Finale 






PRÓLOGO

Scott não acreditava em fantasmas. Homens mortos continuavam
em suas covas. Mas os túneis que cruzavam por debaixo do Parque de Diversões
Delphic, ecoando com sons farfalhantes e sussurrados, faziam com que ele
repensasse isso. Ele não gostava da sua mente voltar a Harrison . Não queria
ser lembrado de seu papel no assassinato de um homem. Umidade pingava do teto
rebaixado e Scott pensou em sangue. O fogo de sua tocha lançava sombras
volúveis nas paredes, que cheiravam a terra fria e fresca. Ele pensou em covas.
Um ar gélido fez cócegas em sua nuca. Sobre seu ombro, ele lançou um olhar
longo e desconfiado à escuridão.
Ninguém sabia que ele tinha jurado a Harrison proteger . Já que não
podia dizer “Ei, cara, desculpa ter feito você ser morto” em pessoa, ele recorreu a
jurar proteger a filha de Harrison. Em se tratando de pedidos decentes de
desculpas, este não era um deles, não mesmo, mas foi a melhor coisa em que
conseguiu pensar. Scott não tinha certeza nem se um juramento feito a um homem
morto tinha algum peso.
Mas os sons ocos atrás de si o faziam pensar que sim.
— Você vem?
Scott só conseguia distinguir o contorno escuro dos ombros de Dante a sua frente.
— Quanto tempo mais?
— Cinco minutos. — Dante deu risada. — Com medo?
— Paralisado. — Scott correu para alcançá-lo. — O que acontece na reunião?
Nunca estive em uma antes — acrescentou, esperando não soar tão estúpido
quanto se sentia.
— Os chefões querem encontrar a . Ela é a líder deles agora.
— Então os Nephilim aceitaram que Mão Negra está morto? — O próprio Scott não
acreditava plenamente nisso. Mão Negra deveria ser imortal. Todos os Nephilim
eram. Então, quem havia encontrado uma maneira de matá-lo?
Scott não gostava da resposta que sua mente lhe fornecia. Se havia feito
isso... se Patch havia ajudado-a...



Não importava se eles haviam sido cuidadosos ao cobrir seus rastros. Eles teriam
deixado algo passar. Todo mundo sempre deixava. Era apenas questão de tempo.
Se havia assassinado Mão Negra, ela estava em perigo.
— Eles viram o meu anel — respondeu Dante.
Scott também havia visto. Mais cedo. O anel enfeitiçado havia chamuscado como
se tivesse fogo azul preso debaixo da coroa. Mesmo agora ele brilhava um azul
entre o frio e o morto. De acordo com Dante, Mão Negra havia profetizado que
esse seria o sinal de sua morte.
— Já encontraram o corpo?
— Não.
— E eles não veem problema em liderá-los? — pressionou Scott. — Ela não é
nada como Mão Negra.
— Ela fez um juramento de sangue para ele ontem à noite. Entrou em vigor no
instante em que ele morreu. Ela é a líder deles, mesmo que não gostem disso.
Podem substituí-la, mas vão testá-la primeiro e tentar descobrir por que Hank a
escolheu.
Scott não gostou nada disso.
— E se a substituírem?
Dante lançou um olhar sombrio por cima dos ombros.
— Ela morre. Esta é a condição do juramento.
— Não vamos deixar isso acontecer.
— Não.
— Então está tudo bem. — Scott precisava de confirmação de que estava a
salvo.
— Contanto que ela coopere.
Scott relembrou-se da justificativa que deu hoje mais cedo. Vou me encontrar
com os Nephilim. E deixarei a minha posição clara: Hank pode ter começado esta
guerra, mas eu vou terminar. E esta guerra vai acabar com um cessar-fogo. Não
ligo se isso não é o que eles querem escutar. Ele apertou a ponte do nariz; tinha
muito trabalho a fazer.
Scott continuou caminhando com dificuldade, mantendo os olhos atentos a fim de
evitar poças. Elas ondulavam como caleidoscópios oleosos, e a última em que tinha
pisado por acidente havia encharcado-o até o tornozelo.
— Eu disse a Patch que não a deixaria fora de vista.
Dante resmungou.
— Tem medo dele também?
— Não. — Mas ele tinha. Dante também teria, se conhecesse Patch direito. — Por
que ela não pôde vir com a gente para a reunião? — A decisão de ficar separado
de o deixava desconfortável. Ele se amaldiçoou por não ter discordado disso
mais cedo.
— Não sei por que fazemos metade das coisas que fazemos. Somos soldados.
Recebemos ordens.
Scott se lembrou das últimas palavras que Patch disse a ele. Ela está sob sua
vigilância. Não estrague tudo. A ameaça havia penetrado em sua pele. Patch achava
que era o único que se importava com , mas não era. era a coisa mais
próxima de uma irmã que Scott tinha. Ela o tinha defendido quando ninguém mais
o fez, e o havia afastado de um precipício. Literalmente.
Eles tinham uma ligação, mas não aquele tipo de ligação. Ele se importava mais
com do que com qualquer outra garota que já havia conhecido. Ela era
responsabilidade sua. Era algo tão importante que ele havia jurado isso ao pai
morto dela.
Ele e Dante se enfiaram ainda mais nos túneis, com as paredes apertando-se em
volta de seus ombros. Scott se virou de lado para passar, com dificuldade, até a
próxima travessia. Pedaços de terra se soltavam das paredes, e ele segurou a
respiração, meio que esperando o teto desmoronar em uma onda grande que os
enterrasse.
Por fim, Dante puxou uma aldrava, e uma porta se materializou na parede.
Scott inspecionou o cômodo cavernoso. Mesmas paredes de terra, mesmo chão de
pedra. Vazio.
— Olhe embaixo. Alçapão — disse Dante.
Scott saiu de cima da porta da escotilha e puxou a maçaneta com força. Vozes
acaloradas foram carregadas até a abertura. Contornando a escada, ele desceu pelo
buraco, caindo três metros abaixo.
Avaliou o cômodo lotado e cavernoso em um instante. Homens e mulheres
Nephilim usando mantos pretos com capuz formavam um círculo fixo ao redor de
duas pessoas que ele não conseguia ver direito. Uma fogueira crepitava na lateral.
Um ferrete mergulhado em carvão incandescia laranja com o calor.
— Responda — uma voz antiga e forte no centro do círculo repreendeu. — Qual a
razão do seu relacionamento com o anjo caído a quem chamam Patch? Está
preparada para liderar os Nephilim? Precisamos saber que temos sua lealdade
completa.
— Não tenho que responder — , a outra pessoa, atacou de volta. — Minha
vida pessoal não é da sua conta.
Scott caminhou até o círculo, melhorando sua visão.
— Você não tem vida pessoal — sibilou a mulher velha e de cabelos brancos com a
voz forte, golpeando com um dedo frágil, seu queixo duplo e mole tremendo
de raiva. — Seu único propósito agora é liderar seu povo e libertá-los dos anjos
caídos. Você é a herdeira de Mão Negra, e embora eu não deseje ir contra os
desejos dele, eu votarei pela sua expulsão se precisar.
Scott olhou desconfortavelmente os Nephilim cobertos. Diversos assentiram,
concordando.
, ele a chamou, falando com sua mente. O que está fazendo? O juramento de
sangue. Você tem que permanecer no poder. Diga o que for preciso. Apenas
acalme-os.
olhou em sua volta com uma hostilidade cega até seus olhos encontrarem os
dele. Scott?
Ele assentiu, encorajando-a. Estou aqui. Não se alarme. Mantenha-os felizes. Depois
eu vou te tirar daqui.
Ela engoliu em seco, visivelmente tentando se recompor, mas suas bochechas
ainda queimavam com uma cor de escandalizada.
— Mão Negra morreu na noite passada. Desde então eu fui nomeada sua herdeira,
empurrada em posição de liderança, movida de uma reunião para a outra, forçada
a cumprimentar pessoas que não conheço, ordenada a usar este manto sufocante,
interrogada em uma miríade de assuntos pessoais, cutucada e espetada, avaliada e
julgava, e tudo isso sem um instante para recuperar meu fôlego. Então me
perdoem se ainda vacilo.
Os lábios da velha se comprimiram em uma linha fina, mas ela não discutiu.
— Eu sou a herdeira de Mão Negra. Ele me escolheu. Não se esqueçam — disse
, e embora Scott não soubesse dizer se ela falava com convicção ou escárnio,
o efeito foi silenciador.
— Responda uma coisa — disse a velha astutamente, após uma pausa pesada. — O
que foi feito de Patch?
Antes que pudesse responder, Dante deu um passo à frente.
— Ela não está mais com o Patch.
e Scott olharam aguçadamente um para o outro, e então para Dante. O que
foi isso? exigiu de Dante na conversa mental, incluindo Scott no papo a três.
Se eles não te deixarem liderar agora mesmo, você vai cair mortinha por causa do
juramento de sangue, respondeu Dante. Deixe que eu lido com isso.
Mentindo?
Tem uma ideia melhor?
quer liderar os Nephilim — falou Dante em voz alta. — Ela fará o que for
preciso. Terminar o trabalho de seu pai significa tudo para ela. Deem-lhe um dia
para ficar de luto, e ela vai cair de boca no trabalho, completamente
comprometida. Eu a treinarei. Ela pode fazer isso. Deem-lhe uma chance.
— Você vai treiná-la? — a velha perguntou a Dante com um olhar penetrante.
— Isso vai funcionar. Confie em mim.
A senhora ponderou por um longo instante.
— Marquem-na com a marca de Mão Negra — ela ordenou, por fim.
O olhar selvagem e assustador nos olhos de quase fez com que Scott se
dobrasse e vomitasse.
Os pesadelos. Eles apareciam do nada, dançando em sua cabeça. Rápidos.
Vertiginosos. E então veio a voz. A voz de Mão Negra. Scott pôs as mãos na orelha,
recuando. A voz maníaca cacarejava e sibilava até que as palavras ficaram todas
juntas e soaram como uma colmeia de abelhas chutada. A marca de Mão Negra,
queimada em seu peito, pulsava. Uma dor recente. Ele não conseguia diferenciar
entre ontem e agora.
Sua garganta foi desobstruída com um comando.
— Parem.
O cômodo pareceu hesitar. Corpos se deslocaram, e de repente Scott sentiu-se
esmagado por olhares hostis.
Ele pestanejou com força. Não conseguia pensar. Tinha que salvá-la. Ninguém
esteve por perto para impedir Mão Negra de marcá-lo. Scott não deixaria a mesma
coisa acontecer com .
A velha andou até Scott, seus saltos batendo no chão com uma cadência vagarosa
e deliberada. Sulcos profundos cortavam a pele dela. Olhos verdes aguados
espiavam de órbitas afundadas.
— Não acha que ela pode mostrar lealdade dando o exemplo? — Um sorriso fraco
e desafiador curvou os lábios dela.
O coração de Scott martelava.
— Faça-a demonstrar isso através de ações. — As palavras simplesmente saíram.
A mulher inclinou a cabeça para um lado.
— O que quer dizer?
Ao mesmo tempo, a voz de deslizou para dentro de sua cabeça. Scott? disse
ela, nervosa.
Ele rezou para não estar piorando as coisas e lambeu os lábios.
— Se Mão Negra quisesse que ela fosse marcada, ele mesmo teria feito isso. Ele
confiava nela o bastante para lhe dar este cargo. Isso basta para mim. Podemos
passar o resto do dia testando ela, ou podemos começar essa guerra de uma vez. A
nem trinta metros acima das nossas cabeças tem uma cidade de anjos caídos.
Traga um até aqui. Eu mesmo farei isso. Marque-o. Se quiser que anjos caídos
saibam que falamos a sério sobre a guerra, vamos lhes mandar uma mensagem. —
Ele conseguia ouvir sua própria respiração irregular.
Um sorriso lento aqueceu o rosto da velha.
— Oh, gosto disso. Muitíssimo. E quem é você, querido?
— Scott Parnell. — Ele puxou para baixo o colarinho de sua camiseta. Seu dedão
roçou a pele distorcida que formava sua marca, um punho fechado. — Vida longa à
visão de Mão Negra. — As palavras tinham gosto de bile em sua boca.
Colocando seus dedos finos nos ombros de Scott, a mulher se inclinou para frente
e beijou cada uma das bochechas dele. Sua pele era úmida e fria como a neve.
— E eu sou Lisa Martin. Conhecia Mão Negra muito bem. Vida longa ao seu
espírito, em todos nós. Traga-me um anjo caído, jovem, e nos deixe mandar uma
mensagem aos nossos inimigos.
Acabou logo.
Scott tinha ajudado a acorrentar um anjo caído, um garoto magrelo chamado
Baruch que parecia ter 15 anos humanos. O maior medo de Scott era de que eles
esperassem que marcasse o anjo caído, mas Lisa Martin tinha levado-a para
uma antecâmara privada.
Um Nephil encapuzado havia colocado o ferrete nas mãos de Scott. Ele olhou a
placa de mármore e o anjo caído algemado a ela. Ignorando os votos praguejantes
de vingança de Baruch, Scott repetiu as palavras que o Nephil encapuzado ao seu
lado murmurava em seu ouvido (um bando de besteira comparando Mão Negra a
uma divindade) e pressionou o ferro quente no peito nu do anjo caído.
Agora Scott estava curvado contra a parede do túnel do lado de fora da
antecâmara, esperando . Se ela ficasse ali mais que cinco minutos, ele iria atrás
dela. Ele não confiava em Lisa Martin. Não confiava em nenhum dos Nephilim
encapuzados. Estava claro que eles faziam parte de uma sociedade, e Scott
aprendeu de maneira difícil que nada bom provinha de segredos.
A porta foi aberta. saiu, e então jogou seus braços ao redor do pescoço dele e
se segurou firmemente. Obrigada.
Ele a segurou até ela parar de tremer.
Ossos do ofício, ele provocou, tentando acalmá-la da melhor maneira que podia.
Vou colocar a cobrança no correio.
Ela fungou, rindo.
— Dá pra ver que eles estavam muito empolgados em me ter como nova líder.
— Eles estão chocados.
— Chocados que Mão Negra deixou o futuro deles em minhas mãos. Viu o rosto
deles? Achei que fossem começar a choramingar. Ou isso ou jogar vegetais em
mim.
— Então, o que você vai fazer?
— Hank está morto, Scott. — Ela olhou diretamente para ele, e então secou seus olhos
passando os dedos por debaixo deles, e ele viu um relampejo de algo em sua expressão,
algo que não conseguiu decifrar. Garantia? Confiança? Ou, talvez, uma confissão direta. —
Eu vou comemorar.



CAPÍTULO1

Eu não sou uma garota festeira. Música de estourar os ouvidos, corpos em
movimento, sorrisos embriagados... nada a ver comigo. Meu sábado a noite ideal
seria ficar em casa aninhada no sofá assistindo uma comédia romântica com meu
namorado, Patch.
Previsível, contida... normal. Meu nome é , e embora eu costumasse ser
uma adolescente americana normal, comprando minhas roupas em liquidação na J.
Crew e gastando meu dinheiro de babá com o iTunes, eu e a normalidade nos
tornamos perfeitas estranhas recentemente. Na verdade, eu não reconheceria algo
normal nem SE marchasse até mim e cutucasse o meu olho.
A normalidade e eu nos distanciamos quando Patch entrou na minha vida. Patch é
dezoito centímetros mais alto que eu, só trabalha com uma lógica fria e dura, se
movimenta como fumaça, e mora sozinho em um estúdio supersecreto e
super-descolado embaixo do Parque de Diversões Delphic.
O som da sua voz, grave e sexy, derrete meu coração em apenas três segundos. Ele
também é um anjo caído, expulso do céu por sua flexibilidade em seguir regras.
Pessoalmente, eu acho que o Patch deu um baita de um susto na normalidade, e
ela saiu correndo para o outro lado do planeta.
Posso não ter normalidade, mas tenho uma estabilidade. Em especial na forma da
minha melhor amiga há doze anos, . e eu temos uma ligação inabalável
que até mesmo uma lista infindável de diferenças não pode quebrar. Dizem que os
opostos se atraem, e e eu somos prova da legitimidade disso. Eu sou alta e
magra com um grande cabelo cacheado que testa a minha paciência, e tenho
personalidade tipo A¹.
______________________________________

1 Indivíduos do tipo A são ambiciosos, organizados, podem ser sensíveis, se importam com outras
pessoas, são verdadeiros, impacientes, sempre tentam ajudar os outros, fazem mais coisas do que são
capazes, são proativos. São, muitas vezes, workaholics, fazendo muitas tarefas ao mesmo tempo, e se
esforçam para cumprir prazos, odiando tanto atrasos como ambivalência.
_________________________________________

é ainda mais alta, com cabelo loiro-acinzentado, olhos verdes serpentinos, e
mais curvas do que o trilho de uma montanha-russa. Quase sempre os desejos da
triunfam sobre os meus. E, ao contrário de mim, adora uma boa festa. Hoje
à noite, o desejo de de procurar uma boa festa nos levou para o outro lado da
cidade até um depósito feito de tijolos de quatro andares, bombando com música
de balada, inundado de identidades falsas e abarrotado de corpos produzindo suor
o bastante para elevar os gases do efeito estufa a um novo nível. A distribuição do
local era padrão: uma pista de dança imprensada entre um palco e um bar. Havia
boatos de que uma porta secreta atrás do bar dava a um porão, e o porão te levava
a um homem chamado Storky, que operava um negócio de falsificações de
sucesso. Líderes das comunidades religiosas ameaçavam fechar o viveiro de
iniquidade de adolescentes desordeiros... também conhecido como Devil’s
Handbag.
— Requebra, baby — gritou para mim por cima do thump, thump, thump sem
sentido da música, entrelaçando seus dedos nos meus e balançando nossas mãos
sobre as cabeças. Estávamos no centro da pista de dança, sendo empurradas e
trombadas de todos os lados. — É assim que um sábado à noite tem que ser. Nós
duas remexendo, nos soltando, liberando o bom e velho suor das garotas.
Fiz o meu melhor para dar um aceno de entusiasmo, mas o cara atrás de mim
ficava pisando no calcanhar da minha sapatilha de bailarina, e, a intervalos de
cinco segundos, eu tinha que enfiar meu pé nele. A garota à minha direita dançava
com os cotovelos para fora e, se eu não fosse cuidadosa, eu sabia que seria
esmurrada no ombro.
— Talvez devêssemos pegar umas bebidas — eu disse para . — Parece que
estamos na Flórida.
— É porque eu e você estamos incendiando este lugar. Dá uma olhada naquele
cara no bar. Ele não tira os olhos dos seus movimentos sensuais. — Ela lambeu os
dedos e os apertou contra meu ombro nu, fazendo um som escaldante.
Eu segui o olhar dela... e meu coração afundou.
Dante Matterazzi levantou o queixo, me cumprimentando. Seu próximo gesto foi
um pouco mais sutil.
Nunca imaginei que você dança, ele falou na minha mente.
Engraçado, eu imaginei que você persegue pessoas, eu atirei de volta.
Dante Matterazzi e eu pertencíamos à raça Nephilim, por isso a habilidade inata de
conversar mentalmente, mas as similaridades paravam por aí. Dante não sabia
deixar nada pra lá, e eu não sabia por quanto mais tempo eu conseguiria evitá-lo.
Eu o tinha conhecido pela primeira vez esta manhã mesmo, mas ele agia como se o
nosso relacionamento datasse de anos, no mínimo.
Deixei uma mensagem no seu celular, ele disse.
Nossa, não devo ter recebido. Mais para eu deletei.
Precisamos conversar.
Estou meio ocupada Para enfatizar meu argumento, eu girei meus quadris e
balancei os braços de um lado para o outro, fazendo o meu melhor para imitar ,
cujo canal de TV favorito era o BET², o que ela deixava bem claro. Ela tinha hip-hop
carimbado em sua alma.

__________________________________

2 BET, sigla de Black Entertainment Television, é um canal de TV a cabo cujo público-alvo são os
afrodescendentes. A programação do canal consiste música, filmes e seriados populares.
___________________________________

Um fraco sorriso elevou a boca de Dante.
Enquanto faz isso, peça para sua amiga te dar umas dicas. Você está toda
atrapalhada. Definitivamente um peixe fora d’ água. Encontre-me lá fora em dois
minutos.
Eu olhei feio para ele.
Ocupada, lembra?
Isso não pode esperar.
Com uma arqueada significativa das sobrancelhas, ele desapareceu na multidão.
— Quem perdeu foi ele — disse. — Não aguentou o calor. — Quanto àquelas
bebidas — eu disse. — Posso te trazer uma Coca? — não parecia pronta para
desistir de dançar tão cedo, e por mais que eu quisesse evitar Dante, imaginei que
fosse melhor simplesmente acabar com isso logo de uma vez. Engolir o sapo e
conversar com ele. A alternativa era ter ele de sombra pelo resto da noite.
— Coca com limão — disse.
Saí da pista de dança pelas beiradas e, depois de me certificar que não estava
me observando, abaixei-me por um corredor lateral e saí pela porta dos fundos. O
beco estava banhado pela luz do luar. Um Porsche Panamera vermelho estava
estacionado na minha frente, e Dante se inclinava contra ele, seu braço dobrado
frouxamente sobre o peito.
Dante tem 2,05m, o físico de um soldado recém-saído do treinamento de recrutas.
Só para exemplificar: ele tem mais músculos tonificados no pescoço do que eu
tenho no meu corpo todo. Hoje à noite ele estava usando calça cáqui solta e uma
camisa de linho branca desabotoada até a metade do peito, revelando um trecho
em V de pele suave e sem pelos. Exibido.
— Belo carro — eu disse.
— Dá conta do recado.
— Assim como o meu Volkswagen, que custou consideravelmente menos.
— É preciso mais que quatro rodas para ser um carro.
Ugh.
— Então — eu disse, batendo o pé. — O que é tão urgente?
— Ainda está namorando aquele anjo caído?
Era apenas a terceira vez em três horas que ele me perguntava isso. Duas vezes por
mensagem, e agora cara a cara. Meu relacionamento com Patch tinha passado por
muitos altos e baixos, mas a direção atual era positiva. Ainda tínhamos nossos
problemas, contudo. Em um mundo onde Nephilim e anjos caídos prefeririam
morrer a sorrir um para o outro, namorar um anjo caído definitivamente estava fora
de questão.
Eu me endireitei um pouco mais e disse:
— Você sabe.
— Está tomando cuidado?



— Discrição é meu lema. — Patch e eu não precisávamos que Dante nos dissesse
que era sensato não fazermos muitas aparições públicas juntos. Nephilim e anjos
caídos nunca precisaram de uma desculpa para ensinar uma lição uns aos outros, e
as tensões raciais entre os dois grupos estavam esquentando mais a cada dia que
passava. Era outono, outubro, para ser exata, e o mês judaico do Cheshvan era em
alguns dias.
A cada ano, durante o Cheshvan, anjos caídos possuíam multidões de corpos
Nephilim. Anjos caídos têm passe livre para fazer o que bem entenderem, e já que
essa era única vez durante o ano em que eles realmente conseguiam sentir
sensações físicas, a criatividade deles não conhecia limites. Eles vão atrás de prazer,
dor, e tudo entre os dois, brincando de parasitar seus hospedeiros Nephilim. Para
os Nephilim, o Cheshvan é uma prisão infernal.
Se Patch e eu fôssemos vistos apenas de mãos dadas pelos indivíduos errados, nós
pagaríamos, de um jeito ou de outro.
— Vamos falar sobre a sua imagem — disse Dante. — Precisamos gerar uma
atenção positiva sobre o seu nome. Levantar a confiança dos Nephilim em você.
Eu estalei os dedos teatralmente.
— Não odeia quando a sua taxa de aprovação está baixa?
Dante franziu o rosto.
— Isso não é piada, . Cheshvan começa em pouco mais de 72 horas, e isso
significa guerra. Anjos caídos de um lado, nós do outro. Tudo está em suas mãos,
você é a líder do exército Nephilim.
Uma náusea instalou-se no meu estômago. Eu não tinha exatamente solicitado o
cargo. Graças ao meu falecido pai, um homem verdadeiramente doente, eu tinha
sido forçada a herdar o posto. Fiz um juramento de sangue a fim de liderar seu
exército, e a falha em fazê-lo resultaria na minha morte, e na morte da minha mãe.
Sem pressão alguma.
— Apesar das nossas precauções, há boatos de que está namorando um anjo
caído, e que sua lealdade está dividida.
— Eu estou namorando um anjo caído.
Dante revirou os olhos.
— Acha que pode dizer isso mais alto?
Eu dei de ombros. Se for isso que realmente quer. Então eu abri a boca, mas Dante
estava ao meu lado em um instante, cobrindo-a.
— Eu sei que isso te mata, mas você poderia facilitar o meu trabalho só desta vez?
— ele murmurou no meu ouvido, olhando ao redor para as sombras com uma
inquietação óbvia, mesmo eu tendo certeza de que estávamos sozinhos. Eu só era
uma Nephilim pura há 24 horas, mas confiava no meu novo e afiado sexto sentido.
Se houvesse algum bisbilhoteiro a espreita, eu saberia.
— O que você tem em mente? — perguntei quando ele baixou a mão.
— Namore Scott Parnell.
Scott Parnell tinha sido o primeiro Nephilim com quem eu fiz amizade, na tenra
idade de cinco anos. Eu não soubera nada sobre sua verdadeira identidade naquela
época, mas nos últimos meses ele tinha tomado o posto, primeiramente, de meu



algoz, então de meu parceiro no crime, e, eventualmente, de meu amigo. Não havia
segredos entre nós. Igualmente, não havia romance ou química.
Eu dei risada.
— Assim você me mata, Dante.
— Seria apenas para mostrar. Pelo bem das aparências — ele explicou. — Só até a
nossa raça começar a gostar de você. Você só é Nephilim há um mísero dia.
Ninguém te conhece. As pessoas precisam de uma razão para gostar de você.
Temos que deixá-los confortáveis para confiarem em você.
— Não posso namorar o Scott — disse a Dante. — A gosta dele.
Dizer que tem sido azarada no amor seria otimismo. Nos últimos seis meses
ela, se apaixonou por um predador narcisista e por um traidor asqueroso. Não era
surpresa alguma seus dois relacionamentos a terem feito duvidar seriamente de
seus instintos amorosos. Ela tem, inequivocamente, se recusado até mesmo a sorrir
para o sexo oposto... isso até Scott chegar. No começo da noite passada, poucas
horas antes de meu pai ter me coagido a me transformar em um Nephilim pura
para que eu pudesse controlar seu exército, e eu tínhamos ido ao Devil’s
Handbag para ver Scott tocar baixo em sua nova banda, a Serpentine, e ela não
tinha parado de falar sobre ele. Aparecer e roubar Scott agora, mesmo que fosse
um truque, seria o maior dos golpes baixos.
— Não seria de verdade — repetiu Dante, como se isso tornasse tudo formidável.
ficaria sabendo disso?
— Não exatamente. Você e Scott teriam de ser convincentes. Seria desastroso que
isso vazasse, então gostaria de limitar a verdade entre nós três.
Eu fiz aquele negócio de colocar as mãos no quadril, tentando ser firme e inflexível.



— Então você vai precisar escolher outra pessoa. — Eu não estava enamorada pela
ideia de fingir namorar um Nephilim para elevar minha popularidade. De fato,
parecia um desastre prestes a acontecer, mas eu queria deixar essa bagunça para
trás. Se Dante achava que um namorado Nephilim me daria mais credibilidade,
então que fosse. Não seria de verdade. Obviamente que Patch não ficaria animado,
mas um problema por vez, certo?
A boca de Dante se comprimiu em uma linha, e ele fechou os olhos brevemente.
Invocando paciência.
— Ele precisa ser respeitado na comunidade Nephilim disse Dante pensativamente,
por fim. — Alguém com quem os Nephilim possam imaginar a líder deles.
Fiz um gesto de impaciência.
— Ótimo. Só jogue outra pessoa que não o Scott em cima de mim.
— Eu.
Eu recuei.
— Perdão. O quê? Você? — Eu estava chocada demais para cair na gargalhada.
— Por que não? — perguntou Dante.
— Quer mesmo que eu comece a enumerar os motivos? Porque poso ficar aqui
com você a noite toda. Para começo de conversa, você tem namorada.. qual é
mesmo o nome dela? Melinda? Marianne?
— Marina.
Eu fiz um gesto de tanto faz.
— Você também é, pelo menos, cinco anos mais velho do que eu em anos
humanos (um banquete completo para escândalos), não tem senso de humor, e...
ah é. A gente não se suporta.
— Sou o seu primeiro tenente...
— Porque o babaca do meu pai biológico te deu esta posição. Eu não tive escolha.
Dante não pareceu me ouvir.
— Nós nos conhecemos e sentimos uma ligação instantânea. É uma história que
todos acreditarão. — Ele sorriu. — Muita publicidade positiva.
— Se disser a palavra com P mais uma vez, eu vou... fazer algo drástico. — Como
dar um soco nele. E então me bater por ter considerado mesmo esse plano.
— Não seja precipitada — disse Dante. — Pense sobre isso.
— Estou pensando. — Contei até três nos dedos. — Beleza, feito. Péssima ideia.
Uma ideia realmente péssima. Eu digo não.
— Tem uma ideia melhor?
— Sim, mas eu vou precisar de um pouco de tempo para pensar em uma.
— Claro. Sem problemas, . — Ele contou até três nos dedos. — Beleza, tempo
esgotado. Preciso de um nome amanhã cedo. Caso não tenha sido dolorosamente
óbvio, sua reputação está escorrendo pelo ralo. A notícia da morte do seu pai e da
sua subsequente nova posição de liderança está se espalhando como fogo. As
pessoas estão falando sobre isso, e o que elas dizem não é bom. Precisamos que os
Nephilim acreditem em você. Precisamos que eles confiem que você está pensando
nos interesses deles, e que você pode terminar o trabalho do seu pai e nos libertar
das amarras dos anjos caídos daqui a três dias. Precisamos que eles te apoiem, e
vamos mostrar-lhes uma ótima razão atrás da outra. Começando com um
namorado Nephilim respeitado.
— Ei, gata, tudo bem por aqui?
Dante e eu nos viramos. estava na entrada da porta, nos olhando com
quantidades iguais de cautela e curiosidade.
— Ei, está tudo bem — disse, um pouquinho entusiasmada demais. — Você não
voltou mais com as nossas bebidas, e comecei a ficar preocupada — disse . Seu
olhar se deslocou de mim para Dante. Reconhecimento cintilou em seus olhos, e eu
percebi que ela se lembrava dele do bar. — Quem é você? — ela perguntou a ele.
— Ele? — eu interrompi. — Ah. Uh. Bem, ele é apenas um cara qualquer...
Dante deu um passo a frente, sua mão estendida.
— Dante Matterazzi. Sou um amigo da . Nós nos conhecemos há alguns dias
quando um amigo em comum, Scott Parnel, nos apresentou.
Do nada, o rosto de se iluminou.
— Você conhece Scott?
— É um bom amigo, na verdade.
— Qualquer amigo do Scott é meu amigo também.
Internamente, arranquei meus olhos.
— Então, o que você dois estão fazendo aqui? — perguntou a nós dois.
— Dante acabou de comprar um carro novo — eu disse, indo para o lado para
fornecer uma visão desobstruída do Porsche. — Ele não resistiu e veio se exibir.
Mas não olhe com muita atenção. Acho que está faltando o número da placa.
Dante teve que recorrer ao roubo, já que gastou todo o dinheiro depilando o peito
esta manhã, mas nossa, como resplandece.
— Engraçadinha — disse Dante, e eu pensei que ele fosse abotoar no mínimo mais
um botão da camisa, mas não.
— Se eu tivesse um carro desses, eu iria me exibir também — disse .
Dante falou:
— Eu tentei convencer a a dar uma volta, mas ela fica me dando fora.
— É porque ela tem um namorado durão. Ele deve ter sido educado em casa,
porque perdeu todas aquelas lições valiosas que aprendemos no jardim de infância
sobre como compartilhar. Se ele descobrir que você levou a para dar uma
voltinha, ele vai amarrar esse Porsche brilhante na árvore mais próxima.
— Nossa — eu disse — olha só que horas são. Não tem que estar em outro lugar,
Dante?
— Na verdade, minha noite está vaga. — Ele sorriu, devagar e relaxado, e eu sabia
que ele estava saboreando cada instante em que invadia a minha vida particular. Eu
deixei claro que qualquer contanto entre nós tinha que ser em particular, e ele
estava me mostrando o que pensava sobre as minhas “regras”. Em uma tentativa
patética de igualar o placar, eu lancei a ele meu olhar mais malvado e gelado.
— Está com sorte — disse . — Sabemos exatamente como preencher a sua
noite. Você vai passear com as duas garotas mais legais de Coldwater, Sr. Dante
Matterazzi.
— Dante não dança — eu interrompi rapidamente.
— Abro uma exceção, só desta vez — ele respondeu, abrindo a porta para nós.



bateu palmas, pulando para cima e para baixo.
— Eu sabia que esta noite ia ser de arrebentar! — ela guinchou, passando sob o
braço de Dante.
— Depois de você — disse Dante, colocando a palma da mão na parte inferior das
minhas costas e me guiando para dentro. Eu dei um tapa na mão dele, mas, para
meu desprazer, ele se inclinou mais para perto e murmurou:
— Que bom que tivemos essa conversinha.
Não resolvemos nada, eu falei para a mente dele. Esse negócio todo de namorado
e namorada? Nada foi firmado. Só uma coisinha para você ter em mente. E que
fique registrado: minha melhor amiga não deveria saber que você existe. Sua
melhor amiga acha que eu deveria botar seu namorado para correr, ele disse,
parecendo se divertir. Ela acha que qualquer coisa com um coração batendo
deveria substituí-lo. Eles têm assuntos inacabados.
Parece promissor.
Eles me seguiu pelo pequeno corredor que levava até a pista de dança, e eu senti
seu sorriso arrogante e açulante pelo caminho todo.
Está em menor número, . Só uma coisinha para você ter em mente.
A batida alta e monótona da música perfurou meu crânio como se fossem
marteladas. Apertei a ponte do meu nariz, recuando diante de uma dor de cabeça a
caminho. Eu estava com um dos cotovelos apoiado no bar, e usei minha mão livre
para pressionar um copo de água gelada contra minha testa.
— Já está cansada? — perguntou Dante, deixando na pista de dança e
deslizando na banqueta do bar ao meu lado.
— Faz ideia de quanto mais tempo ela ainda aguenta? — eu perguntei.
— Parece que ela recarregou as baterias.
— Da próxima vez que for comprar uma melhor amiga, me lembre de me afastar
das animadinhas. Ela não para nunca...
— Parece que você precisa de uma carona para casa.
Eu balancei a cabeça.
— Eu vim dirigindo, mas não posso deixar a aqui. Falando sério, quanto tempo
mais ela pode durar? — Obviamente, eu vinha me fazendo essa mesma pergunta
pelos últimos trinta minutos.
— Vou te dizer uma coisa. Vá para casa. Eu fico com a . Quando ela finalmente
se cansar, eu lhe dou uma carona de volta para casa.
— Achei que você não ia se envolver na minha vida pessoal. — Tentei soar
carrancuda, mas eu estava exausta, e a convicção simplesmente não transparecia.
— Sua regra, não minha.
Eu mordi o lábio.
— Talvez só desta vez. Afinal de contas, gosta de você. E você realmente tem
vigor para continuar dançando com ela. Quero dizer, isso é bom, não é?
Ele cutucou a minha perna.
— Pare de racionalizar tudo e vá logo embora daqui.
Para minha surpresa, eu suspirei de alívio.
— Obrigada, Dante. Te devo uma.
— Pode me retribuir amanhã. Precisamos terminar a nossa conversa.
E, bem assim, qualquer sentimento benevolente desapareceu. Mais uma vez, Dante
era a pedra no meu sapato, insistindo em incomodar.
— Se algo acontecer a , você será o culpado.
Com isso, eu fui embora.
Era uma noite sem nuvens, e a lua era de um azul assombroso contra o negro da
noite. Enquanto eu andava até o meu carro, m sica do Devil’s Handbag ecoava
como um ruído distante. Eu inalei o ar gélido de outubro. Só com isso minha dor
de cabeça já subsidia. Meu celular tocou.
— Como foi a noite das garotas? — Patch perguntou.
— Se eu fizesse as vontades da , ficaríamos aqui a noite toda. — Eu retirei meus
sapatos de salto alto e os pendurei nos dedos, preferindo andar descalça. — Só
consigo pensar em ir para cama.
— Partilhamos o mesmo pensamento.
— Está pensando em ir para cama também?
— Estou pensando em você na minha cama.
Meu estômago teve uma daquelas palpitações. Eu tinha passado a noite na casa do
Patch pela primeira vez ontem, e apesar da atração e da tentação terem estado,
definitivamente, presentes, nós terminamos dormindo em quartos separados. Eu
não estava certa até que ponto eu queria levar a nossa relação, mas meu instinto
dizia que Patch não estava tão indeciso.
— Minha mãe está acordada me esperando — eu disse. — Má hora. — Falando em
má hora, sem querer eu me lembrei da minha conversa mais recente com Dante. —
Podemos nos encontrar amanhã? Precisamos conversar.
— Isso não parece bom.
Eu mandei um beijo pelo celular.
—Senti saudades de você hoje à noite.
— A noite ainda não terminou. Depois que eu acabar com isso aqui, eu podia
passar na sua casa. Deixe a janela do seu quarto destrancada.
— No que está trabalhando?
— Vigilância.
Franzi a testa.
— Que vago.
— Meu alvo está se movimentando. Tenho que me mandar — disse ele. — Vou
para lá assim que der.
Então desligou.
Eu andei pela calçada, me perguntando quem Patch vigiava, e por que (o negócio
todo parecia um pouquinho nebuloso), quando o meu carro, um Volkswagen
Cabriolet branco de 1984, apareceu no meu campo de visão. Joguei meus sapatos
no banco de trás e caí atrás do volante. Enfiei a chave na ignição, mas o motor não
se mexeu. Fez um som repetitivo de força e trepidação, e eu aproveitei a
oportunidade para pensar em algumas palavras inventivas e escolhidas a dedo
sobre o pedaço inútil de sucata.
O carro tinha parado em minhas mãos após uma doação de Scott Parnel, e tinha
me dado mais horas de pesar do que quilômetros rodados na estrada. Saltei para
fora do carro e abri o capô, olhando feio e especulativamente para o labirinto
seboso de mangueiras e contêineres; eu já tinha lidado com o alternador, o
carburador e as velas de ignição. O que faltava?
— Problemas com o carro?
Eu me virei, surpresa com o som da voz de um homem atrás de mim. Não havia
escutado ninguém se aproximar. Ainda mais alarmante, eu não havia sentido sua
presença.
— Aparentemente sim— disse.
— Precisa de ajuda?
— Basicamente só preciso de um carro novo.
Ele sorriu.
— Não sei se posso te ajudar nisso, mas posso dar uma carona gratuita até o seu
destino de escolha.
Mantive distância, minha mente girando de modo selvagem enquanto eu tentava
categorizá-lo. Meu instinto me dizia que ele não era humano. Tampouco Nephilim.
O engraçado era que eu também não achava que ele era anjo caído. Ele tinha um
rosto redondo e angelical, com cabelo loiro amarelado em aspecto de palha, e
orelhas de Dumbo que se projetavam ligeiramente para fora. Parecia tão
inofensivo, na verdade, que me deixou instantaneamente suspeita. Instantaneamente desconfortável. — Obrigada pela oferta, mas já liguei para o guincho.
Disseram que um cara vai aparecer aqui a qualquer minuto.
O sorriso dele mudou momentaneamente, adotando um ar afetado e sombrio.
— Está ficando boa em mentir, . Acho que está pegando isso do seu
namorado.
Meu coração bateu mais rápido.
— Perdão, nós nos conhecemos?
— É meu trabalho conhecer seu namorado por dentro e por fora, de cima a baixo.
Onde ele vai, o que ele faz... quem ele beija. — Ele piscou, mas havia algo
inegavelmente traiçoeiro nisso.
Um pensamento aterrorizante tomou conta de mim. E se ele fosse um Nephilim e
eu não tivesse conseguido detetar isso? E se ele realmente soubesse sobre mim e
Patch? E se ele tinha me achado hoje à noite para passar uma mensagem: que
Nephilim e anjos caídos não se misturavam? Eu era uma Nephil nova, não era
páreo para ele se tivéssemos que recorrer à força física.
— Você pegou a garota errada — eu disse a ele. — Não tenho namorado. — Então
eu me virei, tentando ficar calma enquanto caminhava de volta para o Devil’s
Handbag.
— Diga a Patch que quero ter uma palavrinha com ele — o homem pronunciou
atrás de mim. — Diga que se ele não sair de seu esconderijo, eu vou sufocá-lo. Vou
queimar todo o Parque de Diversões Delphic se for necessário.
Olhei cautelosamente sobre meu ombro. Não sabia com o que Patch tinha se
metido, mas eu tinha um pressentimento desconfortável crescendo no meu
estômago. Quem quer que fosse este homem, ele falava sério, apesar de seus
traços angelicais.
Este homem se curvou sobre o Volkswagen, mexendo em algumas mangueiras
com dedos ágeis.
— Novinho em folha — anunciou, limpando as mãos. — Este pode ser o começo
de uma ótima parceria, . Eu te ajudo, você me ajuda.
Eu o vi ir embora, misturando-se nas sombras, assobiando uma música que
mandou arrepios pela minha espinha.


CAPÍTULO 2

Meia hora depois, estacionei na minha garagem. Moro com minha mãe em
uma genuína casa de fazenda no Maine, com pintura branca, persianas azuis, e
coberta por um nevoeiro constante. Nesta época do ano, as árvores brilham em
tons ardentes de vermelho e dourado, e o ar contém os cheiros nítidos de seiva de
pinheiro, lenha queimando e folhas úmidas. Corri até os degraus da varanda, onde
cinco abóboras corpulentas me observavam como sentinelas, e entrei.
— Cheguei! — chamei minha mãe, a luz na sala de estar entregando sua
localização. Eu coloquei as chaves em cima do aparador e voltei para achá-la.
Ela marcou a orelha da página em que parou, levantou-se do sofá, e me apertou
em um abraço.
— Como foi a sua noite?
— Fui oficialmente drenada de cada última gota de energia. — Eu apontei escada
acima. — Se eu chegar até a cama, vai ser por puro poder mental.
— Enquanto estava fora, um homem apareceu, te procurando.
Eu franzi a testa. Que homem?
— Ele não deixou o nome, e não me disse como te conhecia — continuou minha
mãe. — Devo ficar preocupada?
— Como ele era?
— Rosto redondo, tez avermelhada, cabelos loiros.
Então era ele. O homem que tinha uma rixa com Patch. Eu fabriquei um sorriso. —
Ah, certo. Era um vendedor. Ficou tentando me convencer a tirar as fotos de
formatura no estúdio dele. Aí quando for ver, ele vai querer me vender os convites
também.
Seria completamente nojento se eu não lavasse o meu rosto hoje à noite? Ficar
acordada por mais dois minutos já era forçar a este ponto.
Minha mãe beijou a minha testa.
— Bons sonhos.



Subi até meu quarto, fechei a porta, e me deixei cair de braços abertos na cama. A
m sica do Devil’s Handbag ainda pulsava na parte de três da minha cabeça, mas eu
estava cansada demais para me importar com isso. Meus olhos já estavam
parcialmente fechados quando me lembrei da janela. Com um resmungo,
cambaleei e retirei a tranca. Patch podia entrar, mas eu lhe desejei sorte se tentasse
me manter acordada tempo o bastante para extrair uma resposta.
Puxei minhas cobertas até o queixo, senti o puxão suave e feliz de um sonho me
chamando mais para perto, e deixei ele me arrastar...
E então o colchão se afundou com o peso de outro corpo.
— Não sei por que está tão apaixonada por esta cama — disse Patch. — Tem trinta
centímetros a menos de altura, um metro e vinte a menos de largura, e os lençóis
roxos não funcionam comigo. A minha cama, por outro lado...
Abri um olho e o encontrei esticado ao meu lado, suas mãos apertadas
frouxamente em sua nuca. Seus olhos escuros observavam os meus, e ele tinha um
cheiro de limpo e sexy. Mais que tudo, ele estava quente, pressionado contra mim.
Apesar das minhas boas intenções, esta proximidade tornava cada vez mais difícil
me concentrar em dormir.
— Ha — disse. — Eu sei que não liga se a minha cama é confortável ou não. Você
não veria problemas em um catre de tijolos. — Uma das desvantagens de Patch ser
um anjo caído era que ele não podia sentir sensações físicas. Sem dor, mas
tampouco sem prazer. Eu tinha que me contentar que, quando eu o beijava, ele
sentia meu beijo apenas emocionalmente. Eu tentei fingir que não ligava para isso,
mas queria que ele se sentisse eletrizado com o meu toque.
Ele me beijou de leve na boca.
—Sobre o que você queria falar?
Não conseguia me lembrar. Algo sobre Dante. O que quer que fosse, parecia não
ter importância. Falar, no geral, parecia não ter importância. Eu me aninhei mais
para perto, e Patch roçou sua mão pelo meu braço nu, fazendo uma sensação
quente e formigante atirar-se até os meus dedos dos pés.
— Quando é que eu vou te ver dançando? — perguntou. — Nunca dançamos
juntos no Devil's Handbag.
— Não está perdendo muita coisa. Me disseram hoje à noite que sou
definitivamente um peixe fora d'água na pista de dança.
precisa ser mais boazinha com você — ele murmurou, pressionando um
beijo no meu ouvido.
não foi a autora dessa frase. O crédito é de Dante Matterazzi — confessei
distraída, os beijos de Patch me embalando em um lugar feliz que não precisava de
muito raciocínio ou premeditação.
— Dante? — repetiu Patch, algo desagradável rastejando sobre seu tom.
Porcaria.
— Esqueci de mencionar que Dante estava lá? — perguntei. Patch também tinha
conhecido Dante nesta manhã e, na maior parte do encontro tenso, eu temi que
um fosse arrastar o outro para uma briga. Não é preciso dizer que não foi amor à
primeira vista. Patch não gostou de Dante agindo como se fosse meu assessor
político e me pressionando para entrar em guerra com os anjos caídos, e Dante..
bem, Dante odiava anjos caídos por princípio.
Os olhos de Patch gelaram.
— O que ele queria?
— Ah, agora me lembro sobre o que eu queria falar com você. — Estalei minhas
articulações dos dedos das mãos. — Dante está tentando me promover para a raça
Nephilim. Sou a líder deles agora. O problema é que eles não confiam em mim.
Não me conhecem. E Dante tem como missão mudar isso.
— Conte uma novidade.
— Dante acha que pode ser uma boa ideia que eu, hm, namore ele. Não se
preocupe! — me apressei em dizer. — É tudo de faz de conta. Tenho que fazer os
Nephilim pensarem que a líder deles está investida nisso. Vamos esmagar os
boatos de que estou namorando um anjo caído. Nada é mais solidário do que
pegar um da sua própria espécie, sabe? Gera boa publicidade. Podem até mesmo
nos chamar de nte. Ou Danta. Acha que soa bem? — perguntei, tentando
manter o bom humor.
A boca de Patch adotou uma posição carrancuda.
— Na verdade, não acho que soa nada bem.
— Se serve de consolo, não suporto o Dante. Não se preocupe.
— Minha namorada quer namorar outro cara, é, não vou me preocupar.
— É só para aparecer. Olhe pelo lado positivo...
Patch riu, mas não havia humor nisso.
— Tem um lado positivo?
— É só no Cheshvan. Hank deixou os Nephilim todos afoitos com este momento.
Ele prometeu a eles a salvação, e eles ainda acham que vão consegui-la. Quando o
Cheshvan chegar, e acabar sendo como qualquer outro Cheshvan registrado, eles
vão perceber que era um negócio arriscado e, pouco a pouco, as coisas vão voltar
ao normal. No meio tempo, enquanto estão de temperamento quente e as
esperanças e sonhos dos Nephilim se apoiam na falsa crença de que posso libertá-
los dos anjos caídos, temos que deixá-los felizes.
— Já te ocorreu que os Nephilim podem te culpar quando a salvação deles não
acontecer? Hank fez um monte de promessas, e quando elas não forem cumpridas,
ninguém vai responsabilizá-lo. Agora você é a líder. Você é o rosto desta
campanha, Anjo — disse ele, solene.
Encarei o teto. Sim, tinha pensado nisso. Mais vezes hoje do que eu queria
contemplar e continuar com a minha sanidade.
Há o que parecia uma eternidade, os arcanjos me fizeram o acordo dos meus
sonhos. Prometeram me dar o poder de matar Hank... se eu esmagasse a rebelião
dos Nephilim. No começo, não pensei em aceitar o negócio, mas Hank me forçou.
Ele tentou queimar a pena do Patch e mandá-lo para o inferno. Então eu atirei nele.
Hank estava morto, e os arcanjos esperavam que eu impedisse os Nephilim de
entrar em guerra.
Aqui que as coisas ficavam complicadas. Apenas horas antes de eu atirar em Hank,
eu tinha prestado um juramento a ele, jurando liderar seu exército Nephilim. Se eu
falhasse em cumpri minha missão, isso resultaria na minha morte, e na da minha
mãe.
Como cumprir minha promessa aos arcanjos e meu juramento a Hank? Eu via
apenas uma opção. Eu iria liderar o exército de Hank. E lhes trazer paz.
Provavelmente não era isso que ele tinha em mente quando me forçou a fazer o
juramento, mas ele não estava mais por perto para discutir os detalhes. Não me
tinha passado despercebido, contudo, que, ao virar as costas para a rebelião, eu
também estava permitindo que os Nephilim continuassem presos aos anjos caídos.
Não parecia certo, mas a vida era pavimentada por decisões difíceis. Como eu
estava aprendendo bem demais. Agora, eu estava mais preocupada em manter os
arcanjos felizes do que com os Nephilim.
— O que sabemos sobre o meu juramento? — perguntei a Patch. — Dante disse
que entrou em vigor quando Hank morreu, mas quem determina se eu o obedeço
ou não? Quem determina o que eu posso ou não posso fazer, em relação a cumprir
meu juramento? Você, por exemplo. Estou me confidenciando com você, um anjo
caído e inimigo jurado dos Nephilim. O juramento não vai me matar por traição?
— O juramento que você fez era o mais vago possível. Felizmente — disse Patch
com um alívio óbvio.
Ah, tinha sido bastante vago. E no ponto. Se você morrer, Hank, vou liderar o seu
exército. Nem uma palavra a mais.
— Enquanto permanecer no poder e liderar os Nephilim, acho que você está
dentro dos termos do juramento — disse Patch. — Você nunca prometeu a Hank
que guerrearia.
— Em outras palavras, o plano é ficar de fora da guerra e manter os arcanjos
felizes.
Patch suspirou, quase para si mesmo.
— Algumas coisas não mudam nunca.
— Depois do Cheshvan, depois dos Nephilim desistirem da liberdade, e depois de
colocarmos um sorriso grande e gordo de contentamento nos rostos dos arcanjos,
podemos deixar tudo isso para trás. — Eu o beijei. — Seremos só você e eu.
Patch resmungou.
— Essa parte não chega nunca.
— Ei, escuta — eu disse a ele, ansiosa para mudar para qualquer tópico que não
fosse guerra — Fui abordada por um homem hoje à noite. Um homem que quer ter
uma palavrinha com você.
Patch assentiu.
— Pepper Friberg.
— Pepper tem um rosto redondo como uma bola de basquete?
Ele assentiu de novo.
— Ele está me seguindo porque acha que voltei atrás num acordo que fizemos. Ele
não quer ter uma palavrinha comigo. Quer me acorrentar no inferno e se ver livre
de mim.
— Só eu que acho, ou isso soa meio sério?
— Pepper Friberg é um arcanjo, mas ele está metido em mais de uma coisa só. Ele
está levando uma vida dupla, passando metade do seu tempo como arcanjo, e a
outra metade se fazendo passar por humano. Até agora, ele está tirando proveito
do melhor dos dois mundos. Ele tem o poder de um arcanjo, o que ele nem sempre
utiliza para o bem, enquanto cede aos vícios dos humanos.
Então Pepper era um arcanjo. Não era de se admirar que eu não tivesse sido capaz
de identificá-lo. Eu não tinha tido muita experiência com arcanjos.
Patch continuou:
— Alguém descobriu sua desonestidade, e há rumores de que o estão
chantageando. Se Pepper não pagar logo, suas férias na Terra vão se tornar muito
mais permanentes. Os arcanjos irão tirar seu poder e arrancar suas asas se
descobrirem o que ele anda aprontando. Ele vai ficar preso aqui de vez.
As peças se encaixaram.
— Ele acha que você está chantageando ele.
— Há algum tempo eu descobri o que ele estava aprontando. Concordei em
manter o segredo dele, e, em troca, ele concordou em me ajudar a colocar as mãos
em uma cópia do Livro de Enoque. Ele ainda não cumpriu sua parte, e parece
lógico ele achar que eu estou me sentindo deixado de lado. Mas acho que ele deve
ter sido descuidado e tem outro anjo caído por aí procurando se beneficiar de seus
delitos.
— Disse isso a Pepper?
Patch sorriu.
— Estou tentando. Ele não está se sentindo muito falante.
— Ele disse que vai queimar toda a Delphic se isso for preciso para te sufocar. —
Eu sabia que arcanjos não ousavam colocar os pés dentro do Parque de Diversões
Delphic, temendo por sua segurança em um lugar construído e altamente povoado
por anjos caídos, então a ameaça fazia sentido.
— Ele está com o dele na reta e está ficando desesperado. Posso ter que me
esconder.
— Se esconder?
— Ficar fora de vista. De cabeça baixa.
Eu me apoiei em um cotovelo e encarei Patch.
— Como me encaixo neste plano?
— Ele acha que você é a passagem de ida até mim. Vai ficar grudado em você
como esparadrapo. O carro dele está estacionado na rua debaixo agora mesmo, de
olhos atentos à procura do meu carro. — Patch alisou minha bochecha com seu
polegar. — Ele é bom, mas não bom o bastante para me impedir de passar um
tempo com a minha garota.
— Prometa que sempre vai estar dois passos a frente dele. — Pensar em Pepper
capturando Patch e o colocando na estrada livre até o inferno não me dava,
precisamente, uma sensação calorosa e aconchegante.
Patch enganchou um dedo no decote da minha roupa e me puxou para um beijo.
— Não se preocupe, Anjo. Tenho sido sorrateiro há mais tempo.
Quando acordei, o outro lado da cama estava frio. Eu sorri para a lembrança de
dormir enrolada nos braços do Patch, me concentrado nisso e não na
probabilidade de que Pepper Friberg, conhecido também como Sr. Arcanjo com
um Segredo Sujo, tivesse sentado do lado de fora da minha casa a noite toda,
brincando de espião.
Pensei em um ano atrás, no outono do meu segundo ano. Naquela época, eu não
tinha nem mesmo beijado um cara. Eu nunca poderia ter imaginado o que me
aguardava. Patch significava mais para mim do que eu seria capaz de dizer. Seu
amor e fé em mim tiravam a dor das decisões difíceis que eu tinha sido forçada a
tomar recentemente. Sempre que dúvida e arrependimento rastejavam para a
minha consciência, tudo o que eu precisava fazer era pensar no Patch. Eu não tinha
certeza se fazia a escolha certa toda vez, mas tinha uma certeza. Eu tinha feito a
escolha certa com Patch. Eu não podia desistir dele. Nunca.
Ao meio-dia, ligou.
— Que tal eu e você irmos correr? — disse ela. — Acabei de comprar um par novo
de tênis, e preciso lacear essas belezinhas.
, estou com bolhas por dançar a noite passada. E, espera um minuto. Desde
quando você gosta de correr?
— Não é segredo que estou com alguns quilos a mais — disse ela. — Tenho ossos
grandes, mas isso não é desculpa para deixar um pouquinho de flacidez me
segurar. Tem um cara aí chamado Scott Parnell, e se me livrar de peso extra é o que
for preciso para que eu tenha coragem de ir atrás dele, então é isso que vou fazer.
Quero que Scott me olhe do jeito que Patch olha para você. Eu não falava a sério
sobre esse negócio de fazer dieta e exercício antes, mas estou virando uma nova
página. Começando hoje, eu amo exercícios. É o meu novo melhor amigo.
— Ah é? E eu?
— Assim que eu perder esse peso, você vai voltar a ser a minha garota preferida.
Passo para te buscar em 20 minutos. Não esqueça a faixa de cabelo. Seu cabelo faz
coisas assustadoras quando fica úmido.
Eu desliguei, passei uma regata por sobre a cabeça, depois um moletom, e finalizei
com o tênis.
Bem na hora, apareceu para me buscar. E, imediatamente, ficou claro que não
estávamos indo para a pista de corrida do colégio. Ela conduziu seu Neon roxo
pela cidade, na direção oposta a da escola, cantarolando para si mesma.
Eu disse:
— Para onde estamos indo?
— Estava pensando em correr nas colinas. Colinas são boas para os glúteos. — Ela
virou o Neon na estrada Deacon, e uma luz se acendeu na minha cabeça.
— Espera aí. Scott mora na estrada Deacon.
— Agora que pensei nisso, ele mora mesmo.
— Vamos correr ao lado da casa do Scott? Isso não é meio que... sei lá... coisa de
perseguidor?
— É um jeito bem pessimista de encarar as coisas, . Por que não ver isso como
motivação? Olho no prêmio.
— E se ele nos vir?
— Você é amiga do Scott. Se ele nos vir, provavelmente vai sair e conversar com a
gente. E seria rude não parar e lhe dar alguns minutos do nosso tempo.
— Em outras palavras, não vamos correr. É uma emboscada.
fez um meneio com a cabeça.
— Você não é nem um pouco divertida.
Ela dirigiu vagarosamente pela Deacon, um trecho sinuoso de uma estrada
pitoresca, com sempre-vivas densas beirando ambos os lados. Dentro de duas
semanas, elas estariam cobertas de neve.
Scott morava com sua mãe, Lynn Parnell, em um conjunto de apartamentos que
entrou no nosso campo de visão na curva seguinte. Durante o verão, Scott tinha se
mudado e se escondido. Ele havia desertado o exército Nephilim de Hank Millar, e
Hank havia procurado incansavelmente por ele, esperando torná-lo um exemplo.
Depois que eu matei Hank, Scott tinha ficado livre para voltar para casa.
Uma cerca de cimento protegia a propriedade, e embora eu tivesse certeza de que
a intenção tinha sido a de ter privacidade, isso dava ao local uma sensação de
prisão. entrou pelo portão e eu tive um flashback da vez em que ela me ajudou
a bisbilhotar o quarto do Scott. Na época que eu achava que ele era um babaca
que iria aprontar alguma. Nossa, como as coisas tinham mudado. estacionou
perto das quadras de tênis. As redes já tinham sumido há muito tempo, e alguém
havia decorado o turfe com pichação.
Saímos e nos alongamos por alguns minutos.
disse:
— Não me sinto segura deixando o Neon abandonado por muito tempo nesse
bairro. Talvez devêssemos dar voltas ao redor do conjunto. Dessa forma posso ficar
de olho no meu bebê.
— Aham. Também dá ao Scott mais chance de ver a gente.
usava uma calça de moletom rosa-shocking com DIVA estampado na bunda
em glitter dourado, e uma jaqueta rosa-shocking de lã. Ela também estava
maquiada completamente, com brincos de diamantes em suas orelhas, um maxi
anel de rubi, e cheirava a Pure Poison, da Dior. Simplesmente um dia normal de
corrida.
Aceleramos o passo e começamos a correr lentamente pela trilha de terra que
circulava o conjunto. O sol tinha aparecido e, após três voltas, retirei meu moletom,
amarrando-o em volta da minha cintura. foi, em linha reta, até um banco
desgastado do parque e se arrastou, sugando ar.
— Acho que já foram oito quilômetros — disse ela.
Eu inspecionei a trilha. Claro... se subtraísse, mais ou menos, seis quilômetros.
— Talvez devêssemos espiar a janela do Scott — sugeriu — É domingo. Ele
pode estar dormindo além da conta e precisando de um despertador amigável.
— Scott mora no terceiro andar. A não ser que você tenha uma escada de doze
metros escondida no porta-malas do Neon, espiar pela janela está fora de questão.
— Podemos tentar algo mais direto. Tipo bater na porta dele.
Bem então um Plymouth Barracuda laranja, aproximadamente dos anos 1970,
chegou no estacionamento com um vrum. Parou debaixo da garagem, e Scott saiu
de dentro. Como a maioria dos homens Nephilim, Scott tinha o corpo de alguém
aparentemente bastante familiar com uma sala de musculação. Ele também era é
extraordinariamente alto, chegando quase a dois metros. Deixava seu cabelo
cortado tão curto quanto um presidiário, e era bonitão, de um jeito durão e
fortificado. Hoje ele vestia um shorts de basquete combinando com uma camiseta
com as mangas rasgadas.
se abanou.
— Uepa!
Levantei a mão no ar, com a intenção de chamar Scott e conseguir sua atenção,
quando a porta do passageiro do Barracuda se abriu e Dante emergiu.
— Dá uma olhada só — disse . — É o Dante. Faça as contas. Eles são dois, e nós
somos duas. Sabia que eu gostava de correr.
— Estou sentindo uma compulsão súbita de continuar correndo — murmurei. E de
não parar até colocar uma grande distância entre eu e Dante. Não estava com
vontade de prosseguir a conversa de ontem à noite. Do mesmo jeito, não estava
com vontade que bancasse cupido. Ela era irritantemente boa nisso.
— Tarde demais. Fomos avistadas. — balançou o braço em cima da sua cabeça
como uma hélice de helicóptero.
Como dito, Scott e Dante recuaram contra o Barracuda, balançando as cabeças e
sorrindo para nós.
— Está me perseguindo, ? — gritou Scott.
— Ele é todo seu — eu disse a . — Vou terminar de correr.
— E o Dante? Ele vai ficar de vela — disse ela.
— Vai ser bom para ele, confie em mim.
— Onde é o incêndio, ? — Scott chamou, e, para minha consternação, ele e
Dante começaram a correr.
— Estou treinando — atirei de volta. — Estou pensando em... tentar entrar na
equipe de corrida.
— As corridas não começam até a primavera — lembrou-me .
Tentei de tudo.
— Oh-ou, a frequência cardíaca está caindo — gritei para Scott. E, com isso, saí
correndo em disparada na direção oposta.
Ouvi Scott na trilha atrás de mim. Um minuto depois, ele agarrou a alça da minha
regata, puxando-a de brincadeira.
— Quer me dizer o que está acontecendo?
Eu me virei para encará-lo.
— O que parece?
— Parece que você e a vieram até aqui para me ver, sob o pretexto de
correrem.
Dei um tapinha de parabéns no ombro dele.
— Bom trabalho, campeão.
— Então por que está fugindo? E por que está cheirando a uma fábrica de
perfume?
Eu permaneci em silêncio, deixando que ele descobrisse.
— Ah — disse ele por fim.
Eu abri as mãos.
— Meu trabalho aqui está terminado.
— Não me entenda mal, mas não sei se estou pronto para sair com a o dia
todo. Ela é bastante... intensa.
Antes que eu pudesse dar o sábio conselho “Finja até estar pronto”, Dante
apareceu do meu lado.
— Posso ter uma palavra com você? — perguntou.
— Eita — eu disse baixinho.
— Essa é a minha deixa — disse Scott, e, para meu desânimo, ele correu para
longe, me deixando a sós com Dante.
— Consegue correr e conversar ao mesmo tempo? — perguntei a Dante, pensando
que preferia não ter que olhar nos olhos dele enquanto ele reprocessava suas
opiniões sobre nossa relação provisória. Além do mais, isso dizia muito sobre o
quanto eu estava a fim de ter esta conversa.
Como resposta, Dante acelerou o passo, correndo ao meu lado.
— Que bom vê-la correndo — disse ele.
— É? Por quê? — ofeguei, empurrando alguns fios de cabelos soltos para longe do
meu rosto encharcado de suor. — Fica animado ao me ver completamente
bagunçada?
— Isso, e é um bom treinamento para o que tenho reservado para você.
— Tem algo reservado para mim? Por que tenho a sensação de que não quero
ouvir mais?
— Você pode ser uma Nephilim agora, , mas está em desvantagem. Ao
contrário de Nephilim concebidos naturalmente, você não tem a vantagem de uma
altura elevada, e não é tão poderosa fisicamente.
— Sou muito mais forte do que você pensa— eu reclamei.
— Mais forte do que você era. Mas não tão forte quanto uma Nephilim do sexo
feminino. Você tem o mesmo corpo de quando era humana, e, embora fosse
adequado para seu propósito, não é o
bastante para competir agora. Sua estrutura é muito magra. Comparada a mim,
você é abismalmente baixa. E seu tônus muscular é patético.
— Nossa, quanta bajulação.
— Eu poderia te dizer o que acho que você quer escutar, ao invés do que você
precisa ouvir, mas eu seria mesmo seu amigo se fizesse isso?
— Por que acha que precisa me dizer isso?
— Não está preparada para lutar. Você não tem a mínima chance contra um anjo
caído. É simples assim.
— Estou confusa. Por que eu preciso lutar? Achei que deixei repetidamente claro
ontem que não vai haver guerra. Vou liderar os Nephilim e lhes trazer paz. — E
manter os arcanjos longe de mim. Patch e eu tínhamos decidido, sem erro, que
Nephilim enfurecidos eram um inimigo melhor do que os arcanjos todo-
poderosos. Estava evidente que Dante queria batalhar, mas nós discordávamos. E,
como líder do exército Nephilim, a decisão final era minha. Senti que Dante estava
me questionando, e não gostei nem um pouquinho disso.
Ele parou, me pegando pelo pulso para que pudesse olhar direto para mim.
— Você não pode controlar tudo que acontece daqui em diante — disse ele bem
baixo, e um arrepio de mau presságio deslizou por mim como se eu tivesse
engolido um cubo de gelo.



— Eu sei que pensa que estou pegando no seu pé, mas prometi a Hank que
cuidaria de você. Te digo uma coisa. Se a guerra estourar, ou mesmo se houver
uma baderna, você não vai sobreviver. Não no seu estado atual. Se algo acontecer
com você e você for incapaz de liderar o exército, você vai ter quebrado o seu
juramento, e sabe o que isso significa.
Ah, eu sabia o que significava, muito bem. Cavar a minha própria cova. E arrastar a
minha mãe junto.
— Eu quero lhe ensinar habilidades o bastante para você se virar, como precaução
— disse Dante. — Isso é tudo que estou sugerindo. Eu engoli em seco.
— Você acha que se eu treinar com você, vou chegar ao ponto de estar forte o
bastante para conseguir lidar com as coisas sozinha — Contra anjos caídos eu
conseguiria. Mas e quanto aos arcanjos? Prometi impedir a rebelião. Treinar para
batalha não combinava com esse objetivo.
— Acho que vale a pena.
A ideia de uma guerra transformava meu estômago em um maço de nós, mas não
queria demonstrar medo na frente de Dante. Ele já pensava que eu não sabia me
cuidar.
— Então, qual dos dois? Você é meu pseudo-namorado ou meu personal trainer?
A boca dele se contorceu.
— Ambos.



CAPÍTULO 3

Quando me deixou após a corrida, haviam duas chamadas não atendidas
no meu celular. A primeira era de Marcie Millar, minha às vezes arqui-inimiga e,
como o destino sempre prega peças, minha meia-irmã de sangue, mas não por
amor. Eu passei os últimos 17 anos sem ter nenhum conhecimento de que a
menina que roubou meu leite achocolatado no primário e colou absorventes
femininos no meu armário da escola no ensino fundamental compartilhava do meu
DNA. Marcie descobriu a verdade primeiro, e arremessou-a na minha cara.
Tínhamos um contrato tácito de não discutir nossa relação publicamente, e, na
maior parte do tempo, o conhecimento disso não nos mudou de nenhuma
maneira. Marcie ainda era uma cabeça de vento mimada e anoréxica, e eu ainda
passava boa parte das minhas horas acordada observando tudo à minha volta,
querendo saber o próximo esquema de humilhação que ela tem preparado para
mim.
Marcie não havia deixado uma mensagem, e eu não conseguia adivinhar o que ela
queria de mim, então eu passei para a próxima chamada perdida. Número
desconhecido. O correio de voz consistia em uma respiração controlada, baixa e
masculina, mas não em palavras reais. Poderia ser Dante, talvez Patch. Talvez até o
Pepper Friberg. O meu número pessoal estava na lista, e, com um pouco de espírito
investigativo, Pepper poderia o ter rastreado. Não era o mais reconfortante dos
pensamentos.
Eu arrastei o meu cofre de porquinho de debaixo da minha cama, tirei o fundo
falso de borracha, e sacudi 75 dólares de dentro dele. Amanhã, Dante vinha me
pegar às cinco da manhã para praticar corrida de velocidade e levantamento de
peso, e depois de um olhar de nojo para os meus tênis atuais, ele comentou:
— Eles não vão durar nem um dia de treinamento. — Então aqui estava eu, usando
a minha mesada para comprar tênis de corrida.
Eu não achava que a ameaça de guerra fosse tão grave como Dante fazia soar,
especialmente já que Patch e eu, secretamente, temos planos para tirar os Nephilim
da revolta predestinada, mas as palavras dele sobre o meu tamanho, velocidade e agilidade tinham me atingido em cheio. Eu era menor do que todos os outros
Nephilim que eu conhecia. Ao contrário deles, eu tinha nascido em um corpo
humano (peso na média, com tônus muscular mediano, comum em todos os
aspectos) até realizar uma transfusão de sangue e o juramento do Voto de
Transição me transformar em uma Nephilim. Eu era um deles na teoria, mas não na
prática. Eu não queria que esta discrepância pintasse um alvo nas minhas costas,
mas uma vozinha no fundo da minha mente sussurrou que talvez isso acontecesse.
E eu tinha que fazer o que fosse preciso para ficar no poder.
— Por que nós temos que começar tão cedo? — deveria ter sido minha primeira
pergunta a Dante, mas eu suspeitava que sabia a resposta. Os seres humanos mais
rápidos do mundo pareceriam que estavam dando um passeio calmo se correrem
ao lado de um Nephilim. Na velocidade máxima, eu suspeitava que um Nephilim
no seu auge poderia correr acima de 80 quilômetros por hora. Se Dante e eu
fôssemos vistos a essa velocidade na pista de corrida da escola, iríamos chamar
muita atenção indesejada. Mas na madrugada de segunda-feira, a maioria dos
seres humanos estava dormindo, dando a Dante e a mim a oportunidade perfeita
para ter um treino sem preocupações.
Eu meti o dinheiro no bolso e me dirigi para o térreo.
— Eu vou estar de volta em poucas horas! — eu gritei para minha mãe.
— O assado sai às seis, portanto não se atrase — ela respondeu da cozinha.
Vinte minutos depois, eu passava pelas portas do Pete's Locker Room e seguia para
o departamento de sapatos. Eu experimentei alguns pares de tênis de corrida, até
escolher um par da prateleira de liquidação. Dante podia ter a minha manhã de
segunda (um dia de folga da escola, devido a um conselho de classe dos
professores em todo o distrito), mas eu não iria lhe dar a soma total de minha
mesada também.
Eu paguei pelos meus sapatos e verifiquei a hora no meu celular. Nem mesmo
eram quatro ainda. Como precaução, Patch e eu tínhamos concordado em limitar
chamadas em público a um mínimo, mas um olhar apressado pelos dois lado da
calçada me confirmou que eu estava sozinha. Recuperei o telefone não rastreável
que Patch me deu da minha bolsa e disquei o seu número.
— Eu tenho duas horas livres — eu disse a ele, caminhando em direção ao meu
carro, que estava estacionado na quadra seguinte. — Tem um celeiro muito
privado e bastante isolado na Lookout Hill Park atrás do carrossel. Eu poderia
chegar lá em 15 minutos.
Eu ouvi o sorriso em sua voz.
— Você me quer demais.
— Eu preciso de um aumento de endorfina.
— E dar uns amassos em um celeiro abandonado comigo vai dar-lhe um aumento?
— Não, isto provavelmente irá me colocar em um coma de endorfina, e eu estou
mais do que feliz em testar a teoria. Estou saindo do Pete's Locker Room agora. Se
os sinais de trânsito estiverem em meu favor, eu posso chegar lá em até 10...
Eu não consegui terminar. Um saco de pano caiu sobre a minha cabeça, e eu fui
arrastada em um abraço de urso por trás. Na minha surpresa, eu deixei cair o
telefone celular. Eu gritei e tentei balançar meus braços para me libertar, mas as
mãos me empurrando para a frente em direção à rua eram muito fortes. Eu ouvi
um grande veículo fazer um estrondo na rua, e depois veio parar bruscamente ao
meu lado.
Uma porta se abriu, e eu fui empurrada para dentro.
O ar dentro da van tinha o cheiro forte de suor mascarado por um aerossol de
limão. O calor foi aumentado até o máximo, a alta temperatura vazando através de
aberturas na parte da frente, fazendo-me suar. Talvez fosse essa a intenção.
— O que está acontecendo? O que você quer? — eu exigi com raiva. O peso total
do que estava acontecendo não tinha me atingido ainda, me deixando mais
indignada do que assustada. Nenhuma resposta veio, mas eu ouvi a respiração
constante de dois indivíduos nas proximidades. Eram os dois, mais o motorista, o
que significava que havia três deles. Contra uma de mim.
Meus braços foram torcidos por trás das minhas costas, presos juntos com o que
parecia ser uma corrente para reboques. Meus tornozelos foram apertados por uma
corrente pesada semelhante. Eu estava deitada de barriga, o saco ainda sobre a
minha cabeça, o meu nariz empurrado contra o chão espaçoso da van. Eu tentei
balançar para o meu lado, mas senti como se meu ombro rasgaria do seu eixo. Eu
gritei de frustração e recebi um chute de imediato na coxa.
— Fale baixo — uma voz masculina rosnou.
Nós dirigimos por um longo tempo. Quarenta e cinco minutos, talvez. Minha mente
pulou em muitas direções para acompanhar com precisão. Será que eu poderia
escapar? Como? Ultrapassá-los? Não. Enganá-los? Talvez. E depois havia Patch. Ele
saberia que eu tinha sido levada. Ele rastrearia o meu celular para a rua do lado de
fora do Pete's Locker Room, mas como é que ele saberia para onde ir a partir daí?
No início, a van parava várias vezes em sinais de trânsito, mas, eventualmente, a
estrada ficou limpa. A van subiu mais alto, indo e voltando em zigue-zague, o que
me fez acreditar que estávamos indo para as áreas remotas e montanhosas, muito
fora da cidade. O suor escorria por baixo minha camisa, e eu não conseguia forçar
uma única respiração profunda. Cada inalação vinha rasa, pânico apertando o meu
peito.
Os pneus estouraram sobre o cascalho, firmemente rolando para cima, até que, por
fim, o motor morreu. Meus captores desamarram meus pés, me arrastaram porta
afora e puxaram o saco da minha cabeça.
Eu estava certa; haviam três deles. Dois homens, uma mulher. Eles haviam me
trazido para uma cabana de madeira, e re-amarram os meus braços em um poste de
madeira decorativa que se erguia entre o nível principal até as vigas no teto. Nada
de luzes, mas isso podia ser porque a energia tinha sido desligada. Móveis eram
escassos, e cobertos por lençóis brancos. O ar não poderia estar mais do que um
ou dois graus mais quente do que do lado de fora, o que significava que não
haviam ligado o aquecedor. A quem quer que a cabine pertencesse, essa pessoa
tinha fechado-a para o inverno.
— Não se incomode em gritar — o mais volumoso deles me disse. — Não há outro
corpo quente por quilômetros. — Ele se escondia atrás de um chapéu de caubói e
óculos de sol, mas a sua precaução era desnecessária; eu estava positivamente
certa de que nunca o tinha visto antes. Meu elevado sexto sentido identificou os
três como Nephilim. Mas o que eles queriam de mim... eu não tinha nem uma pista.
Eu me empurrei contra as correntes, mas fora produzir um som fraco de moagem,
elas não se mexeram.
— Se você for uma Nephilim real, será capaz de romper as correntes — o Nephilim
com o chapéu de caubói rosnou. Ele parecia ser o porta-voz para os outros dois,
que ficaram à minha volta, limitando sua comunicação comigo em olhares de
repulsa.
— O que vocês querem? — eu repeti friamente.
A boca do Chapéu de Caubói se curvou em um sorriso de escárnio.
— Eu quero saber como uma princesinha como você pensa que pode conseguir
uma revolução para os Nephilim.
Eu mantive seu olhar de ódio, desejando que eu pudesse arremessar a verdade em
seu rosto. Não ia haver uma revolução. Uma vez iniciado o Cheshvan em menos de
dois dias, ele e seus amigos seriam possuídos por anjos caídos. Hank Millar teve a
parte mais fácil: preencher suas mentes com noções de rebeldia e liberdade. E
agora eu havia sido deixada para operar o milagre real. E eu não ia.
— Eu pesquisei sobre você — disse Chapéu de Caubói, andando na minha frente.
— Eu perguntei por aí e descobri que você está namorando Patch Cipriano, um
anjo caído. Esse relacionamento está sendo bom para você?
Engoli discretamente.
— Eu não sei com quem você esteve falando. — Eu sabia o perigo que eu
enfrentaria se o meu relacionamento com o Patch fosse descoberto. Eu tinha sido
cuidadosa, mas estava começando a perceber como não tinha tomado cuidado
suficiente. — Mas eu terminei tudo com Patch — eu menti. — Tudo o que tínhamos
está no passado. 'Eu sei onde está a minha lealdade. Assim que eu me tornei uma
Nephil...
Ele enfiou a cara na minha.
— Você não é uma Nephilim! — Seus olhos passaram por cima de mim com
desprezo. — Olhe para você. Você é patética. Você não tem o direito de chamar-se
de Nephilim. Quando eu olho para você, eu vejo uma humana. Eu vejo uma
menininha fraca, chorona e inútil.
— Você está com raiva porque eu não sou tão fisicamente forte quanto você — eu
disse calmamente.
— Quem falou em força!? Você não têm orgulho. Não há nenhuma perceção de
lealdade dentro de você. Eu respeitava Mão Negra como um líder porque ele
ganhou esse respeito. Ele tinha uma visão. Ele entrou em ação. Ele nomeou você
como seu sucessor, mas isto não significa nada para mim. Você quer meu respeito?
Faça-me dar-lhe a você. — Ele estalou os dedos selvagemente na minha face. —
Ganhe ele, princesa."
Ganhar o seu respeito? Para que eu fosse como Hank? Hank era um trapaceiro e
mentiroso. Ele tinha prometido ao seu povo o impossível com palavras suaves e
bajulação. Ele tinha usado e enganado a minha mãe e me transformado em um
peão em sua missão. Quanto mais eu pensava sobre a posição em que ele me
colocou, deixando-me para realizar sua visão demente, mais enlouquecida eu
ficava.
Eu encarei os olhos do Chapéu de Caubói friamente... depois contraí meu pé com
toda a força que eu tinha e o acertei diretamente em seu peito. Ele navegou para
trás na parede e acabou dobrado no chão.
Os outros dois correram para a frente, mas a minha raiva havia começado um
incêndio dentro de mim. Um estranho e violento poder cresceu em mim, e eu me
tencionei contra as correntes, ouvindo o metal ranger enquanto os elos estalavam
e se separavam. As correntes caíram no chão, e eu não perdi um minuto para usar
os meus punhos. Eu esmurrei o Nephil mais próximo nas costelas e dei na mulher
um chute certeiro. Meu pé colidiu com sua coxa, e eu fiquei impressionada com a
massa sólida que eram os seus músculo. Nunca antes na minha vida tinha
encontrado uma mulher de tamanha força e durabilidade.
Dante estava certo; eu não sabia como lutar. Um momento tarde demais, percebi
que eu deveria ter continuado, atacando impiedosamente enquanto eles estavam
caídos. Mas eu estava muito atordoada pelo que eu tinha feito para fazer mais do
que me agachar em uma posição defensiva, esperando para ver qual seria a
resposta deles.
Chapéu de Caubói se atirou em mim, empurrando-me para trás até a parede. O
impacto tirou todo o ar dos meus pulmões e eu me dobrei ao meio, tentando, mas
falhando, em recuperar ar.
— Eu não acabei com você, princesa. Esta foi a sua advertência. Se eu descobrir que
você ainda está andando com os anjos caídos, a coisa vai ficar feia. — Ele bateu na
minha bochecha. — Use esse tempo para reconsiderar sua lealdade. Da próxima
vez que nos encontrarmos, para o seu bem, espero que ela tenha mudado.
Ele sinalizou para os outros com um movimento de seu queixo, e todos eles saíram
pela porta.
Engoli ar, levando alguns minutos para me recuperar, então me arrastei para a
porta. Eles já haviam ido embora. Poeira da estrada circulava pelo ar, e o anoitecer
se estendia por toda a linha do horizonte, um punhado de estrelas brilhantes como
minúsculos fragmentos de vidro quebrado.


CAPÍTULO 4

Saí lentamente da pequena varanda da cabana, querendo saber como eu iria percorrer o caminho até em casa, quando o som de um motor rugiu sobre o longo
caminho de cascalho à frente. Eu me preparei para o retorno do Chapéu de Caubói
e seus amigos, mas foi uma motocicleta Harley Sportster que entrou no meu
campo de visão, carregando um único passageiro.
Patch.
Ele pulou para fora e cruzou a distância até mim em três passos rápidos.
— Você está ferida? — ele perguntou, tomando meu rosto entre suas mãos e me
olhando para averiguar qualquer sinal de dano. Uma mistura de alívio,
preocupação e raiva brilhou em seus olhos. — Onde estão eles? — ele perguntou,
seu tom mais endurecido do que eu jamais tinha ouvido antes.
— Haviam três deles, todos Nephilim — eu disse, minha voz ainda trêmula de
medo e por a ter minha respiração tirada à força de mim. — Eles foram embora a
cerca de cinco minutos atrás. Como você conseguiu me encontrar?
— Eu ativei o seu dispositivo de rastreamento.— Você colocou um dispositivo de
rastreamento em mim?
— Costurado no bolso de sua jaqueta jeans. Cheshvan começa na lua nova de
terça-feira, e você é uma Nephil sem juramento. Você também é a filha do Mão
Negra. Você tem um prêmio sobre sua cabeça, e isso faz de você muito, mas muito
atraente para quase todos os anjos caídos lá fora. Você não vai jurar fidelidade à
ninguém, Anjo, fim da história. Se isto significa que eu tenho que cortar a sua
privacidade, você vai ter que lidar com isso.
— Lidar com isto? Com licença? — Eu não tinha certeza se eu deveria abraçá-lo ou
empurrá-lo.
Patch ignorou minha indignação.
— Diga-me tudo o que puder sobre eles. Descrições físicas, marca e modelo do
carro, qualquer coisa que vá me ajudar a localizá-los. — Seus olhos chiavam com
vingança. — E fazê-los pagar.
— Você também grampeou meu telefone? — Eu quis saber, ainda não
concordando com a ideia de Patch invadindo a minha privacidade sem me dizer.
Ele não hesitou.
— Sim.
— Em outras palavras, não tenho segredos.
Sua expressão se suavizou e pareceu que, se o clima não estivesse tão tenso, ele
poderia ter considerado sorrir.
— Há ainda algumas coisas que você consegue manter em segredo de mim, Anjo.
Beleza, eu caí fácil nessa.
Eu disse:
— O líder se escondeu atrás de óculos de sol e um chapéu de caubói, mas eu estou
certa de que nunca o vi antes. Os outros dois, um homem e uma mulher, usavam
roupas básicas.
— Carro?
— Eu tinha um saco na minha cabeça, mas eu estou certa que era uma van. Dois
deles se sentaram na parte de trás comigo, e a porta parecia que deslizava para o
lado na hora de abrir, quando eles me forçaram a sair.
— Qualquer outra coisa que se destaque?
Eu disse para Patch sobre como o líder ameaçou revelar nosso namoro secreto.
Patch disse:
— Se alguma notícia sobre nós escapulir, as coisas podem ficar feias bem rápido.
— Suas sobrancelhas se juntaram, e seus olhos se escureceram com incerteza. —
Tem certeza de que quer continuar tentando manter nosso relacionamento fora do
radar? Eu não quero perder você, mas eu prefiro fazê-lo em nossos termos do que
no deles.
Eu coloquei minha mão na dele, observando como a sua pele estava fria. Ele estava
imóvel também, como se esperando o pior.
— Estou nesta com você, ou eu estou fora — eu disse a ele, e disse cada palavra
seriamente. Eu tinha perdido Patch uma vez antes, e, não querendo ser
melodramática, mas achava a morte uma opção mais preferível. Patch estava na
minha vida por um motivo. Eu precisava dele. Nós dois éramos metades do mesmo
todo.
Patch puxou-me contra ele, segurando-me com uma ferocidade certamente
possessiva.
— Eu sei que você não vai gostar disso, mas você pode querer pensar sobre a
realização de uma briga pública para enviar uma mensagem clara de que a nossa
relação acabou. Se esses caras estão sérios sobre desenterrar segredos, nós não
podemos controlar o que encontrarão. Isso está começando a me parecer como
uma caça às bruxas, e pode ser melhor dar o primeiro passo.
— Fingir uma briga? — Eu repeti, temor escorrendo por mim como um vento de
inverno.
— Nós saberíamos a verdade — Patch murmurou no meu ouvido, passando as
mãos rapidamente sobre os meus braços para aquecê-los. — Eu não vou perder
você.
— Quem mais poderia saber da verdade? ? Minha mãe?
— Quanto menos elas souberem, mais seguro elas estarão.
Eu soltei um suspiro de conflito.
— Mentir para está ficando muito costumeiro. Eu não acho que eu posso fazer
isso mais. Eu me sinto culpada cada vez que estou perto ela. Eu quero abrir o jogo.
Especialmente sobre algo tão importante como você e eu.
— A decisão é sua — Patch disse gentilmente. — Mas eles não vão machucá-la se
acharem que ela não tem nada para contar.
Eu sabia que ele estava certo. O que não deixou-me uma escolha, não é mesmo?
Quem era eu para colocar a minha melhor amiga em perigo só para apaziguar a
minha consciência?
— Nós provavelmente não seremos capazes de enganar Dante, você vai trabalhar
muito perto dele — Patch disse. — E isso pode até funcionar melhor se ele souber.
Ele pode comprovar a sua história quando ele for falar com os Nephilim influentes.
— Patch tirou o casaco de couro e colocou-o sobre os meus ombros. — Vamos te
levar para casa.
— Podemos fazer uma parada rápida no Pete's Locker Room primeiro? Eu preciso
pegar o meu celular, e o telefone não rastreável que você me deu. Deixei um cair
durante o ataque, e o outro ficou para trás na minha bolsa. Se estivermos com
sorte, meus sapatos novos ainda estarão na calçada também.
Patch beijou o topo da minha cabeça.
— Os dois telefones precisam ser desligados. Eles deixaram a sua posse, e se
assumirmos o pior, seus sequestradores Nephilim colocaram seus próprios
rastreadores ou aparelhos de escuta neles. Melhor obter novos celulares.
Uma coisa era certa. Se antes eu estava desmotivada para treinar com o Dante,
agora tudo tinha mudado. Eu precisava aprender a lutar, e rápido. Entre se esquivar
de Pepper Friberg e me aconselhar no meu novo papel como líder Nephilim, Patch
já tinha o suficiente para se preocupar sem a necessidade de correr toda a vez que
eu me metesse em apuros. Fiquei imensamente grata pela sua proteção, mas já era
hora de eu aprender a cuidar de mim.
Estava completamente escuro na hora que eu cheguei em casa. Eu entrei pela
porta, e minha mãe se apressou para fora da cozinha, parecendo tanto preocupada
quanto brava.
! Onde você esteve? Eu te liguei, mas ficava caindo no seu correio de voz.
Eu poderia bater na minha própria testa. Jantar. Às seis. Eu tinha me esquecido
completamente.
— Eu sinto muito — eu disse. — Eu esqueci o meu telefone em uma das lojas. No
momento em que eu percebi que tinha perdido, era quase hora do jantar, e eu tive
que voltar e procurar por toda a cidade. Eu não o encontrei, então agora eu não
estou só sem um celular, como te deixei na mão. Eu sinto muito. Eu não tive como
te ligar. — Eu odiava ser forçada a mentir para ela de novo. Eu tinha feito isso
tantas vezes que parecia que mais uma vez não deveria doer, mas doeu. Isso me
fez sentir menos e menos como sua filha, e mais e mais como filha do Hank. Meu
pai biológico tinha sido um especialista e incomparável mentiroso. E eu estava em
uma má posição para ser crítica.
— Você não poderia parar e encontrar alguma forma de me ligar? — ela disse, não
parecendo acreditar em minha história por um minuto.
— Isso não vai acontecer novamente. Eu prometo.
— Posso supor que você estava com Patch? — Eu não perdi a ênfase cínica que ela
deu ao falar o seu nome. Minha mãe considerava Patch com tanto carinho quanto
os guaxinins que muitas vezes causavam estragos em nossa propriedade. Eu não
duvidava que ela fantasiava estar de pé na varanda com um rifle empoleirado em
seu ombro, esperando que ele mostrasse o rosto.
Eu inalei, jurando que esta seria a minha última mentira. Se Patch e eu realmente
fôssemos adiante com a briga encenada, era melhor começar a plantar as sementes
agora. Eu disse a mim mesma que quando eu pudesse cuidar da minha mãe e de
, todo o resto seria muito mais tranquilo. — Eu não estava com o Patch, Mãe.
Nós terminamos.
Ela ergueu as sobrancelhas, ainda não parecendo convencida.
— Isso simplesmente aconteceu, e não, eu não quero falar sobre isso. — Eu
comecei a me dirigir para as escadas.
...
Voltei, e haviam lágrimas em meus olhos. Elas apareceram do nada e não eram
parte da minha encenação. Eu simplesmente lembrei da última vez em que Patch e
eu terminamos de verdade, e uma sensação estranha me apertou, roubando a
minha respiração. A memória disso ia para sempre me assombrar. Patch tinha
levado as melhores partes de mim com ele, deixando uma menina perdida e vazia
para trás. Eu não queria ser esta garota novamente. Nunca mais.
A expressão de minha mãe relaxou. Ela me encontrou na escada, esfregou minhas
costas suavemente, e sussurrou no meu ouvido:
— Eu te amo. Se você mudar de ideia e quiser falar...
Eu assenti e, em seguida, fui para o meu quarto.
Pronto, eu disse a mim mesmo, tentando arduamente soar otimista. Uma já foi,
falta uma. Eu não estava exatamente mentindo para a minha mãe e para sobre
a separação; eu estava apenas fazendo o que tinha que ser feito para mantê-las
seguras. Honestidade era a melhor política, na maior parte do tempo. Mas às vezes
a segurança supera todo o resto, certo? Parecia um argumento válido, mas o
pensamento azedou o meu estômago.
Havia outro pensamento preocupante arranhando o fundo da minha mente. Por
quanto tempo Patch e eu poderíamos viver uma mentira... e não deixá-la tornar-se
verdade?
Cinco horas da manhã de segunda-feira chegou muito cedo. Eu bati no meu
alarme, cortando-o no meio da música. Então eu me virei e disse a mim mesma:
Mais dois minutos. Fechei os olhos, deixei a minha mente voar, vi um novo sonho
começar a tomar forma... e quando percebi, um punhado de roupas era jogado
sobre o meu rosto.
— Levante e acorde — disse Dante, de pé ao lado da minha cama, no escuro.
— O que você está fazendo aqui? — Eu gritei grogue, arrebatando meu cobertor e
puxando-o para cima.
— Fazendo o que qualquer personal trainer decente faria. Tire sua bunda da cama
e comece a se vestir. Se você não estiver na calçada em três minutos, eu vou voltar
com um balde de água fria.
— Como foi que você entrou?
— Você deixou sua janela destrancada. Pode querer parar com esse hábito. Difícil
de controlar o que vem de fora quando você dá ao mundo um passe livre.
Ele caminhou em direção a porta do meu quarto bem quando eu vacilava para fora
da cama.
— Você está louco? Não use o corredor! Minha mãe pode ouvir você. Um cara
fazendo o que parece ser a “caminhada da vergonha” para fora da porta do meu
quarto? Eu vou ficar de castigo para o resto da vida!
Ele parecia estar se divertindo.
— Para o seu registro, eu não ficaria envergonhado.
Eu fiquei parada no lugar por mais dez segundos após a sua saída, me
perguntando se eu deveria compreender mais profundamente as suas palavras.
Claro que não. Sua fala poderia ter parecido como um flerte, mas não foi. Fim da
história.
Eu coloquei minhas leggings pretas e uma camisa elástica de microfibra, alisando o
meu cabelo em um rabo de cavalo. No mínimo eu ficaria bonita enquanto Dante
me arremessasse no chão.
Exatamente três minutos depois, eu o encontrei na entrada da garagem. Eu olhei
ao redor, sentindo a ausência de algo importante.
— Onde está o seu carro?
Dante me deu um soco de leve no ombro.
— Sentindo-se preguiçosa? Tsk, tsk. Pensei que nós poderíamos nos aquecer com
uma corrida refrescante de 16 quilômetros. — Ele apontou para a área densamente
arborizada do outro lado da rua. Quando crianças, e eu tínhamos explorado os
bosques, e até construímos um forte num verão, mas eu nunca tinha tido tempo
para me perguntar até onde eles iam. Aparentemente, pelo menos dezesseis
quilômetros. — Depois de você.
Eu hesitei. Eu não me sentia bem em correr na imensidão com Dante. Ele tinha sido
um dos principais homens de Hank... razão suficiente para não gostar ou confiar
nele. Em retrospeto, eu nunca deveria ter concordado em treinar sozinha com ele,
especialmente se a nossa arena de treinamento era erma.
— Após o treinamento, provavelmente devíamos examinar o feedback que estou
recebendo de vários Grupos Nephilim sobre moral, expectativas, e você. — Dante
acrescentou.
Após o treinamento. Isto significava que ele não tinha intenção de me descartar no
fundo de um galpão abandonado na próxima hora. Além disso, Dante responde à
mim agora. Ele tinha jurado lealdade. Não mais tenente de Hank, ele agora era
meu. Ele não se atreveria a me prejudicar.
Permitindo-me o luxo de um pensar pela última vez em um sono feliz, eu retirei a
fantasia e corri para a onde as árvores começavam. Os ramos das árvores se
esticavam como um dossel acima, impedindo os poucos vestígios da luz do início
do dia que o céu poderia ter a oferecer. Baseando-me em minha visão Nephilim
elevada, corri arduamente, saltando sobre árvores caídas, esquivando dos ramos
baixos, e mantendo meus olhos atentos às rochas afiadas submersas e outros
detritos camuflados. O chão era traiçoeiramente desigual, e na velocidade que eu
viajava, um passo falso poderia ser desastroso.
— Mais rápido! — Dante gritou atrás de mim. — Pise mais leve com seus pés. Você
parece um rinoceronte em debandada. Eu poderia te encontrar e pegá-la com os
olhos fechados!
Tomei suas palavras a sério, levantando meus pés no momento em que batiam no
chão, repetindo este processo a cada passo, concentrando-me e tornando-me o
mais silenciosa e indetetável quanto possível. Dante correu à frente, me passando
com facilidade.
— Me pegue! — ordenou.
Correndo atrás dele, fiquei maravilhada com a força e agilidade do meu novo
corpo Nephilim. Fiquei impressionada pela forma como o meu desajeitado, lento e
descoordenado corpo humano tinha sido em comparação. Meu atletismo não
estava meramente melhorado, estava superior.
Eu mergulhei por baixo de ramos, pulei sobre fossas, e disparei em volta de
pedregulhos como se fosse uma pista de obstáculos que eu tinha há muito tempo
memorizado. E embora eu sentisse como se estivesse correndo rápido o suficiente
para decolar e voar para o céu a qualquer momento, meu ritmo ficava para trás de
Dante. Ele se movia como um animal, ganhando o impulso de um predador que
persegue sua próxima refeição. Logo eu o perdi de vista completamente.
Eu diminuí, forçando meus ouvidos. Nada. Momento depois ele saltou adiante para
fora da escuridão.
— Isso foi patético — criticou. — Mais uma vez.
Passei as duas horas seguintes correndo atrás dele e ouvindo as mesmas diretrizes
repetidas vez atrás de outra: Mais uma vez. E mais uma vez. Ainda não está certo,
faça mais uma vez.
Eu estava prestes a desistir (os músculos da minha perna tremiam de exaustão e
meus pulmões pareciam arranhados) quando Dante circulou de volta. Ele me deu
um tapinha de felicitações no ombro.
— Bom trabalho. Amanhã nós vamos mudar para o treinamento de força.
— Oh? Levantando pedras? — Consegui falar cinicamente, ainda que travada e
com dificuldades.
— Arrancando árvores.
Eu olhei para ele.
— Empurrando-as — ele elaborou alegremente. — Tenha uma noite inteira de
sono... você vai precisar.
— Ei! — Eu gritei para ele. — Não estamos ainda a quilômetros da minha casa?
— Oito, na verdade. Considere isso como a sua caminhada para relaxar.

 


LER MAIS CAPÍTULOS