro branco muito teimoso e inflexível. Além de fazê-
lo se inclinar ligeiramente, era um espécime perfeito de uma árvore batalhadora. Eu
já havia tentado puxá-la, cavá-la, chutá-la para se submeter a mim, e, inutilmente,
bater meus punhos contra ela. Dizer que a árvore tinha ganhado era um
eufemismo. E todo o tempo Dante tinha ficado sentado na pedra, bufando, rindo e
gritando observações reclamonas. Que bom que um de nós achou isso divertido.
Ele andou até mim, um leve, mas muito desagradável sorriso puxando sua boca. Ele
coçou o cotovelo.
— Bem, Comandante do Grande e Poderoso Exército Nephilim, alguma sorte?
O suor escorria como um riacho pelo meu rosto, pingando do meu nariz e queixo.
Minhas mãos estavam arranhadas, meus joelhos estavam ralados, meu tornozelo
estava torcido, e cada músculo do meu corpo gritava em agonia. Eu agarrei a frente
da camisa de Dante e usei para limpar meu rosto. E então eu assuei meu nariz nela.
Dante deu um passo para trás, com as palmas levantadas.
— Epa.
Eu apontei meu braço na direção da minha árvore escolhida.
— Eu não consigo fazer isso — admiti com um soluço. — Eu não sirvo para isso. Eu
nunca vou ser tão forte quanto você, ou qualquer outro Nephil. — Eu senti meu
lábio tremer com decepção e vergonha.
Sua expressão suavizou.
— Respire fundo, . Eu sabia que você não seria capaz de fazer isso. Esse era o
objetivo. Eu queria te dar um desafio impossível para que depois, quando você
finalmente puder fazer isso, você olhar para trás e ver o quão longe você chegou.
Eu o encarei, sentindo meu temperamento ferver.
— O quê? — ele perguntou.
— O quê? O quê? Você está louco? Eu tenho escola hoje. Eu tenho que estudar
para uma prova! E eu pensei que estava desistindo de estudar por algo que valesse
a pena, mas agora eu descubro que tudo isso foi apenas para provar seu ponto?
Bem, aqui estou eu mostrando um ponto! Eu estou jogando a toalha. Pra mim
chega! Eu não pedi por isso. Treinar foi ideia sua. Você tem tomado todas as
decisões, mas agora é minha vez. EU DESISTO! — eu sabia que estava desidratada e
provavelmente não estava pensando racionalmente, mas eu tinha tido o suficiente.
Sim, eu queria aumentar a minha resistência e força e aprender a me defender. Mas
isso era ridículo. Arrancar uma árvore? Eu tinha dado o meu melhor, e ele só se
sentou e riu, sabendo muito bem que eu nunca seria capaz de fazer isso.
— Você parece realmente chateada — ele disse, franzindo a testa e acariciando seu
queixo de forma perplexa.
— Você acha?
— Considere isso uma lição objetiva. Um tipo de avaliação.
— É? Avalie isso. — E eu lhe mostrei um dedo do meio duro.
— Você está exagerando. Consegue ver isso, certo?
Claro, daqui duas horas talvez eu percebesse isso. Depois que eu tomasse um
banho, me reidratasse, e desabasse na minha cama. O que, por mais que eu
quisesse, não iria acontecer, porque eu tinha escola.
Dante disse:
— Você é a comandante desse exército. Você também é uma Nephilim presa em
um corpo humano. Você tem que treinar mais que o resto de nós, porque está
começando com uma séria desvantagem. Eu não te faria nenhum favor ao tornar
isso mais fácil.
Com suor escorrendo pelos meus olhos, eu o olhei feio.
— Já te ocorreu que talvez eu não queira essa posição? Talvez eu não queira ser
comandante?
Ele deu de ombros.
— Não importa. Está feito. Não adianta fantasiar com outros cenários.
Meu tom soou desapontado.
— Por que você não organiza um golpe e rouba a minha posição? — Eu murmurei,
meio que brincando, meio que falando sério. Pelo que eu sabia, Dante não tinha
nenhuma razão para me manter no poder e viva. — Você seria um milhão de vezes
melhor nisso. Você realmente se importa.
Ele acariciou o queixo novamente.
— Bem, agora que você colocou a ideia na minha cabeça...
— Não é engraçado, Dante.
Seu sorriso desapareceu.
— Não, não é. Se vale alguma coisa, eu jurei para Hank que eu ajudaria você a ter
sucesso. Meu pescoço está correndo tanto risco quanto o seu. Eu não estou aqui
todas as manhãs para ganhar alguns pontos extras de carma. Eu estou aqui porque
eu preciso que você ganhe. Minha vida depende de você.
As palavras dele fizeram efeito em mim.
— Você está dizendo que se eu não for para a guerra, e ganhar, você irá morrer? É
esse o juramento que você fez?
Ele exalou, longo e lentamente, antes de responder.
— Sim.
Fechei meus olhos, massageando minhas têmporas.
— Eu realmente queria que você não tivesse me contado.
— Estressada?
Recostando-me contra a pedra, eu deixei a brisa soprar contra a minha pele.
Respirações profundas. Não só eu poderia, potencialmente, matar minha mãe e a
mim mesma se eu fracassasse ao liderar o exército de Hank, mas agora eu mataria
Dante também, se eu não liderasse o exército à vitória. Mas e a paz? E a minha
negociação com os arcanjos?
Maldito Hank. Isso era culpa dele. Se ele tivesse ido para qualquer outro lugar que
não diretamente pro inferno depois da sua morte, não havia justiça no mundo, ou
fora dele.
— Lisa Martin e os Nephilim do alto escalão querem te encontrar de novo — disse
Dante. — Fiquei enrolando, porque sei que você não está convencida de que deve
haver uma guerra, e agora estou preocupado de que vão reagir. Precisamos deles
para te manter no poder. Para fazer isso, precisamos que eles achem que os seus
desejos estão alinhados com os deles.
— Ainda não quero me encontrar com eles — disse automaticamente. — Continue
enrolando. — Eu precisava de tempo para pensar. Tempo para decidir em um curso
de ação. Quem apresentava maior ameaça: arcanjos descontentes ou Nephilim
rebeldes?
— Você quer que eu diga a eles que, por ora, você quer que tudo passe por mim?
— Sim — disse, grata. — Faça o que for preciso para me dar um pouco mais de
tempo.
— À propósito, ouvi falar sobre o seu falso término ontem à noite. Você deve ter
dado um show e tanto. Os Nephilim acreditaram.
— Mas você não.
— Patch me avisou. — Ele piscou. — Eu não teria acreditado mesmo. Eu já vi vocês
dois juntos. O que vocês têm não morre de uma hora para outra. Aqui — disse
Dante, dando-me uma garrafa gelada de Gatorade azul. — Beba. Você perdeu
muito fluido.
Girando a tampa, eu balancei a cabeça, agradecendo, e bebi bastante. O líquido
verteu pela minha garganta, instantaneamente ficando espesso e entupindo o meu
esôfago. Um calor arranhou a minha garganta, transpassou por ela, e pululou pelo
resto do meu corpo. Eu me inclinei para frente, tossindo e ofegando.
— Que negócio é esse? — eu engasguei.
— Hidratação pós-treino — disse ele, mas ele não me olhava nos olhos.
Eu continuei a me afogar, meus pulmões lutando e sofrendo espasmos.
— Eu achei... eu achei que fosse Gatorade... é isso que... a garrafa diz!
Qualquer tipo de emoção sumiu de seu rosto.
— É para o seu próprio bem — disse ele vagarosamente. E então ele fugiu em um
borrão de velocidade.
Eu ainda estava dobrada ao meio, sentindo como se o meu interior estivesse
lentamente liquefazendo.
Partículas elétricas azuis pipocavam sobre os meus olhos. O mundo balançou para
a esquerda.. e então para a direita.
Apertando a minha garganta, eu andei, com dificuldade, para frente, temendo que,
se eu desmaiasse aqui, eu nunca seria encontrada.




CAPÍTULO 8

Com um passo cambaleante atrás do outro, eu consegui sair da floresta.
Quando cheguei na casa da fazenda, a maior parte da sensação de fogo–nos-
meus-ossos tinha se dissipado. Minha respiração tinha voltado ao normal, mas o
meu medo ainda estava ocupando um papel principal. O que Dante tinha me
dado? E por quê?
Eu tinha uma chave no colar em volta do meu pescoço, e eu entrei por conta
própria. Tirando meus sapatos, eu rastejei até o andar de cima e passei
silenciosamente pelo quarto da minha mãe. O relógio no meu criado-mudo
marcava dez para as sete. Antes de Dante entrar na minha vida, esta seria uma hora
normal, talvez um pouco cedo, de acordar. Na maioria dos dias eu acordava me
sentindo revigorada, mas esta manhã eu me sentia exausta e preocupada.
Agarrando roupas limpas, eu me dirigi até o banheiro para tomar banho e me
preparar para a escola.
Dez minutos antes das oito eu levei o Volkswagen para o estacionamento dos
estudantes e marchei até a escola, um edifício cinza imponente similar a uma Igreja
Protestante antiga. Do lado de dentro, eu enfiei meus pertences no meu armário,
peguei meus livros do primeiro e segundo períodos, e fui para aula. Meu estômago
se apertou de fome, mas eu estava agitada demais para comer. A bebida azul ainda
nadava desconfortavelmente no meu estômago.
A primeira do dia era História Americana Avançada. Eu tomei meu lugar e procurei
em meu novo celular mensagens. Ainda nada do Patch. Sem problema, eu disse a
mim mesma. Algo provavelmente aconteceu. Mas eu não conseguia ignorar a
sensação de que algo não estava certo. Patch tinha me dito que passaria na minha
casa na noite passada, e não era costumeiro que ele quebrasse uma promessa.
Especialmente já que sabia que eu tinha ficado bastante chateada por causa do
rompimento.
Eu estava prestes a guardar o meu celular quando ele vibrou com uma mensagem.
ENCONTRE-ME PERTO DO RIO WENTWORTH EM 30 MINUTOS, lia-se na mensagem
de Patch.
VOCÊ ESTÁ BEM? eu imediatamente escrevi de volta. SIM. ESTAREI NAS DOCAS.
CERTIFIQUE-SE DE QUE NÃO TE SIGAM.
Não era o melhor dos momentos, mas eu não iria simplesmente não encontrar com
Patch. Ele disse que estava bem, mas eu não estava convencida. Se ele estivesse
bem, por que estava me pedindo para sair da escola, e por que íamos nos
encontrar lá nas docas?
Eu me aproximei da mesa da Sra. Warnock.
— Com licença, Sra. Warnock? Não estou me sentindo bem. Posso ir me deitar na
enfermaria?
A Sra. Warnock retirou os óculos e me examinou.
— Está tudo certo , ?
— É aquela época do mês — sussurrei. Será que eu conseguia ser menos criativa?
Ela suspirou.
— Se eu ganhasse um centavo cada vez que uma aluna dissesse isso...
— Eu não pediria se a minha cólica não estivesse absolutamente me matando. —
Eu até considerei esfregar meu estômago, mas decidi que poderia ser demais.
Por fim, ela disse:
— Peça a enfermeira paracetamol. Mas assim que estiver se sentindo melhor, quero
você de volta à sala. Estamos começando a unidade sobre o Republicanismo
Jeffersoniano hoje. Se não tiver alguém de confiança de quem pegar anotações
emprestado, vai passar as próximas duas semanas tentando alcançar a matéria.
Balancei a cabeça vigorosamente.
— Obrigada. Eu realmente agradeço.
Escapei porta afora, desci correndo por alguns lances de escadas, e, depois de olhar
para os dois lados do corredor para me certificar de que o vice-diretor não estava
fazendo suas rondas, fugi por uma porta lateral.
Me joguei dentro do Volkswagen e parti. É claro, essa era a parte fácil. Voltar para a
aula sem um papel de permissão assinado pela enfermeira ia exigir no mínimo
magia. Sem problema, pensei. Na pior das hipóteses, eu seria pega cabulando aula
e passaria a próxima semana tendo detenção no começo das manhãs.
Se eu precisava de uma desculpa para ficar longe do Dante, quem eu já não mais
confiava, essa era uma tão boa quanto qualquer outra.
O sol estava a toda, o céu era de um azul nebuloso outonal, mas o ar puro cortava
o meu colete acolchoado como o mau presságio implacável do inverno que
chegava. O estacionamento das docas no alto do rio estava vazio. Ninguém
pescando por lazer hoje. Depois de estacionar, eu me agachei na vegetação na
beirada do estacionamento por alguns minutos, esperando para ver se alguém
tinha me seguido. Então peguei o caminho pavimentado que levava às docas.
Percebi rapidamente porque Patch tinha escolhido o local: fora alguns pássaros
gorjeando, estávamos completamente sozinhos.
Três rampas para barcos se espalhavam pelo amplo rio, mas não havia barcos.
Caminhei até a beirada da primeira rampa, protegi meus olhos da claridade do sol,
e olhei ao redor. Nada do Patch.



Meu celular chamou.
ESTOU NO BOSQUE CERRADO DE ÁRVORES NO FINAL DO PASSADIÇO, Patch tinha
digitado.
Segui pelo passadiço, passando pelas docas e chegando a mata cerrada, e foi aí
que Pepper Friberg surgiu por trás de uma árvore. Ele estava com o celular do
Patch em uma mão e uma arma na outra. Meus olhos se fixaram na arma, e eu dei
um passo involuntário para trás.
— Não vai te matar, mas um tiro pode ser excruciante de tão doloroso — disse ele.
A calça de poliéster dele tinha um cós alto, até a cintura, e a camisa dele pendia de
um ângulo mal ajustado; ele não havia alinhado os botões apropriadamente. No
entanto, apesar da sua aparência idiotizada e espalhafatosa, senti seu poder
ondular até mim como os raios mais quentes de sol. Ele era muito mais perigoso
do que aparentava.
— Devo acreditar nisso porque você sabe? — eu retruquei.
Seus olhos correram de um lado ao outro do caminho. Ele enxugou a testa com um
lenço branco, mais uma prova de sua ansiedade. Suas unhas haviam sido roídas até
ficarem um toco.
— Se você sabe o que eu sou, e aposto que Patch te disse, então sabe que não
posso sentir dor.
— Eu sei que você é um arcanjo, e sei que não está fazendo um jogo limpo. Patch
me disse que você está vivendo uma vida dupla, Pepper. Um poderoso arcanjo se
passando de humano? Com os seus poderes, você poderia realmente influenciar o
sistema. Está atrás de dinheiro? Poder? Diversão?
— Eu já te disse do que estou atrás: Patch — disse ele, um brilho novo de suor
ultrapassando sua testa. Ele não parecia conseguir enxugar rápido o bastante. —
Por que ele não me encontra?
Hm, porque você quer acorrentá-lo ao inferno. Eu inclinei meu queixo para o
celular na mão de Pepper.
— Belo truque, me atraindo até aqui com o celular dele. Como conseguiu?
— Eu peguei dele ontem noite no Devil’s Handbag. Encontrei ele se escondendo
em uma van marrom estacionada na rua da frente da entrada. Fugiu antes que eu
pusesse as mãos nele, mas na pressa, ele esqueceu de pegar seus pertences,
inclusive o celular com todos os contatos. Estive discando e mandando mensagens
para vários números a manhã toda, tentando te encontrar.
Secretamente, eu suspirei, aliviada. Patch tinha escapado.
— Se me trouxe até aqui para me interrogar, está sem sorte. Não sei onde o Patch
está. Não falo com ele desde ontem. De fato, parece que você foi o último a vê-lo.
— Interrogar? — As pontas de suas orelhas de Dumbo brilharam rosa — Céu, isso
parece nefasto. O que, eu pareço um criminoso comum?
— Se não quer me questionar, por me atrair até aqui? — Até agora nós tínhamos
mantido uma conversa leve, mas eu estava ficando cada vez mais nervosa. Eu não
confiava nas graças mal feitas e ineptas do Pepper. Tinha que ser um truque.
— Vê aquele barco ali?



Eu segui o olhar de Pepper até a margem do rio. Um barco a motor branco
resplandecente sacudia-se na superfície da água. Elegante, caro, e provavelmente
muito rápido.
— Barco legal. Vai viajar? — perguntei, tentando não soar preocupada.
— Sim. E você vem comigo.




CAPÍTULO 9

— Te dei chance de fazer da maneira mais fácil, mas a minha paciência está acabando —
disse Pepper. Ele colocou a arma na cintura da calça, liberando as suas mãos para secar
sua testa brilhante — Se não consigo chegar até Patch, o farei vir até mim.
Eu comecei a ver onde isto ia dar.
— Isto é um sequestro? Você definitivamente não é um criminoso comum, Pepper.
Delinquente, sociopata e um malvado nefasto são termos mais próximos da sua
classificação.
Ele afrouxou o colarinho e fez uma careta.
— Preciso que Patch faça algo por mim. Um pequeno... favor. Isto é tudo. Inofensivo, de
verdade.
Tive sensação de que o “favor” incluí seguir o Pepper té o inferno, um pouco antes que
ele pulasse para longe e fechasse os portões para Patch. Era uma maneira de cuidar de um
chantagista.
— Sou um dos bonzinhos — disse Pepper. — Um arcanjo. Ele pode confiar em mim. Você
deveria ter dito para ele confiar em mim.
— A maneira mais rápida de quebrar a confiança dele seria me sequestrando. Pense nisto,
Pepper. Me levar não fará que Patch coopere contigo.
Ele puxou seu colarinho com mais força. Seu rosto estava tão vermelho que chegava ao
ponto de parecer um porco suado rosa.
— Aqui tem muito mais coisas em jogo do que se pode ver. Está me deixando sem opções,
será que não se dá conta disto?
— É um arcanjo, Pepper. No entanto está aqui, passeando pela Terra, carregando uma
arma e me ameaçando. Não acredito que é inofensivo, assim como não acredito que não
tenha nenhuma má intenção contra Patch. Os arcanjos não vagam pela Terra por longos
períodos de tempo, e não fazem reféns. Sabe o que eu penso? Você está ficando mau.
— Estou aqui em uma missão. Não sou mau, porém tenho que tomar algumas...
liberdades.
— Caramba, estou quase tentada a acreditar em você.
— Tenho um trabalho para o seu namorado que só ele pode fazer. Não quero te
sequestrar, porém você está me forçando a fazer isto. Preciso da ajuda de Patch e preciso
agora. Ande até o bote, devagar e com cuidado. Se fizer qualquer movimento brusco, vou
atirar.
Pepper fez um gesto de invocação e o bote deslizou obedientemente pela água, se
movendo até a rampa de embarcação mais próxima. Patch não havia me contado que arcanjos podiam dar ordens a objetos. Não gostei da surpresa e me perguntei o quanto
isto iria atrapalhar a minha tentativa de fuga.
— Não ficou sabendo? Ele não é mais o meu namorado — eu disse a Pepper — Estou
saindo com Dante Matterazzi. Tenho certeza que já ouviu falar dele. Todo mundo o
conhece. Patch está 100% no meu passado.
— Suponho que vamos descobrir, não é mesmo? Se tiver que voltar a pedir para andar,
vou atirar nos seus pés.
Levantei meus braços no nível dos meus ombros e caminhei até a rampa para botes. Um
pouco tarde demais, desejei ter usado a minha jaqueta jeans com o dispositivo de
rastreamento. Se Patch pudesse saber onde eu estava, viria me buscar. Talvez ele tivesse
colocado um dispositivo no meu colete acolchoado também, mas não podia contar com
isto. E já que não sabia onde Patch estava, também não poderia contar com ele.
— Suba no bote — me ordenou Pepper — Pegue a corda no banco e prenda as suas mãos
nas grades.
— Você está levando isso mesmo a sério — disse, tentando distraí—lo. Olhei para as
árvores que cercavam o rio. Se eu pudesse chegar até elas, poderia me esconder. As balas
de Pepper teriam mais êxito atingindo as árvores do que a mim.
— A cinquenta quilômetros daqui tenho um bonito e espaçoso depósito com seu nome
nele. Uma vez que chegarmos lá, farei uma ligação para o seu namorado. — Ele fechou o
punho, estendendo o polegar e o dedo mínimo e levou o seu telefone de mão até o ouvido
— Assim veremos se não podemos chegar a um acordo. Se ele fizer um juramento de se
encarregar de um assunto pessoal para mim, você talvez possa voltar a vê-lo, e também a
sua família e seus amigos.
— Como vamos chamá-lo? Você tem o telefone dele.
Pepper franziu o rosto. Não havia pensado nisto. Talvez eu pudesse usar a sua confusão ao
meu favor.
— Então teremos que esperar que ele nos ligue. Para o seu próprio bem, espero que ele
não perca tempo.
De má vontade, subi no bote. Peguei a corda e comecei a enrolá-la em um nó. Não podia
acreditar que Pepper fosse tão estúpido. Realmente acreditava que uma simples corda
comum poderia me segurar?
Pepper respondeu a minha pergunta.
— No caso de estar pensando em escapar, deveria saber que esta corda está enfeitiçada.
Parece inofensiva, mas é mais forte que cantoneira. Ah, e uma vez que suas mãos estejam
presas, vou enfeitiçar de novo. Se ao menos tentar puxar a corda para fugir, uma descarga
de duzentos volts de eletricidade atingirá o seu corpo.
Tratei de manter a compostura.
— Um truque especial dos arcanjos?
— Só digamos que sou mais forte do que pensa.
Pepper passou uma perna curta sobre o bote, equilibrando o pé sobre o assento do
condutor. Antes que pudesse passar a outra perna, golpeei o meu corpo contra a lateral
do bote, balançando o duramente para longe da rampa. Pepper ficou com um pé dentro e
outro fora, enquanto o espaço de ar entre suas pernas se tornava cada vez maior.



Ele reagiu na hora. Se lançou para o ar, flutuando vários centímetros sobre o bote.
Voando. Durante a fração de segundo em que tomei a decisão de desequilibrá-lo, me
esqueci que ele tinha asas. E não só isto, mas agora ele estava furioso.
Me lancei na água, nadando arduamente até o meio do rio, ouvindo os tiros que eram
disparados na água, de cima de mim.
Um som de mergulho e soube que Pepper havia se jogado atrás de mim. Em questões de
segundos ele me alcançaria e cumpriria a promessa de atirar no meu pé... e
provavelmente algo muito pior. Eu não era tão forte quanto um arcanjo, mas agora eu era
uma Nephilim, e havia treinado com Dante... duas vezes. Decidi fazer algo incrivelmente
estúpido ou incrivelmente corajoso.
Plantando os pés firmemente no leito arenoso do rio, me empurrei para cima com todas
as minhas forças, saltando diretamente para fora da água. Para a minha surpresa, errei o
alvo, me elevando sobre as copas das árvores que se amontoavam nas margens. Pude ver
quilômetros e quilômetros de distância, além das fábricas e dos campos, até a estrada
onde se podiam ver pequenos carros e tratores de reboque. Mais além disto, eu vi a
própria Coldwater, um agrupamento de casas, lojas e parques de gramados verdes.
Com a mesma rapidez, perdi velocidade. Meu estômago se contraiu e ar passou pelo meu
corpo quando inverti minha direção. O rio se precipitou até mim. Tive o impulso de girar
freneticamente os meus braços, mas foi como se o meu corpo não tolerasse isto, se
recusasse a ser qualquer coisa que não elegante e eficaz, me dobrando em um míssil
apertado. Meus pés bateram na rampa para os botes, atravessando as toras de madeira,
me submergindo novamente na água.
Mais balas passaram zunindo pelos meus ouvidos. Saí tateando pelos escombros, me
impulsionei até a borda do rio e corri em disparada até as árvores. Duas manhãs correndo
na escuridão me deram um pouco de preparação, mas não explicavam porque eu estava
correndo em uma velocidade que rivalizava com a de Dante. As árvores passavam como
vertiginosos borrões, mas os meus pés saltavam com facilidade, quase como se pudessem
antecipar os passos necessários meio segundo antes que a minha mente.
Corri a toda velocidade pelo caminho, me lancei dentro do Volkswagen e saí do
estacionamento. Para a minha surpresa, nem sequer estava sem fôlego.
Era a adrenalina? Talvez. Mas eu não acreditava nisto.
Dirigi até a Farmácia e Drogaria Allen e deslizei o Volkswagen em uma vaga de
estacionamento situada entre dois caminhões que me ocultavam da rua. Logo me recostei
no assento, tentando ficar invisível. Estava bastante segura de que havia despistado
Pepper no rio, mas não se perdia nada sendo cautelosa. Precisava de tempo para pensar.
Não podia ir para casa. O que eu realmente precisava era encontrar Patch, mas não sabia
por onde começar.
Meu celular tocou, me tirando dos meus devaneios.
— E aí, — disse Scott. — e eu estamos à caminho da Taco Hut para almoçar, mas
a grande pergunta de hoje é: onde você está? Agora que você: (a) pode dirigir e (b) tem
rodas (cofcof, graças à mim) não precisa comer mais no refeitório da escola. Se liga.
Ignorei o seu tom de chacota.



— Preciso do número de Dante. Me mande por mensagem e mande rápido — disse ao
Scott. Eu tinha o número de Dante no meu antigo telefone, mas não neste.
— Hum, por favor?
— O que é isto? Terça-feira do dois pesos, duas medidas?
— Para que precisa do número dele? Pensei que Dante fosse seu namo...
Desliguei o telefone e tratei de pensar nas coisas. O que eu sabia com certeza? Que um
arcanjo com uma vida dupla queria me sequestrar e me usar como um incentivo para
obrigar Patch a lhe fazer um favor. Ou para deixar de chantageá-lo. Ou ambas as coisas.
Também sabia que Patch não era o chantagista.
Que informação me faltava? Sobretudo a do paradeiro de Patch. Estava a salvo? Me
contataria? Precisava da minha ajuda?
Onde está você, Patch? Eu gritei para o universo.
Meu celular tocou.
AQUI ESTÁ O NÚMERO DE DANTE. ALÉM DISTO, OUVI POR AÍ QUE CHOCOLATE FAZ BEM
PARA A TPM, Scott mandou por mensagem.
— Engraçadinho — disse em voz alta, digitando o número de Dante. Ele atendeu no
terceiro toque.
— Temos que nos encontrar — disse, com os nervos à flor da pele.
— Escuta, se é sobre hoje de manhã...
— É claro que é sobre hoje de manhã! O que você me deu? Bebi um líquido desconhecido
e de repente posso correr tão rápido quanto você e saltar quinze metros no ar e tenho
certeza de que a minha visão é melhor do que 20/20.
— Vai sumir. Para manter esta velocidade, você precisa beber a parada azul todos os dias.
— A parada azul tem nome?
— Não por telefone.
— Está bem. Nós nos encontraremos pessoalmente.
— Me encontre na Rollerland em meia hora.
Pisquei.
— Quer que eu te encontre em um ringue de patinação?
— É meio-dia de um dia da semana. Não há ninguém lá além de mães e crianças
pequenas. É mais fácil para detetar os espiões em potencial.
Não estava segura de quem Dante pensava que estaria nos espionando, mas tinha uma
incômoda sensação borbulhando em meu estômago de que, fosse o que fosse a parada
azul, Dante não era o único que a queria. Meu melhor palpite era de que se tratava de
uma droga de algum tipo. Eu havia testado em primeira mão suas propriedades de
aprimoramento. Os poderes que ela me forneceu eram surreais. Era como se eu não
tivesse limites e a extensão da minha própria destreza física fosse... ilimitada. A sensação
era estimulante e antinatural. Este último era o que me deixava preocupada.
Quando Hank estava vivo, ele havia experimentado com artes do mal, convocando os
poderes do inferno ao seu favor. Os objetos que ele havia enfeitiçado sempre emitiam um
tom azul fantasmagórico. Até agora, eu havia acreditado que os conhecimentos sobre as
artes do mal haviam morrido com Hank, mas começava a ter as minhas dúvidas. Queria ter a esperança de que a misteriosa bebida azul de Dante fosse uma coincidência, mas o meu
instinto dizia o contrário.
Sai do carro e caminhei as poucas quadras que me levavam até Rollerland, olhando por
sobre o ombro em busca de sinais de que estava sendo seguida. Nada de homem
estranhos com capas pretas e óculos de sol. Tão pouco nada de pessoas demasiadamente
altas, um claro indicativo de Nephilim.
Atravessei as portas de Rollerland, aluguei um par de patins tamanho 36 com rodas e me
sentei em um banco do lado de fora da pista. As luzes estavam baixas e uma bola de discoteca dispersava sombras de uma brilhante e saturada luz pelo solo de madeira polida.
Pelos alto-falantes se escutava uma canção antiga da Britney Spears. Como Dante havia
previsto, só crianças pequenas e suas mães estavam patinando a esta hora.
Uma mudança no ar, alterando a tensão, me alertou da presença de Dante. Ele se sentou
no banco ao meu lado, vestido com um jeans escuro feito sob medida e camisa polo azul
marinho. Ele não havia retirado os seus óculos de sol, fazendo impossível olhar em seus
olhos. Me perguntei se ele havia se arrependido de ter me dado a bebida e se estava
experimentando algum nível de conflito moral. Eu esperava que sim.
— Vai patinar? — perguntou, fazendo um gesto com a cabeça para os meus pés.
Me dei conta de que ele estava sem patins.
— O cartaz dizia que precisamos vestir os patins para passar da entrada.
— Poderia ter enganado mentalmente o encarregado.
Meu humor piorou.
— Esta realmente não é a minha forma de agir.
Dante encolheu os ombros.
— Então está perdendo um monte das vantagens em ser Nephilim.
— Me conte sobre a bebida azul.
— É uma bebida de aprimoramento.
— Até aí eu entendi. Com o que ela foi aprimorada?
Dante inclinou a cabeça na direção da minha e falou num sussurro.
— Artes do mal. Não é tão ruim quanto parece.
Minhas costas se endureceram, e os pelos da minha nuca latejaram. Não, não, não. As
artes do mal deveriam ter sido erradicadas da Terra. Tinham desaparecido com Hank.
— Eu sei o que são. E achei que tinham sido destruídas.
As sobrancelhas escuras de Dante ficaram franzidas.
— Como sabe sobre as artes do mal?
— Hank as usava. Assim como o seu cúmplice, Chauncey Langeais. Mas quando Hank
morreu... — me contive. Dante não sabia que eu tinha matado Hank, e dizer que isto não
ajudaria na minha relação com os Nephilim, Dante incluído, se meu segredo viesse à tona,
seria o eufemismo do ano — Patch espionava para Hank.
Ele assentiu.
— Eu sei. Eles tinham um acordo. Patch nos informava sobre os anjos caídos.
Não sabia se Dante omitiu intencionalmente que Patch havia espiado para Hank com a
condição de preservar a minha vida, ou se Hank tinha mantido os detalhes em segredo.



— Hank disse ao Patch sobre as artes do mal — menti, cobrindo minhas pegadas. — Mas
Patch me disse que, quando Hank morreu, as artes do mal haviam ido com ele. Patch tinha
a impressão de que Hank era o único que sabia como manipular isso.
Dante negou com a cabeça.
— Hank colocou o seu mão direita, Blakely, para desenvolver os protótipos de artes do
mal. Ele sabe mais sobre artes do mal do que Hank jamais soube. Ele passou os últimos
meses em um laboratório, enfeitiçando adagas, chicotes e anéis ornamentados com artes
do mal, os transformando em armas mortais. Mais recentemente, ele formulou uma
bebida que eleva os poderes dos Nephilim. Estamos no mesmo nível, — disse ele,
com um brilho de emoção nos olhos. — Antes precisávamos de dez Nephilim para cada
anjo caído. Já não é mais assim. Eu provei a bebida de Blakely, e quando tomo, o campo de
jogo sempre se inclina ao meu favor. Posso ir de encontro a um único anjo caído sem
nenhum temor de que ele seja mais forte.
Meus pensamentos giraram violentamente. Artes do mal estavam prosperando na Terra?
Os Nephilim tinham uma arma secreta, sendo fabricada em um laboratório secreto? Tinha
que contar isto para Patch.
— A bebida que me deu é a mesmo que você tem provado para Blakely?
— Sim. — Ele sorriu astutamente. — Agora entende o que estou te falando.
Se queria elogios, não iria recebê-los de mim.
— Quantos Nephilim sabem sobre a bebida ou a ingeriram?
Dante se recostou em seu banco e suspirou.
— Está perguntando isto para si mesma? — Ele fez uma pausa intencionada. — Ou para
compartilhar o segredo com Patch?
Hesitei, e o rosto de Dante desmoronou.
— Tem que escolher, . Não pode ser leal a nós e a Patch. Está persistindo
admiravelmente nisto, mas no final, lealdade tem a ver com escolher um lado. Ou está
com os Nephilim, ou contra nós.
A pior parte desta conversa é que Dante tinha razão. No fundo, eu sabia. Patch e eu
havíamos entrado em acordo que o nosso ato final na guerra seria sair a salvo dela, porém,
se este fosse o meu único objetivo, onde isso deixaria os Nephilim? Era eu a suposta líder
deles, pedindo que acreditassem que eu iria ajudá-los, mas na verdade não iria.
— Se contar ao Patch sobre artes do mal, ele não guardará a informação para si — disse
Dante. — Ele irá atrás de Blakely e tratará de destruir o laboratório. Não por um elevado
sentido de dever moral, mas sim por instinto de sobrevivência. Isto não é mais sobre o Cheshvan. — explicou. — Meu objetivo não é empurrar os anjos caídos para trás de uma
linha arbitrária, a fim de impedi-los de nos possuir. Meu objetivo é aniquilar a raça inteira
de anjos caídos com artes do mal. E se já não sabem disso, vão descobrir logo, logo.
— O quê?! — cuspi.
— Hank tinha um plano. Era isso. A extinção da raça deles. Blakely acredita que, com um
pouco mais de tempo, ele poderá produzir um protótipo de arma suficientemente forte para aniquilar um anjo caído, algo que nunca nem sequer considerávamos possível. Até agora.
Saltei do banco e comecei a andar de um lado para o outro.



— Por que está me dizendo isto?
— Está na hora de escolher. Está conosco ou não?
— Patch não é o problema. Ele não está trabalhando com os anjos caídos. Ele não quer a
guerra. — O único objetivo de Patch era se assegurar de que eu continuasse na liderança,
cumprisse o meu juramento e permanecesse com vida. Mas se revelasse sobre as artes do
mal para ele, Dante tinha razão: Patch faria de tudo para destruí-las.
— Se contar sobre isso para ele, estamos acabados — disse Dante.
Ele estava me pedindo para trair ele, Scott e milhares de Nephilim inocentes... ou Patch.
Um grande peso revirou-se no meu estômago. A dor era tão forte que quase me dobrei.
— Tire a tarde para pensar nisto — disse Dante, colocando-se de pé. — A menos que me
diga o contrário, vou esperar que esteja pronta para treinar amanhã bem cedo. — Me
olhou fixamente por um momento com seus olhos castanhos fixos, porém mantendo um
sombra de dúvida. — Espero que estejamos no mesmo barco, — ele disse isto em voz baixa e se foi.
Fiquei no edifício por vários minutos, sentada na penumbra, rodeada por gritos bizarros e
alegres e risadas das crianças tentando dançar o Hokey Pokey sobre os patins. Baixei a cabeça e escondi o meu rosto entre as minhas mãos. Não era como as coisas deveriam ser.
Eu tinha que suspender a guerra, declararia um cessar fogo e me fugir de tudo para ficar
com Patch.
Em vez disso, Dante e Blakely haviam planejado diante, continuando justo aonde Hank
havia parado e subiram a aposta para tudo ou nada. Estúpidos, estúpidos, estúpidos.
Em circunstâncias normais, não acreditaria que Dante, Blakely e, para falar a verdade,
todos os Nephilim teriam chance de aniquilar os anjos caídos, porém suspeitava que as artes do mal mudavam tudo. O que significava isto para a minha metade do trato? Se os
Nephilim entrassem em guerra sem mim, será que os arcanjos me responsabilizariam?
Sim. Sim, eles o fariam.
Aonde quer que Blakely estivesse escondido, sem dúvidas protegido por seu próprio,
pequeno e vigilante destacamento de segurança Nephilim, estava claro que estava
experimentando com protótipos mais potentes e mais perigosos. Ele era a raiz do
problema.
O que fazia de encontrar ele e o seu laboratório a minha prioridade.
Logo após eu encontrar Patch. Meu estômago deu um salto mortal de preocupação, e
mandei outra oração silenciosa para ele.



CAPÍTULO 10

Eu estava a uma curta distância do Volkswagen quando vi uma figura
sombreada tomar o banco do motorista. Parei, meus pensamentos mergulhando,
inicialmente, no cenário de Chapéu de Caubói, o Retorno. Segurei a respiração,
debatendo se era sábio ou não correr. Mas quanto mais eu debatia, mais minha
imaginação hiperativa declinava, e a figura tomou sua forma verdadeira. Patch
dobrou o dedo, me chamando para o lado de dentro. Eu sorri amplamente, minha
preocupação se dissolvendo instantaneamente.
— Matando aula para andar de patins? — ele perguntou, enquanto eu entrava no
carro.
— Você me conhece. Rodinhas roxas são o meu fraco.
Patch sorriu.
— Não vi o seu carro na escola. Estive te procurando. Tem uns minutos sobrando?
Eu lhe dei as minhas chaves.
— Você dirige.
Patch nos levou por um maravilhoso e luxuoso condomínio de casas geminadas
com vista para a Baía Casco. O charme histórico das construções (tijolos de um
vermelho profundo misturados a pedras da pedreira local) o fazia ser estimado em
bem mais de uma centena de anos, mas havia sido renovado por completo, com
janelas reluzentes, colunas de mármore preto, e um porteiro. Patch estacionou em
uma garagem privada e abaixou a porta, deixando-nos em uma escuridão fria.
— Casa nova? — perguntei.
— Pepper contratou alguns bandidos Nephilim para redecorarem o meu estúdio
embaixo da Delphic. Precisava de um lugar rápido com boa segurança.
Nós saímos do Volkswagen, subimos por um lance estreito de escada, passamos
por uma porta, e saímos na nova cozinha do Patch. Janelas de uma parede à outra
ofereciam uma visão incrível da baía. Alguns veleiros brancos pontilhavam a água,
e uma neblina pitoresca encobria os penhascos em volta. A folhagem outonal
rodeava a baía, queimando em tons vibrantes de vermelho, parecendo incendiar a paisagem. A doca na base das casas geminadas
parecia ser acessada apenas de carro.
— Maneiro — eu disse ao Patch.
Por trás, ele me deu uma xícara de chocolate quente e beijou a minha nuca.
— É mais exposto do que eu gostaria, e isso não é algo que eu diga com muita
frequência.
Eu me reclinei contra ele, bebericando a minha bebida.
— Estava preocupada com você.
— Pepper me surpreendeu do lado de fora do Devil’s Handbag ontem noite. Com
isso quero dizer que não tive chance de falar com o nosso amigo Nephilim, o
Chapéu de Caubói. Mas dei alguns telefonemas e andei por aí, começando com a
cabana para onde ele te levou. Ele não é muito esperto. Levou você para a cabana
da avó dele. O verdadeiro nome do Chapéu de Caubói é Shaun Corbridge, e ele
tem dois anos, pela contagem dos Nephilim. Jurou fidelidade dois Natais atrás e se
alistou voluntariamente no exército de Mão Negra. Tem temperamento curto e um
histórico de uso de drogas. Está procurando uma maneira de se destacar, e acha
que você é a saída dele. Nem preciso falar sobre a tendência dele para fazer
burrices. — Patch beijou o meu pescoço novamente, desta vez prolongando a
estadia de sua boca. — Também senti a sua falta. O que tem para mim?
Hmm, por onde eu começo?
— Poderia te contar sobre como Pepper tentou me raptar esta manhã e me
manteve refém, ou talvez você gostaria de ouvir sobre como Dante, em segredo,
me deu uma bebida acentuada com artes do mal? Parece que Blakely, mão direita
do Hank, está brincando com as artes do mal há meses e desenvolveu uma droga
de alta-performance para os Nephilim.
— Eles fizeram o quê? — ele rugiu em uma voz que não poderia ser mais raivosa.
— Pepper te machucou? E eu vou fazer pedacinhos do Dante!
Eu balancei minha cabeça, indicando que não, mas fiquei surpresa quando lágrimas
saltaram aos meus olhos. Eu sabia por que Dante tinha feito aquilo (ele precisava
que eu fosse forte o bastante fisicamente para liderar os Nephilim à vitória), mas
me ressenti do modo como fez. Ele tinha mentido para mim. Havia me enganado e
me feito beber uma substância não só proibida na Terra, mas potencialmente
perigosa. Eu não era ingênua o bastante para achar que as artes do mal não tinham
efeitos colaterais negativos. Os poderes podiam perecer, mas uma semente do mal
havia sido embutida dentro de mim.
Eu disse:
— Dante falou que os efeitos da bebida passam depois de um dia. Essa é a boa
notícia. A má é que eu acho que ele planeja apresentar a bebida para inúmeros
outros Nephilim, e logo. Dará a eles... superpoderes. É a única maneira que consigo
descrever isso. Quando eu bebi, corri mais rápido e pulei mais alto, e afiou os meus
sentidos. Dante disse que, um a um, um Nephil poderia vencer um anjo caído. Eu
acredito nele, Patch. Eu fugi do Pepper. Um arcanjo. Sem a bebida, ele me teria
presa agora mesmo.
Uma fúria gelada queimou nos olhos de Patch.
— Diga onde posso achar o Dante — ele falou nitidamente.



Eu não esperava que Patch ficasse com tanta raiva (um descuido gigantesco, em
retrospeto). É claro que ele estava fervendo de raiva. O problema era que, se ele
fosse encontrar o Dante agora, Dante saberia que eu tinha contado sobre as artes
do mal para o Patch. Eu precisava planejar meu jogo com cuidado.
— O que ele fez foi errado, mas ele achou que estava pensando no que era melhor
para mim — eu ofereci.
Uma risada rouca.
— Acredita realmente nisso?
— Acho que ele está desesperado. Ele não tem mais muitas opções.
— Então ele não está procurando por mais opções.
— Ele também me deu um ultimato. Ou estou com ele e os Nephilim, ou com você.
Ele me contou sobre as artes do mal para me testar. Para ver se eu te contaria. —
Eu levantei as minhas mãos e as deixei cair. — Eu nunca esconderia esta
informação de você. Somos um time. Mas precisamos pensar em como agir.
— Eu vou matá-lo.
Suspirei, apertando as pontas dos dedos nas minhas têmporas.
— Você não está vendo além do seu desprezo pessoal pelo Dante... isso, e sua raiva
por ele.
— Raiva? — Patch deu gargalhada, mas, sem dúvida, foi ameaçador. — Ah, Anjo.
Isso é um pouco dócil para o que eu estou sentindo. Acabei de descobrir que um
Nephil forçou artes do mal para dentro do seu corpo. Não ligo se ele não estava
pensando, e eu não ligo se ele estava entrando em desespero. É um erro que ele
não vai cometer de novo. E antes que se sinta tentada a ter pena dele, saiba disso:
ele sabia das consequências. Eu o avisei que se você se arranhasse enquanto
estivesse sob a vigilância dele, eu o responsabilizaria.
— Sob a vigilância dele? — eu ecoei lentamente, tentando ligar os pontos.
— Eu sei que está treinando com ele — Patch anunciou bruscamente.
— Você sabe?
— Você é uma menina crescida. Pode tomar suas próprias decisões. Obviamente
teve seus motivos para querer aprender autodefesa com Dante, e eu não ia impedi-
la. Eu confio em você; é com ele que me preocupo, e parece que tenho toda razão.
Vou perguntar mais uma vez. Onde ele está se escondendo? — ele quase rosnou,
seu rosto escurecendo.
— O que te faz pensar que ele está se escondendo? — eu disse, miserável,
chateada por, mais uma vez, eu me sentir presa entre Patch e Dante. Entre anjos
caídos e Nephilim. Eu não tinha escondido intencionalmente de Patch as nossas
sessões de treinamento; simplesmente tinha pensado que seria melhor não
provocar mais competição entre ele e Dante.
A risada gélida de Patch fez arrepios dançarem pela minha espinha.
— Se ele for esperto, está se escondendo.
— Também estou com raiva, Patch. Confie em mim, gostaria de voltar no tempo e
desfazer esta manhã Mas odeio sentir como se você comandasse tudo sem mim.
Primeiro, você colocou um dispositivo de rastreamento em mim. Depois, ameaçou
Dante pelas minhas costas. Você está operando de modo perpendicular a mim.



Quero sentir que está do meu lado. Quero sentir que estamos trabalhando nessa
juntos.
O novo celular do Patch tocou, e ele espiou a tela. Um comportamento estranho
para ele. Agora ele costumava deixar todas as chamadas irem para o correio de
voz, e então, cuidadosamente, peneirava as que devia retornar.
— Está esperando uma ligação importante? — perguntei.
— Sim, e preciso lidar com ela agora. Estou do seu lado, Anjo. Sempre estarei.
Desculpa se você sente como se eu estivesse minando os seus desejos. É a última
coisa que eu quero, acredite em mim. — Ele roçou um beijo na minha boca, mas
pareceu brusco. Patch já estava caminhando com propósito na direção das escadas,
que desciam até a garagem. — Preciso que faça uma coisa para mim. Veja se
consegue descobrir alguma coisa sobre Blakely. Onde é a casa dele atualmente, os
locais que ele visitou por último, quantos guarda-costas Nephilim ele tem para
protegê-lo, e quando ele planeja introduzir essa super-bebida ao público geral.
Você está certa, não acho que artes do mal se espalharam para além de Dante e
Blakely. Se tivessem, os arcanjos teriam interferido. Nós falamos em breve, Anjo.
— Então vamos terminar essa conversa depois? — eu gritei para ele, ainda
estupefata com a partida rápida dele.
Ele parou no alto da escada.
— Dante te deu um ultimato, mas isso já iria acontecer, com ou sem ele. Não posso
tomar essa decisão por você, mas se quiser a minha opinião, me avise. Ficarei feliz
em ajudar. Coloque o alarme antes de sair. Sua chave pessoal está na bancada.
Você é sempre bem-vinda. Entrarei em contato.
— E quanto ao Cheshvan? — disse. Eu não tinha passado por nem metade das
coisas que eu queria discutir com ele, e agora ele estava fugindo. — Começa hoje à
noite, com a lua cheia.
Patch assentiu bruscamente.
— Há um pressentimento ruim no ar. Vou ficar de olho em você, mas quero que
você também fique alerta. Não fique fora de casa mais tarde que o necessário. O
seu toque de recolher hoje é ao pôr do sol.
Já que eu não via razão para voltar para escola sem um papel válido de permissão,
e já que, se saísse agora, eu ficaria apenas por uma hora antes do sino final tocar,
decidi ficar na casa do Patch e vasculhar meus pensamentos-barra-alma.
Fui caçar um lanche na geladeira, mas estava vazia. Era bem aparente que Patch
havia se mudado às pressas e que a mobília havia sido inclusa. Os cômodos eram
imaculados, pecando pela falta de qualquer toque pessoal. Utensílios de aço
inoxidável, pintura cinza-acastanhada, chão de imbuia. Mobília moderna americana
com cores sólidas. TV de tela plana e poltronas de couro de frente uma para outra.
Masculino, estiloso e sem calor.
Eu repassei minha conversa com Patch e decidi que ele não tinha parecido nem um
pouquinho compreensivo em relação ao ultimato de Dante e ao meu grande
dilema. O que isso significava? Que ele achava que eu podia resolver as coisas por
conta própria? Que escolher entre Nephilim e anjos caídos era moleza? Porque não
era. A escolha ficava mais difícil a cada dia que passava.



Eu refleti sobre as coisas que eu sabia. Isso é, que Patch queria que eu descobrisse
o que Blakely estava tramando. Patch provavelmente achou que Dante fosse meu
melhor contato, um intermediário entre eu e Blakely, por assim dizer. E para que as
linhas de comunicação entre nós continuassem abertas, provavelmente era melhor
que eu deixasse Dante pensando que estava do lado dele. Que eu estou de acordo
com os Nephilim.
E estou. De muitas maneiras. Eu simpatizava com eles porque eles não lutavam
para dominar ou por alguma outra ambição desvirtuosa; eles lutavam pela sua
liberdade. Eu entendia. E admirava isso. Faria qualquer coisa para ajudar. Mas eu
não queria que Blakely ou Dante colocassem os anjos caídos em risco. Se eles
fossem exterminados da Terra, Patch sumiria junto. Eu não estava disposta a perder
o Patch, e faria o que fosse necessário para me certificar de que a espécie dele
sobrevivesse.
Em outras palavras, eu não estava nem um pouco mais perto das repostas. Eu tinha
voltado a estaca zero, jogando dos dois lados. A ironia disso tudo me atingiu. Eu
era igual ao Pepper Friberg.
A única diferença entre eu e Pepper era que eu queria tomar partido. Todo esse
negócio de ficar me escondendo e mentindo e fingindo ter alianças com dois lados
opostos estava me mantendo acordada de noite. Logo a minha mente seria
consumida por mentiras memorizadas, para que assim eu não fosse pega na minha
própria rede elaborada.
Eu arfei. E olhei de novo o freezer do Patch. Nenhum pote de sorvete tinha
aparecido como mágica desde a última vez em que eu chequei.  


CAPÍTULO 11

Às cinco horas da manha seguinte, o meu colchão afundou sob o peso de um segundo corpo. Meus olhos se abriram de imediato e encontraram Dante sentado no pé da cama
com uma expressão sombria.
— E daí? — ele perguntou, direto.
Eu tinha passado o dia todo ontem, até anoitecer, tentando me decidir, e finalmente tinha
escolhido que atitude tomar.
As sobrancelhas dele se levantaram ligeiramente, fazendo uma pergunta, com a esperança
visível.
— Isso significa o que eu acho que significa?
— Não vou treinar lá fora com anjos caídos, vou? — Não era exatamente uma resposta direta, e esperei que Dante não pressionasse mais.
Ele sorriu.
— Se demorar mais que cinco minutos, vai.
— Mas chega da parada azul — disse, fazendo-o parar abruptamente na porta. — Para deixar bem claro.
— A amostra de ontem não te convenceu? — Para minha consternação, ele não parecia
ter sentido remorso. De fato, a expressão dele revelava decepção.
— Eu tenho a sensação de que ela não passaria na lista de aprovados da Anvisa.
— Se mudar de ideia, é cortesia da casa.
Decidi tirar proveito do rumo dessa conversa.
— Blakely está desenvolvendo alguma outra bebida aprimorada? E quando acha que ele
vai aumentar o grupo de teste?
Ele deu de ombros, evasivo.
— Não falo com Blakely faz um tempinho.
— Sério? Está testando artes do mal para ele. E vocês dois eram próximos de Hank. Fico
surpresa de saber que não mantém contato.



— Conhece o ditado “não ponham todos os ovos na mesma cesta”? Essa é a nossa
estratégia. Blakely desenvolve os protótipos no laboratório e outra pessoa os entrega para
mim. Se algo acontecer a um de nós, o outro está a salvo. Não sei onde Blakely está,
então, se anjos caídos me capturarem e me torturarem, não poderei lhes contar nada de
útil. É o procedimento padrão. Vamos começar com uma corrida de 24km, então esteja
bem hidratada.
— Espera. E o Cheshvan? — eu estudei o rosto dele firmemente, me preparando para o
pior. Fiquei deitada acordada ontem à noite por várias horas, aguardando nervosa por
uma manifestação exterior de sua chegada. Esperei uma mudança no ar, uma corrente de
energia negativa crepitando pela minha pele, ou algum outro sinal sobrenatural. Invés
disso, o Cheshvan havia chegado sem nem mesmo um sussurro. Ainda assim, em algum lugar lá fora, eu tinha certeza que milhares de Nephilim estavam sofrendo de maneiras que eu nem conseguia imaginar.
— Nada — disse, carrancudo.
— O que quer dizer com “nada”?
— Até onde eu saiba, nenhum anjo caído possuiu seu vassalo ontem à noite.
Eu me sentei.
— Isso é bom! Não é? — Eu acrescentei, após ver a expressão grave de Dante.
Ele respondeu devagar.
— Não sei o que significa. Mas não acho que seja bom. Eles não adiariam isso sem razão...
e uma bem boa. — ele acrescentou, hesitante.
— Não entendo.
— Bem-vinda ao clube.
— Pode ser uma guerra psicológica? Acha que estão tentando perturbar os Nephilim?
— Acho que eles sabem algo que a gente não sabe.
Após Dante fechar cuidadosamente a porta do meu quarto, eu coloquei um moletom e
armazenei mentalmente essa nova informação. Eu estava morrendo de vontade de
conseguir a opinião do Patch sobre o começo inesperado e anti-climático do Cheshvan.
Já que ele era um anjo caído, era provável que tivesse uma explicação mais detalhada. O
que essa pausa significava?
Decepcionada por não ter uma resposta, mas sabendo que era perda de tempo especular,
eu me foquei no que mais eu tinha aprendido. Eu me sentia um passo infinitésimo mais
perto de localizar a origem das artes do mal. Dante disse que ele e Blakely nunca se
encontravam pessoalmente, e que um intermediário atuava como ligação, passando os
protótipos de Blakely para Dante. Eu precisava encontrar o elo de ligação.
Do lado de fora, Dante meramente correu em disparada até a floresta, meu sinal para
segui-lo. Logo de cara eu consegui perceber que a bebida azul batizada com arte do mal
tinha desaparecido do meu sistema. Dante ziguezagueava entre árvores em velocidades
perigosas, enquanto eu ficava para trás, concentrando-me em cada passo para minimizar
machucados. Mas mesmo eu só podendo contar apenas com a minha própria força, eu
conseguia perceber que estava melhorando. Rapidamente. Um pedregulho enorme estava
diretamente afrente do meu caminho, e ao invés de dar uma guinada e desviar, em um
milésimo de segundo tomei a decisão de saltar sobre ele. Plantei meu pé no meio da
superfície curvada, me projetei para cima, e alcei voo acima do pedregulho. Ao pousar,
deslizei imediatamente sob uma árvore espinhenta com galhos baixos, e sem parar para
descansar, fiquei de pé do outro lado e retomei a corrida.
Ao fim da volta de 24km, eu estava empapada de suor e respirando com dificuldade.
Reclinei-me contra uma árvore e virei a cabeça para cima, a fim de recuperar o fôlego. —
Está melhorando — disse Dante, parecendo surpreso. Eu o espiei de lado. Ele, é claro,
ainda parecia ter acabado de sair do banho, sem um cabelo fora do lugar.
— E sem a ajuda das artes do mal — eu apontei.
— Você veria resultados ainda maiores se concordasse em tomar a super-bebida.
Eu me propeli da árvore e girei os braços, esticando os músculos do ombro.
— O que tem na lista? Mais treinamento de força?
— Truques mentais.
Isso me pegou desprevenida.
— invadir mentes?
— Fazer pessoas, em especial anjos caídos, verem algo imaginário.
Não precisava de uma definição. Tinham feito truques mentais em mim, e nunca essa
experiência tinha sido agradável. O objetivo de um truque mental era enganar a vítima.
— Não sei não — eu me esquivei. — É realmente necessário?
— É uma arma poderosa. Especialmente para você. Se puder fazer seu oponente, que é
mais rápido, mais forte e maior que você, acreditar que você é invisível ou que ele está
prestes a cair de um precipício, estes poucos segundos a mais podem ser a sua salvação.
— Tudo bem, me mostra como é que se faz — eu disse, relutante.
— Primeiro passo: invada a mente do seu oponente. É como falar mentalmente. Tente em
mim.
— Isso é mole — disse, lançando minha rede mental na direção de Dante, aprisionando
sua mente, e empurrando palavras em seus pensamentos conscientes. Estou na sua
mente, dando uma olhadinha, e é terrivelmente vazio por aqui.
Sabichona — retrucou Dante.
Ninguém mais diz isso. Falando nisso, quantos anos Nephilim você tem? Eu nunca tinha
pensado em perguntar.
Jurei lealdade durante a invasão napoleônica na Itália, minha terra natal. E isso foi no ano
de...? Dá uma mãozinha aqui. Não sou cdf em história.
Dante sorriu. 1796.
Uau. Você é velho.
Não, sou experiente. Próximo passo: Separe os fios que formam os pensamentos do seu
oponente. Estilhace-os, misture-os, quebre-os ao meio, o que quer que funcione para você.
Os modos de cumprir este passo variam entre os Nephilim. Para mim, estilhaçar os
pensamentos das minhas vítimas é melhor. Eu vou até a parede na mente deles, aquela
que protege o centro onde cada pensamento é formado, e a estilhaço. Assim.
Antes que eu a menos percebesse o que estava acontecendo, Dante tinha me encostado
contra uma árvore, retirando gentilmente algumas mechas de cabelo da minha testa. Ele
elevou meu queixo para cima para me olhar nos olhos, e eu não conseguiria me
desvencilhar daquele olhar penetrante nem se eu quisesse. Eu saboreei seus lindos traços.



Olhos de um castanho escuro localizados em uma distância igual de seu forte e reto nariz.
Lábios exuberantes que se curvavam em um sorriso confiante. Cabelo castanho espesso que caía por cima de sua testa. Seu maxilar era amplo, esculpido e macio, recém-barbeado. Tudo isso contra um fundo de pele cremosa, cor de oliva.
Eu não conseguia pensar em mais nada, exceto em como seria bom beijá-lo. Qualquer outro pensamento na minha cabeça havia sido retirado, e não me importei com isso.
Estava perdida em um sonho celestial, e se eu nunca mais acordasse, eu nem ligaria. Beije
Dante. Sim, era exatamente isso que eu queria. Fiquei na ponta dos pés, apertando a
distância entre as nossas bocas, uma batida trêmula e emocionante parecida com asas no
meu peito. Asas. Anjos. Patch.
Por impulso, levantei uma nova parede na minha cabeça. E de repente vi como a situação
realmente era. Dante estava me encostando contra uma árvore, até aí era verdade, mas
eu não queria ficar de pegação com ele.
— Demonstração terminada — disse Dante, seu sorriso um tanto arrogante demais para o
meu gosto.
— Da próxima vez, escolha uma demonstração mais apropriada — eu disse, tensa. —
Patch te mataria se ficasse sabendo disso.
O sorriso dele não vacilou.
— Essa é uma figura de linguagem que não funciona muito bem com os Nephilim.
Eu não estava no clima para piadinhas.
— Eu sei o que está fazendo. Está tentando provocá-lo. Essa rivalidade mesquinha entre
vocês dois vai estourar e ficar muito mais séria se você mexer comigo. Patch é a última pessoa que você quer irritar. Ele não guarda rancor, porque as pessoas que cruzam o caminho deles tendem a desaparecer bem rapidinho. E isso que você acabou de fazer irritaria ele.
— Foi a primeira ideia que eu tive — disse ele. — Não vai acontecer de novo. — Eu poderia ter me sentido melhor com o pedido de desculpas dele se ele tivesse parecido, mesmo que remotamente, arrependido.
— Certifique-se de que não aconteça — eu respondi em um tom de ferro.
Dante parecia dispensar qualquer sentimento ruim com facilidade.
— Agora é a sua vez. Entre na minha cabeça e estilhace os meus pensamentos. Se
conseguir, substitua-os com alguma criação própria. Em outras palavras, crie uma ilusão.
Já que voltar ao trabalho era o modo mais rápido de acabar com esta tarefa e com o
tempo que estava passando com Dante, eu empurrei a minha irritação pessoal de lado e
me concentrei na tarefa em mãos. Com as minhas redes ainda nadando pela mente de
Dante, primeiro visualizei apanhar os pensamentos dele, e então afastar cada fio pequeno,
um por vez. A imagem que estava na minha mente não era muito diferente do que fatiar
queijo, uma fatia fina depois da outra.
Trabalhe mais depressa, ordenou Dante. Sinto você na minha cabeça, mas você não está
criando nenhuma turbulência. Crie ondas, . Balance o barco. Atinja antes que eu
perceba. Pense que isso é uma armadilha. Se eu fosse um oponente de verdade, tudo que
isso conseguiria seria me informar de que você está se aventurando na minha cabeça. E
isso vai te deixar cara a cara com um anjo caído bastante irritado.



Eu recuei da mente de Dante, respirei profundamente, e lancei minhas redes de novo,
desta vez mais longe. Fechando meus olhos para bloquear qualquer distração, criei uma nova imagem. Tesouras. Tesouras gigantescas e reluzentes. Eu cortei os pensamentos de Dante...
— Mais rápido — ladrou Dante. — Consigo sentir a sua hesitação. Está tão insegura de si
mesma que praticamente sinto o cheiro das suas dúvidas. Qualquer anjo caído que valesse
seu peso iria se apoderar desse fato. Tome o controle!
Eu me retirei novamente, fechando as mãos em punhos enquanto ficava cada vez mais
frustrada. Com Dante e comigo mesma. Ele me forçava demais e colocava suas
expectativas nas alturas. E eu não conseguia banir as vozes de dúvida que riam dentro da
minha cabeça. Eu me censurei por ser aquilo que Dante achava que eu era: fraca.
Eu tinha vindo esta manhã para manter a minha relação com Dante, motivada em usá-lo
para chegar até Blakely e seu laboratório das artes do mal, mas isso não significava nada
para mim agora. Eu queria dominar isso. Fúria e indignação estouraram na parte de trás
dos meus olhos como pequenas bolinhas vermelhas. A minha visão se estreitou. Eu não queria mais ser inadequada. Não queria ser menor, mais devagar, mais fraca. Uma
determinação feroz pareceu fazer o meu sangue ferver. Meu corpo inteiro tremeu com
uma resolução obstinada à medida que eu encarava o olhar de Dante. Todo o restante
sumiu. Só havia eu e ele.
Lancei uma rede mental na mente de Dante com todo o fervor que eu tinha. Joguei na
mente de Dante a raiva que sentia de Hank, as inseguranças sobre mim mesma e a
sensação horrível de cabo de guerra que me rasgava toda vez que eu pensava em escolher
entre Patch e os Nephilim. Visualizei instantaneamente uma enorme explosão, nuvens de
fumaça e escombros espalhando-se, como uma praga, mais para o alto, em alturas
infinitas. Eu disparei outra explosão, e mais uma. Causei danos em qualquer esperança
que ele tinha de manter seus pensamentos ordenados.
Dante se balançou nos calcanhares, visivelmente perturbado.
— Como fez isso? — por fim ele conseguiu perguntar. — Eu... não conseguia ver. Nem sei
ao certo onde eu estava. — Ele piscou diversas vezes sucessivas, me encarando como se
não acreditasse que eu fosse real. — Foi como... ficar pendurado entre dois instantes de
tempo. Não havia nada. Nada. Era como se eu não existisse. Nunca algo assim aconteceu
comigo antes.
— Imaginei que estava bombardeando a sua cabeça — confessei.
— Bem, funcionou.
— Então eu passei?
— É, pode-se dizer que sim — Dante me disse, balançando a cabeça em descrença. — Faço isso há muito tempo e nunca vi nada parecido.
Eu não sabia se devia me sentir exultante por finalmente ter feito algo certo ou culpada,
por ter sido surpreendentemente boa em invadir a mente de Dante. Não era o talento
mais honrado no qual se sobressair. Se eu pudesse ter algum troféu na minha penteadeira,
não escolheria por vontade própria um sobre corromper a mente das pessoas.
— Então acho que acabamos por aqui? — perguntei.



— Até amanhã — disse Dante, sua expressão ainda de estupefação. — Bom trabalho,
.
Eu corri o restante do caminho até a minha casa em uma velocidade normal e humana
(excruciantes e lerdos 9km por hora), porque o sol já tinha começado a nascer, e embora
eu não sentisse nenhum humano nas proximidades, não fazia mal ser prudente. Eu saí da
floresta, cruzei a estrada até a casa de fazenda, e parei abruptamente na base da garagem.
O Toyota 4Runner vermelho de Marcie Millar estava estacionado bem à frente.
Com meu estômago se apertando cada vez mais, eu corri até a sacada. Diversas caixas de
mudança estavam empilhadas na porta. Eu as empurrei para entrar em casa, mas antes que eu conseguisse dizer uma palavra, minha mãe pulou da mesa da cozinha.
— Aí está você! — exclamou ela, impaciente. — Onde esteve? Marcie e eu passamos a
última meia hora tentando pensar para onde você poderia ter fugido a uma hora dessas.
Marcie estava sentada na minha mesa da cozinha, com as mãos enroladas ao redor de
uma xícara de café. Ela me lançou um sorriso inocente.
— Fui correr — eu disse.
— Estou vendo — minha mãe afirmou. — Só queria que tivesse me contado. Nem se
incomodou em deixar um bilhete.
— São sete da manhã. Você devia estar na cama. O que ela está fazendo aqui?
— Estou bem aqui — Marcie disse docemente. — Pode falar comigo.
Fixei os olhos nela.
— Está bem. O que você está fazendo aqui?
— Eu te disse. Não estou me dando bem com a minha mãe. Precisamos de espaço para
respirar. Por ora, acho que o melhor é eu me mudar para cá. Minha mãe não vê problema
nisso. — Não parecendo nem um pouco embaraçada, ela tomou um gole de café.
— Por que você acha que isso é uma boa ideia, quanto mais uma razoável?
Marcie revirou os olhos.
— Se liga. Somos parentes.
Meu queixo caiu e meus olhos imediatamente foram até a minha mãe. Para minha
descrença, ela não parecia aturdida.
— Ai, — disse ela. — Todos nós sabíamos, mesmo sem ninguém disposto a dizer. Sob as circunstâncias, Hank iria querer que eu recebesse Marcie de braços abertos.
Eu estava sem palavras. Como ela podia ser boa com Marcie? Ela não se lembrava da
nossa história com os Millars?
Isso era culpa do Hank, eu fervi por dentro. Eu esperei que seu laço com a minha mãe
fosse acabar com a morte dele, mas todas as vezes que eu tentava conversar sobre ele, ela
adotava a mesma atitude serena: Hank iria voltar para ela, ela queria isso, e ela esperaria
lealmente por ela. Seu comportamento bizarro era mais uma evidência da minha teoria:
Hank havia utilizado algum truque mental maluco com artes de mal nela antes de morrer.
Nenhum argumento meu penetraria na lembrança perfeita dela de um dos homens mais
malignos que já havia habitado o nosso planeta.
— Marcie é da família, e embora as circunstâncias sejam um pouco estranhas, ela fez certo
em nos procurar para pedir ajuda. Se não puder contar com a sua família, com quem
poderá contar? — minha mãe continuou.



Eu ainda a encarava, frustrada por sua atitude sedada, quando uma segunda luz se
acendeu. É claro. Hank não era o único culpado nessa farsa. Como eu havia levado tanto
tempo para perceber? Voltei meus olhos para Marcie.
Está fazendo truques mentais nela? Eu falei acusatoriamente na mente dela. É isso? Eu sei
que está fazendo alguma coisa, porque de jeito nenhum minha mãe, se estivesse racional,
te deixaria morar com a gente.
A mão de Marcie voou até sua cabeça, e ela ganiu.
— Oh! Como fez isso?
Não se finja de burra comigo. Eu sei que você é uma Nephil, se lembra? Você pode fazer
truques mentais e pode falar mentalmente. Eu não caio nesse seu teatrinho. E de jeito
nenhum você vai se mudar para cá.
Que seja, Marcie disparou de volta. Conheço as conversas mentais. E conheço os truques
mentais. Mas não estou fazendo nada disso na sua mãe. Minha mãe justifica o
comportamento maluco dela dizendo que meu pai também iria querer isso, sabe. Ele
provavelmente fez truques mentais nas nossas mães antes de morrer. Ele não iria querer as
nossas famílias brigando. Não me culpe só porque sou um alvo a disposição para a sua raiva.
— Marcie, vou limpar o quarto sobressalente para você até a hora que voltar da escola, de
tarde — minha mãe disse, olhando ferozmente para mim. — Perdoe a por ser tão
indelicada. Ela está acostumada a ser filha única e a conseguir o que quer. Talvez esse
novo arranjo de moradia lhe dê uma nova perceção.
— Eu estou acostumada a conseguir o que eu quero? — eu a desafiei. — Marcie também é
filha única. Se vamos apontar dedos, que pelo menos sejamos justas.
Marcie sorriu, juntando suas mãos numa demonstração de deleite.
— Muito obrigada, Sra. . Agradeço mesmo. — Ela teve a audácia de sair pulando e
abraçar a minha mãe.
— Só me mate — murmurei.
— Cuidado com o que deseja — cantarolou Marcie em um tom açucarado.
— Está pronta para isso? — perguntei a minha mãe. — Duas adolescentes, uma terrível
rivalidade, e, o mais importante de tudo, um banheiro compartilhado.
Para meu nojo, a minha mãe sorriu.
— Família: o esporte mais radical de todos. Depois da escola vamos levar as caixas da
Marcie para o andar de cima, instalá-la, e então vamos sair para comer pizza. ,
poderia chamar o Scott para ajudar? Algumas caixas devem ser pesadas.
— Acho que o Scott ensaia com a banda nas quartas — menti, sabendo muito bem que
teria um ataque histérico se descobrisse que eu permiti que Marcie e Scott ficassem
no mesmo cômodo juntos.
— Eu falo com ele — intrometeu-se Marcie. — Scott é um amorzinho. Posso convencê-lo a
vir para cá depois do ensaio. Tudo bem se eu convidá-lo para comer pizza, Sra. ?
Oi? Scott Parnell? Um amorzinho? Eu era a única que ouvia o absurdo que era isso?
— É claro — minha mãe disse.
— Tenho que tomar banho — disse, procurando alguma desculpa para fugir de cena. Eu
tinha atingido a minha cota máxima de Marcie do dia e precisava me recuperar. Um pensamento desencorajador me atingiu. Se Marcie se mudasse, eu atingiria o meu limite
todos os dias às sete da manhã.
— Ah, ? — minha mãe me chamou antes que eu alcançasse as escadas. — A escola
deixou uma mensagem no telefone ontem de tarde. Acho que era da secretaria. Sabe por
que eles ligariam?
Eu congelei.
Marcie permaneceu atrás da minha mãe, balbuciando Pega para mim, quase incapaz de
conter seu júbilo.
— Hm, vou dar uma passadinha na secretaria hoje e ver o que eles precisam — disse. —
Provavelmente foi uma ligação de rotina.
— É, provavelmente — Marcie repetiu, com aquele sorriso presunçoso e soberbo dela que
eu odiava mais que tudo.


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